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A s Relaçõ es Cidade Campo : Co mplementaridade o u Riv alidade ?

N o p erío d o em estud o , as v ilas/ cid ad es p o rtug uesas so freram um relativ o crescimento p o p ulacio nal, face às razõ es que ap resentamo s no tó p ico anterio r. M uita g ente também v eio d o reino d e Castela, p rincip almente, o s jud eus que, o u fo ram exp ulso s, o u que fug iram d esse reino d urante o século XIV e início d o século XV.

N esse mo mento , o s centro s urbano s reco nhecid o s co mo cid ad es p o r serem sed es d e bisp ad o eram no v e: Brag a, Po rto , Co imb ra, Guard a, Lameg o , V iseu, Lisbo a, Év o ra e Silv es.

A lg umas d essas cid ad es ap resentav am m o v imento meno r d o que o d e certas v ilas, tais co mo Lameg o , V iseu e Silv es, que eram sup lantad as p o r Guimarães, Santarém, Setúbal, Elv as, Beja e Lag o s. M esmo assim as cid ad es p o rtug uesas não p o d iam se equip arar às o utras cid ad es euro p éias d a ép o ca, co mo Lo nd res, Paris, Gêno v a, V enez a, etc.

Para se estabelecerem o s índ ices d e g rand eza o u imp o rtância d e uma v ila/ cid ad e, p artia-se d a análise d e três fato res articulad o s entre si: o am uralham ento d o centro urbano , o número d e b esteiro s d o co uto e o número d e p aró quias. A ssim, d e aco rd o co m o tamanho d o p erímetro amuralhad o , co m o número d e p aró quias e d e ig rejas, e o mo ntante p ag o em imp o sto s, catalo g av am-se o s centro s urbano s em g rand es, méd io s e p equeno s.

A s cid ad es med iev ais eram amuralhad as p ara sua d efesa co ntra o assalto d e inim ig o s, p ara o co ntro le d a p o p ulação urbana e p ara que a ação ad m inistrativ a e fiscal se to rnasse mais eficiente (ficav a mais fácil co brar, receber e co ntro lar imp o sto s num esp aço “ intramuro s” ).

O co mércio marítimo p o ssibilito u às cid ad es d o lito ral p o rtug uês um ráp id o crescimento , fazend o -as se d estacarem co mo centro s p o rtuário s. A ssim aco nteceu co m o Po rto , Setúbal, A v eiro , Vila d o Co nd e, V iana d o Castelo e co m as v ilas alg arv ias d e Lag o s, Tav ira e Faro .

O o p o sto também o co rreu; p o v o ad o s até p ró sp ero s fo ram aband o nad o s o u perd eram sua imp o rtância, send o sup lantad o s p o r aqueles que se achav am melho r lo calizad o s g eo g raficam ente.

O sul d e Po rtug al, nessa ép o ca, co nheceu um surto urbano até surp reend ente, um a v ez que o N o rte semp re fo ra mais

urbaniz ad o : "o engrandecimento das cidades do Sul foi, assim provavelmente, um fenômeno da segunda metade do século X IV e do século X V , conseqüência possível das imigrações posteriores à P este N egra"16. De fato , co m o já m encio namo s antes, a p o p ulação camp o nesa sentind o na p ró p ria p ele as v icissitud es climáticas o u v end o co m freq üência as epid emias d e p este g rassarem ao seu red o r, d eslo cav a-se p ara o s centro s urbano s, fato s esses que co ntrib uíram p ara o crescimento d eso rd enad o e aleató rio d as cid ad es e o ag rav amento d o s p ro blemas so ciais: falta d e m o rad ias, d e alimento s, d e trabalho , d e co nd içõ es d e hig iene, d e saneamento , que p o r sua v ez fav o reciam, co mo se fo sse um círculo v icio so , que aí também reincid issem, as ep id emias d e p este.

Em g eral, as v ilas e cid ad es med iev ais p o rtug uesas seg uiam traçad o s e p ad rõ es arquitetô nico s d iferentes entre si. Elas, p o d em ser catalo g ad as em quatro g rup o s, co nfo rme o seu estilo p eculiar: 1) A s cid ad es d e o rig em islâmica. N a H isp ania situav am - se na fald a d e um mo nte, junto à m arg em d e um rio . Tinham a fo rma triang ular o u p o lig o nal. N elas, se d estacav am a p arte alta, aristo crática (A lcáço v a), amuralhad a e estabelecid a no to p o d a co lina, co m seu castelo no interio r, e a p arte baixa (A lmed ina),

alo ng and o -se p ela enco sta, o nd e v iv ia o p o v o . A s muralhas se estend iam d a b o rd a d a ág ua ao to p o d a co lina. Suas ruas eram estreitas e irreg ulares. São exemp lo s d esse estilo : Lisbo a, Santarém, A brantes. Guimarães.17

