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Com base no que foi debatido no decorrer deste referencial teórico, a Figura 2 sintetiza os principais pontos que permeiam os conceitos teóricos aqui abordados, destacando as premissas, limitações e contribuições de cada abordagem. Esse é o ponto de partida para traçar possíveis relações entre eles, agregando uma dimensão mais ampla para entender a atuação dos empreendedores no contexto das políticas públicas.

Embora o Modelo de Múltiplos Fluxos agregue uma concepção centrada no agente e proporcione ao empreendedor político um papel de destaque na formulação da agenda e das políticas públicas, seu poder de ação revela-se limitado. Conforme apontado por Kingdon (2003), os empreendedores políticos aproveitam os momentos que a janela de oportunidade surge para promoverem a conexão dos fluxos, ligando soluções aos problemas e aproveitando

o contexto do fluxo político para promoverem suas ideias. Reconhecidos por sua persistência e por suas habilidades de negociação, dispõem de características que lhes possibilitam exercer influência sobre outros agentes visando convencê-los de uma ideia que, por sua vez, pode proporcionar-lhes benefícios futuros (Kingdon, 2003).

Por sua vez, os empreendedores institucionais são agentes que procuram desencadear mudanças que alterem o status quo das instituições – seja no sentido de modifica-las ou de criar novos arranjos – participando ativamente da implementação desses processos, embora nem sempre obtenham êxito. A partir da lógica de que os indivíduos são um produto do contexto institucional no qual estão inseridos, esses agentes desenvolvem uma visão de que as mudanças são necessárias para atingir seus objetivos; para tanto, acabam mobilizando recursos e motivando outros indivíduos para conseguirem, assim, atingir seus objetivos (Battilana et al., 2009; Hardy & Maguire, 2008).

Tanto os empreendedores (político ou institucional) quanto os policy brokers atuam em um contexto de política pública no qual prevalecem diferentes crenças, disputas, ideias e interesses e a formação de alianças tende a ser um processo inevitável para se alcançar os objetivos e limitar as ações dos adversários. Sendo um dos modelos teóricos mais utilizados nas últimas décadas para avaliar a dinâmica dos processos políticos, o ACF agrega a noção de que as disputas e negociações que resultam na mudança das políticas (e, por consequência, das instituições vigentes) ocorrem em um contexto de subsistema político, demandando tempo e a formação de coalizões de defesa, baseadas no sistema de crenças dos membros e na adoção de estratégias de atuação coordenada, nas quais alguns atores conseguem ter maior destaque em detrimento de outros (Sabatier & Weible, 2007; Weible & Sabatier, 2009; Weible et al., 2009).

Figura 2. Convergindo as abordagens teóricas analisadas

Abordagem Premissas Contribuições Limitações

O empreen- dedor político segundo o Modelo de Múltiplos Fluxos

* Agente com poder de influenciar processo de formulação de políticas e a definição da agenda. * Empreendedor político: agente persistente e racional que investe recursos na promoção de uma ideia. * Os empreendedores influenciam na formulação de políticas e na conexão dos fluxos. * O desenvolvimento das políticas decorre da disputa entre definições de problemas e geração de alternativas. * Permite lidar com condições de ambiguidade e de incerteza.

* Agrega uma dimensão de agente a um processo compreendido mais pela ótica da estrutura.

* O empreendedor é um agente central no âmbito da formulação da agenda e na conexão entre os fluxos.

* Dificuldade em prever quando processos de mudança na agenda podem acontecer. * Os fluxos podem se conectar mesmo sem a ocorrência das janelas de oportunidade. * Não reconhece o papel das instituições na concepção das políticas públicas.

* O empreendedor é capaz de influenciar os demais atores, mas não consegue controlar os processos de mudança.

O conceito de empreendedor institucional

* O empreendedor exerce influência para modificar as instituições ou, se preciso, para criar novos arranjos institucionais. * Destacam-se por desenvolver uma visão, mobilizando pessoas e motivando seus apoiadores para atingir seus objetivos.

* Agrega considerações sobre agentes, poder e interesses e seus reflexos nos arranjos institucionais.

* Foca no papel exercido pelo agente no processo de surgimento e transformação das instituições.

