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Agrotóxicos, alimentos e saúde humana: críticas ao atual modelo produtivo

4. CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE OS AGROTÓXICOS

4.5. Agrotóxicos, alimentos e saúde humana: críticas ao atual modelo produtivo

Quando o assunto é agrotóxico, um aspecto que movimenta os debates consiste na qualidade do alimento consumido pela população, aspecto avaliado pela ANVISA, desde 2001, através do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA). Desenvolvido com apoio de órgãos estaduais e municipais de vigilância sanitária e de

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laboratórios estaduais, o relatório mais recente (referente ao triênio 2013 -2015) apontou um nível de segurança alimentar tido como aceitável em termos de riscos agudos de intoxicação e de exposição aos resíduos (ANVISA, 2016).

Contudo, essa pesquisa possui algumas limitações, como, por exemplo, não conseguir detectar a presença de dois dos agrotóxicos mais consumidos no país – o glifosato e o 2,4-D, os quais foram apontados recentemente como possíveis agentes carcinógenos por órgãos internacionais ligados à pesquisa do câncer (V. Almeida et al., 2017). Além disso, deve-se ressaltar que mais da metade das amostras (58,00%) possuíam algum tipo de resíduo de agrotóxicos, das quais 27,30% apontavam para a presença de resíduos de três ou mais agrotóxicos, aspecto que ainda é alvo de pesquisas para saber se o risco de consumo desses alimentos não seria potencializado devido a essa exposição simultânea (ANVISA, 2016).

Críticos apontam, também, que, embora o PARA sirva como uma importante referência, ainda persistem incertezas científicas na literatura acerca da definição dos valores dos limites máximos de resíduos (LMR) utilizados para se avaliar as amostras e, portanto, essas informações podem não refletir adequadamente a dimensão dos que os agrotóxicos podem representar à saúde da população (Carneiro et al., 2015). Por fim, entidades que lutam pela redução do consumo de agrotóxicos no país, como a ABRASCO, denunciam uma possível manipulação dos resultados apontados neste último relatório da ANVISA, em decorrência de mudanças implementadas no PARA que resultaram em modificações na apresentação dos resultados em comparação com anos anteriores (Friedrich, Souza, & Carneiro, 2018).

Ainda em relação aos LMR, defensores da redução do uso de agrotóxico alegam que os valores de referência adotados pelo Brasil são mais elevados quando comparado a outros países. Bombardi (2017) aponta que os LMR adotados para alguns dos principais agrotóxicos consumidos no país, quando comparado com o valor máximo tolerado na União Europeia (UE), chega a ser de 200 vezes maior, no caso do herbicida glifosato (defensivo mais consumido no país e usado em várias culturas, principalmente na de soja) e de até 400 vezes maior, no caso do inseticida / acaricida Malationa, usado no cultivo de feijão. Se utilizado como referência os LMR na água potável consumida pela população, a discrepância nos valores tolerados é ainda maior – o Brasil permite uma concentração 5000 vezes maior de resíduo de glifosato na água se comparado à EU (Bombardi, 2017).

Além disso, outro dado preocupante refere-se ao fato de que alguns agrotóxicos bastante consumidos no Brasil são proibidos para venda em países da UE, bem como de nações como Estados Unidos, Canadá, Austrália e Japão. Carneiro et al. (2015) destacam que, dos 50

princípios ativos de agrotóxicos mais comercializados no país, 22 são proibidos na UE. Dentre esses produtos, destaque para aqueles com ingredientes ativos como o Acefato (inseticida / acaricida usado principalmente na soja), a Atrazina (herbicida usado em várias culturas) e o Carbofurano (inseticida / acaricida), que são proibidos na UE desde 2003, mas que permanecem sendo utilizados em larga escala no Brasil. Além disso, entre os anos de 2015 e 2017, aumentou a diferença no número de agrotóxicos autorizados para uso no Brasil em culturas como o café, a cana-de-açúcar, os produtos cítricos, o milho e a soja que se encontram proibidos na UE, acompanhando uma tendência também de crescimento no número de agrotóxicos autorizados pelo país para uso nessas culturas (Bombardi, 2017).