M ais tard e, a exp ansão urb ana transfo rmo u a v ila- cid ad e, p o ssibilitand o co nstruir-se uma no v a cid ad e em to rno d a antig a, co m ruas mais larg as, ap arecend o p raças, terreiro s e feiras:

"em Lisbo a e em Santarém , raz õ es g eo g ráficas p o ssibilitaram a m anutenção d a saíd a d irecta d a alcaçó v a, m esm o ap ó s a co nstrução d as m uralhas fernand inas. A alcaçó v a, to d av ia, d eixo u d e ter a função m ilitar e so cial anterio r, lim itand o o seu p restíg io à lo caliz ação d o p alácio rég io . O s centro s v itais d a cid ad e d eslo cam -se p ara a alm ed ina e p ara o s bairro s no v o s co nstruíd o s em terreno s p lano s (a Baixa lisbo eta, M arv ila, S. N ico lau e Santo Estêv ão em Santarém )"18

2) H av ia também v ilas e cid ad es d e o rig em ro m ana, cujo fo rmato era retang ular, e tinham sid o ed ificad as em terreno p o uco acid entad o . N elas hav ia uma Ig reja no centro , o nd e o utro ra

17" A for m a t í pi ca da ci d a de h a m i t a er a o t r i a n g ul a r ou o t r a péz i o, com a s m ur a l h a s a

l i g ar em a bor da d e ág ua a o t op o d a col i n a. Mu i t o ma i s d o qu e al g ur es , os oci d en t es d o sol o d et er m i n a va m a l ocal i z açã o da s p or t a s e o t r a çad o da s vi a s p úbl i ca s . "

C f. : M A RQUES, A . H . d e O liv eira. 19 81 p . 8

hav ia sid o o forum, ao lad o d e uma g rand e p raça central, que se to rno u o p o nto d e co nv erg ência d e to d a a cid ad e:

"assim suced eu co m Brag a, o exem p lo m ais claro e o nd e o caráter arquiep isco p al d a cid ad e to rnav a fácil a id entificação d o seu centro co m a C ated ral. A ssim , suced eu ig ualm ente co m a p arte m ais antig a d e Év o ra, cercad a p elas m uralhas ro m anas, e co nv ertid a, d ep o is, em centro g eo g ráfico e v ital d a cid ad e irrad iante d o s século s XIV e XV . O utro s exem p lo s enco ntram -se em Beja e Serp a - o nd e um p equeno castelo e um a m inú scula alcáço v a se p o d em achar tam bém , resp ectiv am ente no s extrem o s no ro este e no rte d as cid ad es num co m p ro m isso entre o m o d elo ro m ano e o m o d elo ham ita - e, p o rv entura, em Tav ira"19

3) H av ia aind a v ilas e cid ad es em que se mesclav am o s estilo s anterio rmente referid o s, as quais fo ram ed ificad as em v ias d e p assag em. Tal é o caso d e

"Co im bra, Po rto , V iseu Elv as, Po rtaleg re, Tranco so , Barcelo s, Brag ança, Faro , A brantes, Sabug al, Penam aco r, Po nte d e Lim a, C o id o s, M arv ão ", as quais "têm cad a qual a sua p lanta, o bed ecend o quer a um , q uer a v ário s centro s v itais."20.

19M A RQ UES, A . H. d e O liv eira. 19 86 , p. 18 9 20M A RQ UES, A . H. d e O liv eira. o. c. p . 18 9- 9 0.

4) Cid ad es N o v as. Estas fo ram co nstruíd as a p artir d o século XV II, e não interessa, aqui, tratar d elas, p o r não se enquad rarem no marco cro no ló g ico fixad o para este trabalho .

N a m aio r p arte d as v ilas e cid ad es as co nd içõ es d e hig iene eram p éssimas. Os esg o to s, quand o o s hav ia, co rriam a céu aberto , o s curso s d e ág ua e as fo ntes eram muito p o luíd as, o lixo , fezes e urina, se acum ulav am nas ruas, co ntribuind o p ara a d isseminação d e d o enças e a p ro liferação d e rato s.

A s v ilas e cid ad es, em g eral, também eram p o bres, não send o cap azes d e p ro v erem seu auto -sustento , d ad o que o s imp o sto s arrecad ad o s, as receitas d o p atrimô nio p úblico e as d o açõ es rég ias eram insuficientes p ara tanto .

O p erímetro urbano preenchia-se co m as habitaçõ es d as p esso as (co m d iferentes alturas, d imensõ es, material d e co nstrução e estilo s utilizad o s), co m ed ifício s p úblico s civ is, eclesiástico s e co merciais que atend iam às necessid ad es d a p o p ulação . Existia, aind a, no interio r d as muralhas as jud iarias e p ara além d elas, as mo urarias e g afarias (casas d e lep ro so s).