* Entende o indivíduo como um produto do contexto institucional inserido.

* Desconsidera a influência que as instituições exercem no comportamento dos atores e as estratégias que os agentes podem adotar para atingir seus objetivos.

* Visão instrumentalizada e desincorporada da agência, indo em oposição aos preceitos da teoria institucional. As coalizões de defesa e a figura do policy broker no ACF * Os subsistemas políticos são as unidades básicas de análise;

* Os indivíduos que atuam no subsistema se organizam em coalizões de defesa a partir do compartilhamento de crenças e da promoção de atuação coordenada entre seus membros.

* Policy broker visto como um agente mediador de conflitos e de interesses, embora possa ter objetivos políticos próprios.

* Permite agrupar os agentes em coalizões de defesa a partir dos valores e crenças que compartilham entre si e dos interesses em comum. * Possibilita a análise de situações complexas que envolvem objetivos conflitantes e atuação de múltiplos atores.

* Sua perspectiva temporal permite analisar o

comportamento das

instituições e o impacto das

coalizões no seu funcionamento. * Ausência de variáveis institucionais conceituadas e operacionalizadas que estruturem a formação e o comportamento das coalizões. * Não oferece resposta para o papel que o poder, os recursos, os líderes/empreendedores políticos desempenham nas coalizões;

* Não considera

explicitamente as mudanças institucionais como resultante do comportamento das coalizões.

Modelo MIGT

* Mudança institucional como processo endógeno e incremental a partir dos

gaps entre criação da regra

e sua implementação ou aplicação.

* Ambiente institucional complexo. A ambiguidade é uma variável que pode pautar a atuação dos atores.

* Aponta diferentes estratégias para conduzir um processo de mudança institucional.

* Classifica os tipos de agentes de mudança com base no comportamento adotados. * Proporciona um relato histórico do processo de mudança institucional. A movimentação dos agentes e dinâmica dos conflitos são condicionantes das alterações incrementais.

* Desconsidera dinâmica interna de atuação e de coordenação entre os agentes envolvidos nem o seu poder de persuasão.

* Categorização limitada, demandando adequação aos tipos preestabelecidos. * Não leva em consideração processos de mudança em políticas públicas que também podem afetar as instituições vigentes.

Neoinstitu- cionalismo Discursivo

* Ideias e discurso são elementos cruciais na análise do comportamento institucional e humano. * Abordagem dinâmica, centrada no poder de agentes movidos por interesses subjetivos. * Instituição como estrutura e construção internas dos agentes que a influenciam.

* Vê o agente como elemento importante na dinâmica institucional (seja de continuidade ou de mudança das instituições). * A mudança institucional é um processo endógeno resultante de habilidades ideacionais e discursivas dos agentes.

* Explica o funcionamento das instituições pela interação entre ideias e discursos.

* Abordagem recente, não dispondo de modelos para compreender o processo de mudança institucional. * Carece de um olhar estratégico para a figura do agente e de sua atuação perante às instituições. * Desconsidera variáveis estruturais externas que também influenciam no processo de mudança institucional.

Além disso, o ACF agrega a noção de que os empreendedores não são agentes que atuam isoladamente em um subsistema político, mas sim que estão inseridos em um contexto no qual alianças tendem a se formar a partir das crenças compartilhadas pelos agentes e dos objetivos que tenham em comum. Dessa forma, presume-se que os empreendedores se engajarão em defender as ideias da coalizão da qual fazem parte e apresentar soluções que sejam vantajosas para todos os seus membros. Além disso, o ACF apresenta a figura do policy broker, o qual assume uma faceta de mediador entre as coalizões (e mesmo dentro das próprias coalizões) que se materializam no processo político no qual as políticas públicas se desenvolvem. Por fim, como apontado por Schmidt (2008), é possível traçar uma relação entre os diferentes níveis de ideia que os indivíduos manifestam e o sistema de crenças que lhes influenciam.

A Figura 3 demonstra esquematicamente como se estabelece essa relação entre políticas públicas, coalizões de defesa, empreendedores político e institucional e policy brokers.