Dentre as consequências para o meio ambiente, a problemática do agrotóxico está associada à contaminação da água de lençóis freáticos, de rios e mesmo da chuva, bem como do solo. Além disso, sua aplicação incorreta e de forma excessiva pode causar impactos nos ecossistemas vivos, em especial na flora e na fauna, contribuindo para a diminuição da biodiversidade. Em especial, há críticas sobre os efeitos causados pela pulverização aérea de agrotóxicos, pois a ação do vento pode contribuir para espalhar as partículas por vastas regiões, chegando, inclusive, ao meio urbano. Por fim, os agrotóxicos também são associado ao surgimento de diversas doenças e disfunções no organismo, já tendo sido detectados, inclusive, em amostras de leite materno humano, bem como são apontados como agentes capazes de provocar mutação gênica àqueles expostos a sua ação (Carneiro et al., 2015; Grisolia, 2005).

A toxicidade de um agrotóxico considera apenas os seus efeitos agudos no organismo (i.e., aqueles causados imediatamente após a exposição a esses produtos), entretanto pouco reflete sobre os efeitos crônicos que podem desencadear no longo prazo. Embora muitos sejam classificados como pouco ou medianamente tóxicos, os efeitos para a saúde humana podem se manifestar meses, anos ou décadas depois da exposição, estando associados como possível fator responsável por diversos tipos de cânceres, por distúrbios endócrinos, neurológicos e mentais, além de má-formação fetal e/ou disfunções no sistema reprodutor (Carneiro et al., 2015).

Além disso, com o passar do tempo, os organismos que são alvo da ação dos agrotóxicos vão adquirindo resistência genética. Como resultado, esses produtos vão perdendo a eficácia e demandando a aplicação de uma quantidade maior de insumos ou o emprego de novos produtos para tentar combater as pragas (Grisolia, 2005). Por fim, o contrabando de agrotóxicos é outro problema que gera riscos à população, pois implica no uso de compostos não permitidos no Brasil e cujos riscos toxicológicos não são analisados pelas autoridades que regulamentam esses produtos no país. Dado que, para algumas culturas, há limitações na quantidade de registros de

agrotóxicos autorizados para uso nas lavouras (ou mesmo não há agrotóxicos permitidos), esse fato sinaliza uma falta de controle, por parte das autoridades, na condução das políticas públicas relacionadas a esses produtos (Rigotto et al., 2012; Rigotto, Vasconcelos, & Rocha, 2014).

4.6. Considerações finais do capítulo

A partir das informações analisadas neste capítulo, percebe-se que a questão dos agrotóxicos é complexa, envolvendo diferentes interesses em jogo, a começar pela própria terminologia adequada para se referir a esses produtos. Por um lado, trata-se de um produto tido como essencial na agricultura moderna, que permite ao Brasil dispor de um protagonismo na produção agrícola global, a qual se reflete na sua balança comercial com o exterior. Além disso, movimenta uma cadeia produtiva de mais de US$ 3 bilhões apenas no país, um dos maiores mercados consumidores de agrotóxicos do mundo.

Entretanto, são crescentes as vozes na sociedade civil e científica que se manifestam contra o consumo desses produtos. Apontando os riscos envolvidos para a saúde humana e para o meio ambiente que esses produtos acarretam, esses setores defendem a necessidade de se buscar meios alternativos para garantir a qualidade dos alimentos consumidos pela população e mudanças no modelo produtivo agrícola, tendo em vista que os agrotóxicos estão associados à manifestação de doenças como o câncer e à contaminação dos solos e dos recursos hídricos. Equilibrando-se entre esses grupos, o Estado brasileiro implementou um aparato institucional cujo alicerce principal é a Lei n. 7.802/89, também conhecida como Lei dos Agrotóxicos, para instituir uma política pública que condiciona o tema dos agrotóxicos e que tem na relação tripartite entre ANVISA, IBAMA e MAPA um dos seus pilares básicos de funcionamento. Cabe, assim, compreender como se constituiu essa política e o seu comportamento ao longo das últimas décadas e quais são os diferentes instrumentos institucionais que a condicionam, assunto abordado no capítulo a seguir.