A o arred o r d a área urbana o u até mesmo em seu âmbito , hav ia terreno s cultiv ad o s o u inculto s, currais, e herd ad es rég ias e eclesiásticas. Essa área fo rnecia g ênero s ag ríco las p erecív eis, tais co mo frutas, leg umes, v erd uras, co nsumid as p elo s habitantes que v iv iam aí o u nas v ilas/ cid ad es.

A área mais lo ng ínqua, caracterizav a-se p o r ser fo rneced o ra d e g ênero s ag ríco las mais d urad o uro s e p o r ser um bo m mercad o co nsumid o r d as manufaturas urbanas.21

A s v ilas e cid ad es eram ro d ead as p o r uma área d e alg uns quilô metro s d eno minad a termo o u alfo z. A lg uns eram muito extenso s, o utro s, p rincip almente, nas reg iõ es mais d ensamente p o v o ad as, eram meno res. Enfim , "os termos constituíam , com os povoados , uma unidade indivisível, não podendo viv er uns sem os outros". 22

N a v erd ad e,

"a o p o sição d a cid ad e-cam p o , na bo a trad ição ro m ana e islâm ica, existia co m o realid ad e física; a cid ad e achav a-se bem d elim itad a no s seus co nto rno s, o s arred o res eram escasso s e p o uco p o v o ad o s - v iv ia-se na cid ad e o u v iv ia-se no cam p o . Co ntud o (...) co m p o ucas excep çõ es, as activ id ad es p rincip ais d as cid ad es não se afastav am rad icalm ente d as d o cam p o "23.

Co m efeito , as relaçõ es d e d ep end ência entre v ila/ cid ad e e camp o era uma realid ad e. A cid ad e d ep end ia d o termo , quanto ao abastecimento , arrecad ação d e imp o sto s e mão -d e-o bra,

21 I dem , i bi d, p . 2 0.

22M A RQ UES, A . H. d e O liv eira. 1981. p. 2 0 23M A RQ UES, A . H. d e O liv eira. 1986. p. 1 91

p ara o s mais v ariad o s serv iço s. O termo , p o r sua v ez, d ep end ia d as p rimeiras p ara o esco amento d o s seus exced entes, p ara a co mp ra d o s artefato s d e que necessita, p ara o s serv iço s ag ríco las e p ara a p ro teção e d efesa d e seus bens e habitantes.

Desd e m ead o s d o século XIII, o s centro s d e d ecisão p o lítica, eco nô mica e relig io sa fo ram efetiv amente as cid ad es, o nd e a o rg anização so cial ev o luiu co m rap id ez, enquanto no s camp o s ela se mantev e basicamente estática, só v ind o a so frer mud anças, na med id a em q ue as transfo rmaçõ es o co rrid as no meio urbano , p o r exem p lo , a sua exp ansão , o o brig aram a se ad ap tar.24

Os habitantes d e um e o utro lo cal jo g av am co m a d ep end ência e a co mp lementarid ad e que hav ia entre ambo s, tentand o o s funcio nário s reais e eclesiástico s e d o co ncelho co nseg uir a submissão d o s cam po neses, e estes se rebeland o co ntra aqueles, p o r julg arem que o s exp lo rav am.

"O m und o rural é, m ais d o que qualquer o utro , um m und o co nserv ad o r, m as não um m und o im ó v el. Co nserv ad o r so bretud o no s seu s v alo res culturais. C o nserv ad o r na

salv ag uard a d as suas trad içõ es, m as nunca v o lto u as co stas ao p ro g resso técnico e à m ud ança, d esd e que se p ro v asse que seriam benéfico s e co nd uz iriam a um m eno r trabalho d o s ho m ens".25.

Os cam p o neses tinham co nsciência tanto d e que o ritmo d as v ilas/ cid ad es era o utro , quanto d e que estas e o camp o estav am interlig ad o s entre si, eram m utuamente d ep end entes, co mo se fo sse um co rp o , no qual a cabeça p recisa d o s p és e v ice- v ersa, p ara que haja um o rg anismo p erfeito . A p ro p ó sito , "Também os povos diziam a D om D uarte: bem sabes como toda a vossa terra se mantém pelo t rabalho dos lavradores e como eles som mais sugigados que outros"26.

M as o s camp o neses também exp erimentav am na p ró p ria p ele o quanto eram exp lo rad o s p elo s o utro s - o s no bres e o s ho mens b o ns - d ad o que não d av am o v alo r d ev id o , so b o asp ecto financeiro ao s g ênero s ag ríco las que p ro d uziam, e p rincip alm ente o s artesão s co brav am d eles um p reço bastante elev ad o p elo s artefato s d e que necessitav am.

