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A relação tripartite e os limites à ação dos órgãos reguladores

4. CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE OS AGROTÓXICOS

4.4. A relação tripartite e os limites à ação dos órgãos reguladores

No Brasil, três órgãos têm responsabilidade conjunta para concederem a autorização de registro de agrotóxicos: o MAPA, o IBAMA e a ANVISA. Essa avaliação é feita com base em uma série de itens apresentados pelas empresas produtoras para atestar a composição física, química e/ou biológica dos mesmos, incluindo extensos dossiês toxicológicos e ecotoxicológicos e comprovações de eficiência de ação. Esses documentos incluem, dentre outros aspectos, “testes de toxicidade aguda, crônica, de metabolismo animal, vias de biodegradação, tipos de resíduos gerados, persistência no meio ambiente, mobilidade no solo, toxicidade para organismos do solo e aquáticos” para ser possível proceder com a avaliação do grau de periculosidade que possam causar ao homem, aos demais seres vivos e ao meio ambiente (Grisolia, 2005, p. 55).

Até os anos 1970, o registro de agrotóxicos era de responsabilidade apenas do Ministério da Agricultura, o qual historicamente procurou incentivar o aumento da produtividade agrícola. A inclusão dos órgãos da saúde e do meio ambiente em condição equânime à pasta da agricultura nesse processo reflete tanto a maior conscientização que o tema dos agrotóxicos adquiriu na sociedade, preocupada com os impactos ambientais e toxicológicos gerados por estes produtos, quanto uma resposta da União às legislações estaduais aprovadas no decorrer dos anos 1980, algumas das quais prevendo uma necessária avaliação prévia dos efeitos causados pelos agrotóxicos na saúde e no meio ambiente para conceder autorização para o uso e comércio dos agrotóxicos (Pelaez, Silva, & Araújo, 2013).

Com base nesses preceitos, a Lei dos Agrotóxicos estabeleceu aos órgãos federais responsáveis pelas áreas de agricultura, meio ambiente e saúde a responsabilidade por conceder os registros que permitem a produção, comercialização e uso de agrotóxicos no território nacional (Lei n. 7.802, 1989). Desde que se instituiu essa relação, ficou a cargo do MAPA proceder com a avaliação no que tange o seu desempenho e eficiência agronômica. Por sua vez, com a criação do Ministério do Meio Ambiente (MMA), em 1992 (e a consequente vinculação do IBAMA a este), e da ANVISA, vinculada ao Ministério da Saúde (MS), em 1999, esses órgãos ficaram responsáveis por avaliar os produtos respectivamente no que tange os seus efeitos ao meio ambiente e a sua toxicologia e os impactos à saúde humana.

A partir dos pareceres dos três órgãos, o registro é concedido, cabendo ao MAPA proceder com essa etapa final do processo. Caso um destes seja no sentido contrário à aprovação, o registro do produto não é autorizado, ficando proibida a sua comercialização

(Pelaez et al., 2013). Assim, configurou-se a relação tripartite em vigor, representando um avanço importante em termos de avaliação dos impactos dos agrotóxicos, pois:

[...] denota o reconhecimento legal de que as características agronômicas do produto avaliado, as avaliações toxicológicas e as de efeitos ao meio ambiente encontram-se estritamente ligadas. Ademais, esse tipo de gestão compartilhada poderia proporcionar a redução dos riscos de captura, em contrapartida à centralização da regulação em uma única agência, em especial do Ministério da Agricultura. Isso, no entanto, acabou por reforçar a polarização entre os entes governamentais (Franco, 2014).

Não se pode dizer que essa relação tenha sido conduzida de forma harmoniosa pelo Executivo ao longo do tempo, sendo alvo de constantes críticas por parte principalmente dos setores produtivos. Um dos motivos principais consiste na demora nos processo de avaliação dos produtos, em decorrência da complexidade e do elevado número de testes necessários. Alinhado a um volume alto de registros apresentados pelas empresas e a uma carência de infraestrutura física e humana que permita a esses órgãos satisfazerem a demanda dentro do prazo legal previsto para avaliação (até 120 dias), esse quadro resultou na formação de imensas filas para análise (Franco & Pelaez, 2016; Pelaez et al., 2010).

Em estudo comparando as realidades de Estados Unidos e Brasil (os dois maiores mercados consumidores de agrotóxicos do mundo), Pelaez, Silva e Araújo (2013) apontam as falhas na implementação da regulação social preconizados pela Lei n. 7.802/89. Dentre os pontos ressaltados, indicam que, enquanto que a Environmental Protection Agency, agência norte-americana responsável, dentre outras questões, pela avaliação de agrotóxicos e concessão de registros, dispunha de 850 técnicos dedicados exclusivamente ao processo regulatório desses produtos, no Brasil, somado os três órgãos responsáveis, o número não chegaria a 50. Além disso, as taxas cobradas nos Estados Unidos para que um novo ingrediente ativo seja avaliado pela autoridade competente e para a renovação de registros concedidos (que deve ser feita a cada 15 anos) são consideravelmente mais altas que as brasileiras, cabendo às empresas, ainda, o ônus de apresentarem provas que atentem que os produtos continuam atendendo às especificações técnicas e parâmetros de toxicidade. Enquanto isso, no Brasil, essa responsabilidade recai sobre os próprios órgãos reguladores e os registros são concedidos por prazo indeterminado – apenas se houver indícios de que o produto tenha potencial para causar danos ambientais ou toxicológicos é que os órgãos responsáveis podem abrir processo de reavaliação (Pelaez et al., 2013).

Além disso, os três órgãos não estão plenamente isentos da interferência de agentes cujos interesses voltam-se para atender prioritariamente demandas conforme seja do interesse da agenda política, bem como à ação do lobby das entidades setoriais junto aos poderes

Executivo e Legislativo cobrando maior agilidade nos procedimentos de avaliação. O IBAMA e principalmente a ANVISA são os alvos principais das insatisfações manifestadas pelo setor produtivo e por parlamentares ligados à bancada ruralista, uma vez que lidam com as avaliações mais complexas e que demandam mais tempo de serem concluídas – e consequentemente são as que tendem a atrasar mais na liberação do parecer (Franco & Pelaez, 2016).

Contudo, ao longo dos últimos anos, algumas mudanças foram introduzidas na legislação visando conferir maior agilidade no processo de liberação de registros, introduzindo mecanismos como a avaliação por equivalência para aqueles agrotóxicos que possuem composição química similar a outros já autorizados para uso no Brasil, simplificando os procedimentos de registro (Decreto n. 4.074, 2002; Decreto n. 5.549, 2005). Embora permaneçam as queixas do setor produtivo em relação à demora dos órgãos reguladores em aprovar os registros dos produtos, nos últimos anos, com o governo de Michel Temer, o volume anual de registros concedidos aumentou significativamente em comparação com os anos anteriores –no período entre 2016 e 2018, o total de registros concedidos é similar ao total englobado pelos oito anos anteriores (MAPA, 2019), conforme apontado pela Figura 10.

Figura 10. Total de agrotóxicos registrados anualmente – 2005 a 2018

Fonte: MAPA, 2019