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O poder do discurso dos empreendedores nas políticas públicas

8. O PODER DO DISCURSO NA ATUAÇÃO DOS EMPREENDEDORES EM POLÍTICAS

8.2. O poder do discurso dos empreendedores nas políticas públicas

Conforme explanado na seção 2.5, o Neoinstitucionalismo Discursivo considera que os discursos podem contribuir tanto para o sucesso quanto para o fracasso das ideias concebidas. Mais do que compreender o que foi dito, deve-se procurar compreender o contexto no qual o discurso foi transmitido (onde, quando, como e porque foi dito) e seu impacto na audiência

(quem disse o que para quem) (Schmidt, 2008). Trata-se, assim, do esforço manifestado pelos agentes para legitimar suas propostas, englobando um conjunto de ideias e valores políticos atrelados a um processo interativo de comunicação e de formulação das políticas (Schmidt, 2002).

A credibilidade desse discurso vai depender, portanto, da consistência e da coerência estabelecida entre os agentes políticos envolvidos dentro do processo de manifestação, embora aceitando-se um relativo grau de imprecisão ou de ambiguidade. Entretanto, nem sempre o sucesso de um discurso envolve esses elementos, podendo assumir uma faceta de manipulação e de dominação conforme sejam os reais interesses em questão (Schmidt, 2008, 2010).

Dentro do contexto político, Schmidt (2008) aponta que o discurso assume duas funções importantes. Por um lado, a de coordenar a operacionalização de um diálogo comum junto aos atores políticos com os quais compartilham as ideias visando influenciar os demais agentes envolvidos no debate (função coordenativa); por outro, demonstrar o próprio engajamento junto ao público-alvo para apresentar, deliberar e legitimar suas ideias (função comunicativa). A análise dos discursos do empreendedores permite desprender que as duas funções se manifestaram nos debates, contudo com propósitos distintos e atreladas a formas específicas de operacionalização da ideologia.

A função comunicativa aparece principalmente nas ideias manifestadas através da legitimação, tendo em vista este ter sido o modo de operação da ideologia que mais se mostrou presente nos momentos em que os empreendedores buscaram apresentar e defender suas ideias. Como a legitimação possui um caráter de despertar um sentimento de que aquilo que é defendido possui um caráter justo e necessário, atrelado a uma organização lógica e racional das ideias e podendo se revelar benéfico a toda a coletividade, a sua operacionalização possibilitou aos empreendedores demonstrar seu comprometimento com as propostas apresentadas, ressaltando a importância e a relevância das mesmas para os rumos da política e das instituições que a condicionam.

Além disso, no contexto mais amplo de representação das coalizões, permitiu aos empreendedores demonstrar que suas ideias não eram resultado de um processo isolado de concepção, mas sim representativas dos interesses de um conjunto maior de agentes. Relacionada também à função comunicativa, a unificação, embora pouco empregada na fala dos empreendedores, teve um propósito importante de demonstrar como determinados pontos do debate estavam interligados entre si e, portanto, não poderiam ser desassociados quando se pondera a estruturação do sistema que rege a política dos agrotóxicos.

Por sua vez, a função coordenativa, ao voltar-se para a forma como os empreendedores procuraram ressaltar os vínculos existentes com os demais membros das coalizões das quais fazem parte para demonstrar um discurso alinhado com estes e direcionado para captar a atenção do público-alvo, está mais atrelado aos demais modos de operação da ideologia. Enquanto que, através da dissimulação, esses agentes conseguiram desviar a atenção dos ouvintes do debate com vistas a se deter em pontos e demandas específicos, a operacionalização da fragmentação permitiu ressaltar as diferenças e divisões existentes dentro do contexto em questão e posicioná-los como vozes representativas de um determinado grupo. A reificação, por outro lado, possibilitou direcionar o discurso para focar nos processos em detrimento dos agentes e dos fatores sócio-históricos que os condicionam, ressaltando acontecimentos naturais e imutáveis para justificar seus posicionamentos.

Partindo-se para a tipificação das ideias, o Neoinstitucionalismo Discursivo de Schmidt (2008, 2011) aponta a existência de três níveis - policy solutions (mais generalistas e suscetíveis a mudanças), programs (passíveis de mudança com o transcorrer de um longo período) e

philosophies (premissas enraizadas e praticamente imutáveis que condicionam a concepção dos

outros dois níveis de ideias). A grande questão que se impõe aos que buscam estudar as ideias consiste em compreender como algumas – mesmo que não sejam as melhores – conseguem dominar a arena política, se impondo através de policy solutions, programs e philosophies, em detrimento de outras (Schmidt, 2008, 2010, 2011).

Dado que os empreendedores possuem uma relevância nos debates e se apresentam como agentes representativos das coalizões, pode-se apontar que as ideias por eles defendidas estão atreladas principalmente aos níveis mais profundos (programs e philosophies), enquanto que o nível mais básico das policy solutions aparece de forma a complementar o discurso e a linha argumentativa desses agentes.