A interd ep end ência v ila-cid ad e/ cam p o , não excluía, p o is, as tensõ es so ciais, mas, não d eixav a que estas atrap alhassem o p ro cesso p ro d utiv o , uma v ez que, em g eral, as resp o nsabilid ad es

25BARBOS A, Pedr o Gom es . 19 95 , p . 42 26SE RRÃO, J oa qu i m Ver í s s i m o. 19 80 , p. 2 68

labo rais e so ciais estav am bem d efinid as. Os camp o neses cuid av am d o seto r p rim ário d a eco no mia, artesão s e co merciantes, d o s seto res secund ário e terciário . Co m efeito ,

"...o cam p o fo rnece à cid ad e o s m eio s d e subsistência e as m atérias p ara as m anufaturas. A cid ad e em co ntrap artid a fo rnece ao s habitantes d o cam p o um a p arte d o s p ro d uto s que transfo rm o u. Da cid ad e... p o d e m uito ap ro p riad am ente d iz er-se que o btém d o cam p o to d a a sua riqu ez a e subsistência. Co ntud o não é leg ítim o inferir d aqui que o g anho d a cid ad e é o p reju íz o d o cam p o . O s g anho s d e am bo s são m útuo s e recíp ro co s e a d iv isão d o trabalho , neste co m o no utro s caso s, rev ela-se v antajo sa p ara to d as as p esso as env o lv id as... Os habitantes d o cam p o , co m p ram na cid ad e um a m aio r q uantid ad e d e p ro d uto s m anufaturad o s co m o resultad o d e um a quantid ad e m eno r d o qu e a q ue teria sid o necessária se tiv essem eles tentad o p rep ará-lo s p o r si p ró p rio s. A cid ad e ap resenta-se co m o m ercad o p ara o excesso d e p ro d ução d o cam p o , isto é, aquilo d e que o s ag riculto res d isp õ em p ara lá d o necessário à sua m anutenção , e é nela que o s habitantes d o cam p o p ro ced em a tro ca d esse excesso p o r o utras co isas q ue p ro curam . Q uanto m aio r fo r o núm ero d o s habitantes d a cid ad e e o seu rend im ento , m aio r é m ercad o qu e se ap resenta ao s d o cam p o ; e qu anto m aio r ele fo r m ais v antag ens resu ltam p ara to d o s. Entre to d as as esp eculaçõ es absurd as que têm sid o p ro p ag ad as no que resp eita à balança co m ercial, não p o d e p retend er-se que o cam p o p erca no seu co m ércio co m a cid ad e, o u a cid ad e no seu co m ércio co m o cam p o qu e a m antém "

"p arece, co ntud o , que não se o ferecem d úv id as so bre que a cid ad e d ep end e d o cam p o tanto , quanto o cam p o d ep end e d a cid ad e, só hav end o aí raz õ es p ara ap ro v eitar e estim ular co m p lem entarid ad es; tal co m o não o ferecer d úv id a a eno rm e p o tencialid ad e d e q ue se rev este p ara a o rg aniz ação d o esp aço , em g eral, a o rg aniz ação d o relacio nam ento entre a cid ad e e a sua área d e influência - o centro e a sua reg ião co m p lem entar, afinal. O sistem a d e centro s e o sistem a d e reg iõ es enco ntram aí a base esp acial d e interlig ação e d e integ ração , ind isp ensáv el em term o s d e p o lítica, até p o rq ue um sem o o utro não se realiz a."27

O m und o urbano e o mund o rural d o século XV se enco ntrav am numa relação ineg áv el d e interd ep end ência, mas que não excluem as co ntrad içõ es e p articularid ad es d e ambo s. A ssim é imp o ssív el não p ercebermo s as tensõ es so ciais p ro v o cad as p ela Rev o lução d e A v is, o nd e camp o e cid ad e o u, melho r d iz end o , no breza e b urg uesia se co nfro ntaram, numa g uerra civ il bastante v io lenta e que a burg uesia lusitana lev a a melho r; ap o iand o o M estre d e A v is, D . Jo ão , g anho u uma imp o rtância p o lítica que antes não co nhecera. Esse ap o io D o m Jo ão reco m p ensa co m título s, terras, d ireito s, benefício s etc, que p o sterio rmente, ele e seu filho Do m Duarte v ão buscand o , reinteg rand o -o s à Co ro a, fazend o -o s d esco ntentes co m esses mo narcas.

A p esar d e realmente existirem esses co nflito s e essas tensõ es, as relaçõ es entre o camp o e a cid ad e no p erío d o que no s interessa, estav am assentad o s b asicamente na interd ep end ência existente entre eles, num p ro cesso d e co m plementarid ad e que p erm eav a as relaçõ es entre ambo s, fazend o co m que um não v iv esse sem o o utro .

4 A Economia Portuguesa durante a 1ª M etade do