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4. CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE OS AGROTÓXICOS

4.3. Consumo de agrotóxico no Brasil: panorama geral

Desde os anos 1970, o Brasil esteve entre os seis maiores mercados consumidores de agrotóxicos do mundo (Pelaez et al., 2010). O avanço da chamada “Revolução Verde” no campo ao longo das últimas décadas, baseado no uso intensivo de tecnologia e de insumos e da monocultura de produtos como o milho, o algodão, a cana-de-açúcar e principalmente a soja, aliado a uma política fiscal favorável às grandes produtoras de insumos e à concessão de crédito aos agricultoras consolidou, ao longo das últimas décadas do século XX, um modelo de produção agrícola no Brasil no qual o uso de agrotóxico possui grande importância na cadeia agrícola do país (Franco & Pelaez, 2016).

Nos últimos anos, o Brasil consolidou a sua posição como um dos maiores produtores agropecuários do mundo, sendo atualmente o segundo maior exportador de gêneros agrícolas (Pignati et al., 2017). A lógica de produção está relacionada à inserção brasileira com base em um dinâmica de economia internacionalizada avessa à produção de alimentos, na qual se especializa no fornecimento de algumas commodities agrícolas que tenham alta demanda no mercado externo, que demandam uso intensivo de agrotóxicos e que passam a ocupar uma parcela maior das terras cultiváveis do país em detrimento do cultivo de itens que fazem parte da base alimentar da população, como arroz, feijão, trigo e mandioca (Bombardi, 2017).

Dentre os produtos que compõem a pauta de exportação do país, o grande destaque é a soja, que movimentou, ao longo de 2018, um volume de mais de US$ 40 bilhões entre a comercialização de grãos e de produtos processados, como o óleo de soja, e respondeu por cerca de 17,00% das exportações, segundo dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), atualmente incorporado ao Ministério da Economia. Apenas o comércio de soja bruta (em grãos ou triturada) respondeu por mais de US$ 33 bilhões e quase 14,00% do total exportado (MDIC, 2019).

Fatores como a condição climática brasileira, o fato de dispor de um grande território tropical e a modernização produtiva que possibilitou à agricultura avançar e ocupar áreas que, no passado, eram consideradas pouco atrativas para a plantação – como as regiões do cerrado, no Centro-Oeste, e do semiárido nordestino – permitiram ao Brasil aumentar a sua produtividade por hectare e se firmar como um grande produtor de alimentos, possibilitando colher mais de uma safra anual de diversos gêneros agrícolas (Pignati et al., 2017). Entretanto, esses mesmos fatores climáticos e territoriais também implicam ao agricultor a necessidade de lidar constantemente com diversos tipos de pragas no campo que, se não combatidas e/ou controladas, podem resultar em sérios prejuízos nas lavouras e comprometer a produtividade do campo (Veiga, 2007). Atualmente, o país apresenta, em média, o uso de 8,33 quilos de agrotóxicos por hectare2 (kg/ha), valor que varia bastante entre os diferentes estados da federação (Bombardi, 2017).

Outro fator relacionado ao aumento do uso de agrotóxicos no campo consiste no avanço do uso das sementes transgênicas a partir do final dos anos 1990. A alteração genética do DNA dessas sementes permitiu torná-las resistentes à aplicação de determinados herbicidas e inseticidas e ao ataque de pragas, entretanto resultaram, como uma das consequências, o aumento do consumo de agrotóxicos (Pignati et al., 2017).

Em dossiê publicado em 2015, pesquisadores vinculados à Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) apontam que, ao longo da década de 2000, houve aumento no consumo médio de agrotóxicos por hectare de área plantada. De uma média de 10,5 litros por hectare (l/ha), em 2002, o valor passou para 12 l/ha no ano de 2011, um crescimento de 14,28%. Os cultivos de soja, de milho, de cana-de-açúcar e de algodão são apontados como os responsáveis pela maior parte do consumo total do período. Dentre os fatores apontados como motivadores dessa elevação no consumo médio, destacam-se:

[...] a expansão do plantio da soja transgênica, que amplia o consumo de glifosato, a crescente resistência das ervas “daninhas”, dos fungos e dos insetos demandando maior consumo de agrotóxicos e/ou o aumento de doenças nas lavouras, como a ferrugem asiática na soja, o que aumenta o consumo de fungicidas. Importante estímulo ao consumo advém da diminuição dos preços e da absurda isenção de impostos dos agrotóxicos, fazendo com que os agricultores utilizem maior quantidade por hectare (Carneiro, Augusto, Rigotto, Friedrich, & Búrigo, 2015).

2 É válido fazer uma ressalva: não há uma padronização na literatura técnico-científica quanto à unidade de medida, sendo utilizadas tanto o quilograma quanto o litro para se determinar os cálculo de consumo de agrotóxico. Dessa forma, no transcorrer do capítulo, ambas as unidades serão utilizadas e parte das informações se referirão a quilograma por hectare e parte, a litro por hectare, de acordo com os dados sinalizados na bibliografia referenciada.

Pignati et al (2017), partindo-se da análise de dados para 21 cultivos agrícolas e disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam que, no ano de 2015, os cultivos da soja, do milho e da cana-de-açúcar representaram 76,00% do total de área cultivável no país e responsáveis por 82,00% do consumo total de agrotóxicos (apenas a soja respondeu por 63,00% do total), enquanto que o cultivo do fumo foi o que apresentou maior média de consumo, com o uso de 60 l/ha, seguido do algodão (28,6 l/ha), de produtos cítricos (23 l/ha), do tomate (20 l/ha) e da soja (17/7 l/ha). Ao todo, os autores apontam que quase 900 milhões de litros de agrotóxicos foram aplicados na lavoura apenas no ano de 2015, sendo os estados de Mato Grosso, do Paraná e do Rio Grande do Sul os que lideraram nesse consumo, respondendo por aproximadamente 53,00% do total (Pignati et al., 2017).

Anualmente, o IBAMA publica relatórios referentes à comercialização de agrotóxicos no Brasil, com base em dados repassados pelas empresas que comercializam esses produtos. As informações mais recentes, referentes ao ano de 2017, indicam que quase 540 mil toneladas de agrotóxicos foram comercializadas no país, a grande maioria (85,56%) nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Separando por classe de produtos, tem-se os herbicidas (58,45%), os fungicidas (12,06%) e os inseticidas (10,10%) como os principais tipos de agrotóxicos consumidos no país. Desse total, 32,00% referem-se apenas ao composto químico glifosato, principal herbicida utilizado na lavoura de soja. O volume comercializado em 2017 representou uma queda de 0,35% em relação a 2016, contudo, ao menos desde 2009, a trajetória se apresentou em ascendência constante. Se tomar como base o ano 2000, houve um crescimento de mais de 330% no comércio de agrotóxicos no país (IBAMA, 2018b), conforme sinalizado pela Figura 9, extraída do boletim de 2017 do IBAMA.

Figura 9. Consumo de agrotóxicos e afins – período de 2000 a 2017

Fonte: IBAMA, 2018b