• Nenhum resultado encontrado

4. CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE OS AGROTÓXICOS

4.1. Definição do conceito de agrotóxicos

De forma geral, pode-se definir os agrotóxicos como compostos químicos ou biológicos desenvolvidos para potencializar uma ação biocida contra um ser vivo (seja este um vírus, uma bactéria, uma planta ou um animal). Sua finalidade principal consiste em combater, matar e exterminar pragas agrícolas, apresentando tanto aspectos positivos, por ser atualmente um agente necessário e essencial no moderno processo produtivo agrícola, quanto negativos, ligado aos potenciais riscos que sua aplicação pode causar à saúde humana e ao meio ambiente. Essa dualidade de perspectivas é a base para se compreender o discurso adotado respectivamente pelos que defendem seu uso nas lavouras e por seus críticos (Veiga, 2007).

A origem dos agrotóxicos remonta às primeiras décadas do século XX, quando houve um grande desenvolvimento da indústria química para fins bélicos. Especialmente no período entre as duas guerras mundiais, pesquisas na Europa (em especial na Alemanha, após a ascensão de Hitler ao poder) e nos Estados Unidos voltavam-se para o estudo e a produção de compostos químicos que poderiam ser utilizados como potenciais armas tanto para proteção de tropas contra adversidades naturais dos terrenos de combate quanto para ataque contra inimigos em caso de conflito armado. Passada a guerra, as indústrias produtoras direcionaram o foco desses compostos químicos para a aplicação na agricultura no combate de pragas e para uso na saúde

como ferramenta de combate a vetores causadores de doenças endêmicas (Ballantyne & Marrs, 2004; Paschoal, 1979; Pelaez et al., 2010).

Com o avanço da Revolução Verde nas décadas subsequentes, seu uso no campo ampliou-se consideravelmente, passando a ser um dos pilares da agricultura moderna. No caso brasileiro, esses compostos químicos foram introduzidos em 1943 e passaram a ser mais empregados nas lavouras a partir dos anos 1960 e 1970, quando se estabeleceram as primeiras indústrias no país voltadas para a sua produção a partir de políticas de incentivo de substituição de importações implementadas pelos governos militares e por uma política favorável de crédito de custeio aos agricultores (Paschoal, 1979; Pelaez et al., 2010). Nesse período, surge também uma das primeiras associações voltadas para a defesa dos interesses e fortalecimento da imagem das indústrias de agrotóxicos– a Associação Nacional de Defensivos Agrícolas (ANDEF), atualmente chamada de Associação Nacional de Defesa Vegetal (Franco & Pelaez, 2017).

No que tange a denominação desses produtos, predominava então, no Brasil, o uso do termo “defensivos agrícolas” para se referir aos agrotóxicos, sendo, inclusive, o adotado pela legislação vigente à época. Isso acarretava, em contrapartida, na exclusão de uma gama diversa de agentes químicos que também tinham finalidade de combater pragas (Peres, Moreira, & Dubois, 2003). Outra designação comum à época era a de “praguicidas”, pois, a grosso modo, se tratavam de produtos voltados para matar pragas. A primeira menção ao termo “agrotóxico” é datada do final dos anos 1970, por Paschoal (1979), que, criticando as nomenclaturas então adotadas, sugere que essa palavra apresenta “um sentido geral para incluir todos os produtos químicos usados nos agroecossistemas para combater pragas e doenças. O termo é uma contribuição útil, já que a ciência que estuda esses produtos chama-se toxicologia” (p. 35)

No transcorrer dos anos 1980, grupos ambientalistas e sindicalistas rurais adotaram a nomenclatura sugerida por Paschoal, com o intuito de ressaltar os riscos toxicológicos que representavam para o meio ambiente e para a saúde humana e para denunciar uma valoração positiva que o termo “defensivo agrícola” proporcionava ao não evidenciar a “capacidade desses agentes de destruir a vida animal ou vegetal” (Peres et al., 2003, p. 22). Beneficiando-se de um contexto de crescente importância que a pauta de defesa do meio ambiente adquiriu na agenda internacional no decorrer dos anos 1980 e de crise macroeconômica no país que resultou em menores incentivos do governo para a agricultura, esses grupos opositores conseguiram exercer pressão suficiente sobre a classe política para forçar a alteração da nomenclatura na legislação (Pelaez et al., 2010; Peres et al., 2003).

A primeira menção no aparato institucional brasileiro ao termo “agrotóxico” consta na Constituição Federal de 1988 (CF/88), que menciona, no art. 220, § 4º, que “a propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais [...] e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso” (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, 2017).