Figura 3. Relação entre agentes e coalizões de defesa no escopo de uma política

Fonte: elaborado pelo autor

Por sua vez, o Modelo MIGT e os preceitos do Neoinstitucionalismo Discursivo agregam uma dimensão sobre como o contexto institucional impacta na formulação das políticas públicas e no poder de ação que os agentes possuem para influenciar nos rumos das instituições. De forma mais específica, permite compreender as margens de manobra e as restrições que existem para os empreendedores políticos propagarem suas propostas e conduzirem suas negociações junto aos demais agentes envolvidos nos fluxos de política e de programas. Além disso, suprem a limitação do Modelo de Múltiplos Fluxos referente à carência de um olhar para o papel que as instituições desempenham no âmbito das políticas públicas.

O discurso, por sua vez, assume uma importância fundamental para compreender os condicionantes que movem este agente. Tendo em vista ser este um instrumento valioso a sua disposição para manifestar e defender as ideias concebidas, torna-se um meio importante para

Política pública

Coalizões de defesa

Agentes que se destacam

•rede de agentes •subsistema político

•sistema de crenças, ideias e valores

•engajamento coordenado •Empreendedor político •Empreendedor institucional •Policy broker

advogar pela adoção das soluções propostas, persuadir os demais atores envolvidos na defesa dos seus interesses e condicionar os rumos que o ambiente institucional deveria adotar para permitir a execução das políticas concebidas – mesmo que, para tanto, precisem assumir a defesa de mudanças nas regras vigentes. Por fim, que o Modelo de Múltiplos Fluxos supre as lacunas analíticas sobre políticas públicas que carecem de atenção em ambas essas abordagens. Agregando-se, por sua vez, os conceitos de empreendedor institucional à análise e seguindo uma linha de raciocínio similar à de Anderson (2018) para encarar o empreendedor político como um tipo de empreendedor institucional, rompe-se a perspectiva de que esses agentes não possam desempenhar um papel mais ativo nos processos de mudança. Pelo contrário, entende-se que, para fazer valer as soluções propostas e ter êxito em conectar os fluxos, os empreendedores precisam atuar ativamente para que os arranjos institucionais vigentes permitam a execução das ideias por eles defendidas.

Entende-se, assim, que, partindo de um contexto no qual uma política pública trata-se de um subsistema político que engloba uma rede de atores com interesses e crenças diversas organizados em coalizões de defesa, alguns atores tendem a assumir uma posição de maior destaque na defesa das ideias e na implementação de soluções. Tanto os empreendedores políticos quanto os institucionais enquadram-se nessa definição, enquanto que os policy brokers assumem uma postura de negociação e de mediação dos diferentes interesses existentes. As ideias e soluções defendidas, por sua vez, são transmitidas através do discurso dos agentes, refletindo, por sua vez, o sistema de crenças da coalizão da qual fazem parte. Por fim, a atuação – tanto dos empreendedores quanto das coalizões – é caracterizada por ser estratégica, revelando um comportamento dominante a fim de alcançar seus objetivos e, se for do interesse, desencadear processos de mudança nas políticas e nas instituições que as condicionam. A figura 4 apresenta uma representação gráfica dessa proposição.

Assim, por meio das propostas de interface entre essas abordagens, percebe-se que é possível agregar um olhar de dinamismo e de complexidade ao papel que o empreendedor político desempenha nas políticas públicas. Embora seja possível concordar que essa atuação não necessariamente seja ativa, ao persuadir outros agentes para promover suas ideias e suas propostas, o empreendedor pode atuar com o propósito de influenciar o rumo das instituições, desencadeando as mudanças necessárias para o desenvolvimento de determinada política pública. Além disso, ao estar inserido dentro de uma coalizão, ele tende a promover ideias e soluções que são defendidas pelos demais membros do grupo, assumindo uma postura proativa e de proeminência perante os demais agentes e uma posição de destaque em um contexto no

qual outras coalizões também estão operando e buscando alcançar seus objetivos. Nesse sentido, o poder do discurso – entendido aqui como a manifestação das ideias – adquire importância estratégica para persuadir os demais agentes na defesa de suas propostas. Por fim, sob certos aspectos, para atingir seus fins, a promoção de alterações no status quo institucional também far-se-á necessária, demandando que advogue em prol delas.

Figura 4. Modelo de representação gráfica da análise

Fonte: elaborado pelo autor