Resgatando a relação entre níveis de ideias e o sistema de crenças que permitiu identificar as coalizões que foi apresentado na seção 6.2, na Figura 16, as philosophies estão atreladas às premissas básicas que condicionam a atuação desses agentes e a sua identificação aos grupos que representam. Nesse sentido, para os empreendedores ligados à Coalizão Agroecologista, essas ideias estão relacionadas principalmente à adoção de mecanismos que permitam aumentar o rigor na fiscalização dos agrotóxicos e estimular alternativas que possibilitem a redução do seu consumo. Por sua vez, para os empreendedores que fazem parte da Coalizão Agroprodutivista, as philosophies se materializam a partir da defesa e manifestação de ideias que se assentam na premissa de que, como os agrotóxicos são necessários na

agricultura moderna, torna-se preciso dotar a política de mecanismos que permitam torná-la mais bem preparada para atender às necessidades do sistema produtivo.

Por sua vez, com base nas philosophies, os empreendedores lançaram diversas manifestações de ideias do tipo programs, as quais englobam as diferentes propostas apresentadas para modificar a política e as instituições que a condicionam. Dessa forma, ideias como a mudança da terminologia de “agrotóxico” na legislação, a criação de um único órgão responsável pelas avaliações e pelos registros dos agrotóxicos, a simplificação dos procedimentos de registro, a atenção especial que necessita ser dada aos produtos equivalentes para estimular a concorrência no setor produtivo, o incentivo à implementação do PNARA e ao uso de insumos biológicos, o estabelecimento de zonas livres de consumo de agrotóxico e a necessidade de se destacar a natureza tóxica desses produtos são exemplos de ideias que se enquadram como programs. Concebidas tendo por premissa as philosophies, essas ideias apresentam-se como possíveis soluções para os problemas enfrentados dentro do escopo da política dos agrotóxicos, representando os objetivos e os interesses das coalizões e, de forma mais específica, dos próprios empreendedores.

Figura 23 - Os níveis de ideia de Schmidt manifestados nas ideias dos empreendedores

Níveis de ideias Finalidade na atuação dos empreendedores

Philosophies Premissas básicas que condicionam a atuação dos empreendedores e a sua identificação

aos grupos que representam

Programs

Englobam as diferentes propostas apresentadas para modificar a política e as

instituições que a condicionam, representando os objetivos e os interesses das coalizões e, de forma mais específica, dos próprios empreendedores.

Policy solutions Complementam o discurso e a linha argumentativa desses agentes Fonte: elaborado pelo autor com base em Schmidt (2008)

Difundidas a partir de diferentes modos de operação da ideologia – com destaque para a legitimação – essas ideias se impuseram no andamento dos debates e pautaram a construção da agenda relacionada à política dos agrotóxicos, a qual os demais atores envolvidos procuraram atrelar suas posições e manifestações. Com variados graus de êxito, se constituíram, na linha principal de ação dos empreendedores político e institucional, seja no sentido de defender suas soluções para os problemas existentes, no caso dos primeiros, ou no de defender as mudanças necessárias nas instituições, no caso dos segundos, ou em ambos para aqueles empreendedores específicos que conseguiram se portar nas duas posições durante os debates.

Percebe-se, assim, que o poder do discurso dos empreendedores reside em se apresentar como uma voz que emana interesses e ideias de um conjunto maior de atores que estão, por sua

vez, representados e simbolizados na figura desses agentes. Valendo-se de uma função coordenativa para operacionalizar os debates com os seus aliados e de uma função comunicativa para atingir o seu público-alvo visando transformar suas ideias em soluções e/ou despertar uma visão quanto à necessidade de mudanças nas instituições, os empreendedores acabam agregando legitimidade em suas falas e projetando maior impacto no direcionamento que esse discurso deve tomar para conseguir captar a atenção da audiência e convencê-la quanto à aceitabilidade de suas ideias

Dessa forma, ao atraírem para si essas responsabilidades, os empreendedores conseguem se destacar dentro do conjunto de agentes que participam dos debates, aumentando as chances de condicionar os rumos a serem assumidos pela política e pelas instituições que a condicionam – seja no sentido de promover as mudanças que acharem necessárias, seja no sentido de evitar que o status quo seja alterado.

8.3. Considerações finais do capítulo

Através da análise dos discursos dos empreendedores, foi possível apontar as principais ideias por eles defendidas e como estas se relacionavam ao discurso das coalizões nas quais esses atores encontram-se vinculados. Dentro da abordagem apresentada por Schmidt (2008), que os níveis de ideias são representativos do sistema de crenças e de valores que constituem as coalizões, constatou-se que esse vínculo ocorre nos níveis mais profundos das ideias.

Enquanto que as philosophies encapam as premissas que condicionam a atuação desses agentes e sua identificação com as coalizões, as programs materializam as diferentes propostas e soluções defendidas e representam os objetivos e interesses em jogo, em sintonia com o que é advogado pelos diferentes membros das coalizões. Nesse contexto, percebe-se que os empreendedores, ao serem agentes representativos das coalizões, manifestaram e defenderam, através do seu discurso, opiniões e ideias encampadas pelos grupos dos quais faziam parte.

Constatou-se que o discurso desses agentes adquiriu um caráter legitimador para promover as propostas de mudanças no escopo da política de agrotóxicos e das instituições que a condicionam defendidas pelo grupo maior que representavam. Assim, o poder do seu discurso consistiu em ser um instrumento para influenciar o rumo das discussões visando manter os tópicos de seus interesses na agenda de debates e obter o apoio parlamentar necessário para executar ao menos parte das propostas de mudanças políticas e institucionais advogadas.