Entretanto, foi apenas com a aprovação e sanção da lei n. 7.802/89 que se estabeleceu uma definição clara sobre o significado legal do termo “agrotóxico”, que, em seu art. 2º, assim define esses produtos:

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se: I - agrotóxicos e afins:

a) os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos;

b) substâncias e produtos, empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento;

II - componentes: os princípios ativos, os produtos técnicos, suas matérias-primas, os ingredientes inertes e aditivos usados na fabricação de agrotóxicos e afins (Lei n. 7.802, 1989)

Dessa forma, segundo a definição adotada no Brasil, o termo “agrotóxico” se aplica para designar uma gama ampla de produtos físico, químico ou biológicos cuja aplicação não se restringe apenas à agricultura. Engloba, além destes, os que são empregados nas pastagens, na preservação de florestas e de ecossistemas e no combate de pragas nocivas nos ambientes urbano, hídrico e industrial (como os inseticidas e demais defensivos de uso doméstico, os quais podem ser designados também como produtos domissanitários). Dessa forma, ao se referir a “agrotóxicos”, o presente estudo considera toda essa gama de produtos, embora os de uso agrícola sejam o foco central de análise por serem os responsáveis pelos principais condicionantes da política e pelas críticas mais acaloradas levantadas contra o seu uso.

A definição apresentada na lei n. 7.802/89 é importante para compreender como esse conceito está institucionalizado no país, contudo, até os dias atuais, não há uma padronização a respeito da nomenclatura desses produtos. Além disso, o termo “agrotóxicos” é alvo de críticas por alguns setores, tendo como um dos argumentos o fato de ser utilizado basicamente apenas no Brasil, enquanto que, na literatura internacional, o mais utilizado é pesticida (do inglês

pesticide e do espanhol plaguicidas) (Peres et al., 2003), adotado, inclusive, pela Organização

Pesticides are chemical compounds that are used to kill pests, including insects, rodents, fungi and unwanted plants (weeds). Pesticides are used in public health to kill vectors of disease, such as mosquitoes, and in agriculture, to kill pests that damage crops. By their nature, pesticides are potentially toxic to other organisms, including humans, and need to be used safely and disposed of properly

(Organização Mundial de Saúde, 2019).

Os agrotóxicos também podem ser genericamente designados como agroquímicos (que abrange, também, fertilizantes e adubos inorgânicos), biocidas, defensivos agrícolas, defensivos químicos, praguicidas, produtos fito-farmacêuticos ou produtos fitossanitários. Quando focada a sua finalidade de uso em relação ao organismo-alvo, emprega-se também termos herbicida (combate de ervas daninhas), fungicida (combate de fungos), inseticida (combate de insetos), acaricida (combate de ácaros), bactérias (bactericidas), moluscos (moluscicida), dentre outros (Ballantyne & Marrs, 2004; Pelaez et al., 2010; Peres et al., 2003). Alguns defensores chegam a referi-los como “remédio de planta” para ressaltar que sua finalidade seria a de proteger as plantas das doenças causadas por pragas, vírus e bactérias que podem assolar as plantações. Por sua vez, as vozes mais críticas comumente utilizam a palavra “veneno” para se referir aos agrotóxicos para ressaltar a sua natureza tóxica desses produtos, o fato de terem sido criados para matar pragas e os seus potenciais efeitos negativos para o organismo humano e para o meio ambiente. Essas designações expressam principalmente a forma como trabalhadores rurais e membros da cadeia produtiva e comercial dos agrotóxicos enxergam esses produtos:

O termo ‘remédio’ tem origem no discurso de vendedores e técnicos ligados à indústria, que tratavam os agrotóxicos por ‘remédio de plantas’, quando da implantação deles no mercado brasileiro, por volta da década de 60. Já o termo ‘veneno’ deriva da experiência concreta do trabalhador rural [...] que, desde o início da utilização dos agrotóxicos no meio rural, vem observando, além de seus efeitos previstos – matar pragas –, também seus efeitos nocivos à saúde humana e animal (por exemplo, morte de peixes, roedores, animais domésticos etc.) (Peres et al., 2003, p. 24).

A quantidade de substâncias que são utilizadas como agrotóxicos (ou pesticidas), assim como seus subgrupos químicos e biológicos, são as mais variadas possíveis. Em uma perspectiva legal, a definição sobre esses produtos varia bastante entre os diferentes países, bem como os aspectos administrativos, legais, normativos e preventivos adotados internacionalmente (Ballantyne & Marrs, 2004). Independente da nomenclatura, o objetivo desses produtos permanece sendo o mesmo – tratam-se de substâncias (ou conjunto de substâncias) cujo propósito visa combater e/ou matar formas de vida vegetal e animal que apresentem riscos potenciais à saúde pública e à agricultura. De acordo com sua periculosidade ambiental e toxicidade para a saúde, os agrotóxicos são divididos em quatro classes, que vão

de I (para aqueles considerados extremamente tóxicos e altamente perigosos ao meio ambiente) a IV (produtos pouco tóxicos, com riscos baixos ao meio ambiente), seguindo um padrão internacional de classificação desses produtos (Peres et al., 2003).