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A So ciedade Po rtuguesa no Leal Co nselheiro

A SO CIEDA DE PO RTUGUESA NO LEA L CO NSELHEIRO

1 A So ciedade Po rtuguesa no Leal Co nselheiro

"Trip la é p o is a casa d e Deus q ue se crê una: em baixo , uns rez am (o rant), o utro s co m batem (p ug nant); o utro s aind a trabalham (labo rant); o s três g rup o s estão junto s e não sup o rtam ser sep arad o s; d e fo rm a que so bre a função (o fficium ) d e uns rep o usam o s trabalho s (o p era) d o s o utro s d o is, to d o s, p o r sua v ez entreajud and o -se".43

Co mo d issemo s antes, neste seg und o cap ítulo iremo s tratar so bre D o m Duarte e sua p rincip al o bra, o Leal Conselheiro44, que se co nstitui em um a d e no ssas fo ntes d e trabalho . Daremo s atenção particular ao mo d elo d e o rg anização so cial aí ap resentad o p elo M o narca lusitano .

Para tanto , iremo s d iv id ir este cap ítulo em p artes. A p rimeira d elas m o strará D o m Duarte, p erso nag em histó rica co ntro v ersa, co mo ho m em e co mo g o v ernante.

43 DUBY, Geor g es, As t r ê s Or de ns ou o I ma gi nár i o do Fe uda l i s mo. p . 1 7. 44 DUART E , D. 19 82 .

A seg und a p arte, v ersará so bre o “Leal Conselheiro” , o nd e d isco rreremo s acerca d e sua o rg anização interna e co nteúd o , a quem se d estina e, enfim, seus o bjetiv o s.

N a última p arte, analisaremo s a o rg anização d a so cied ad e med iev al p o rtug uesa, à luz d o IV cap ítulo : “ Co mo M uito s Erram na M aneira d e Seu Viv er p o r A q uela Terceira Tíbia Vo ntad e Suso Escrita” , d a o bra “Leal Conselheiro” .

Dom Duarte :

Do m D uarte, filho d e D. Jo ão I (1357 - 1433) e d e D o na Filip a d e Lencastre, d urante século s fo i um p erso nag em d a histó ria lusitana releg ad a a um p lano secund ário e ao esquecimento . N ing uém se interessa p o r sua p esso a o u p o r seus escrito s. Entretanto , a p artir d e 1930, co meço u a hav er uma mud ança. O s histo riad o res p o rtug ueses co meçaram a co letar a sua atenção p ara esse Rei que g o v erno u sua Pátria ap enas d urante cinco ano s.

A té essa d écad a, alg uns d entre o s histo riad o res lusitano s, co mo O liv eira M artins, Júlio Dantas, end o ssav am a mencio nad a p o sição , que ho je p o d emo s classificar co mo trad icio nal. Para eles, Do m D uarte não p asso u d e um neurastênico , d o ente d o s nerv o s e d e um ind iv íd uo ap ático .

Po r o utro lad o , Faria d e V asco ncelo s e Do ming o s M aurício d isco rd aram d e tal p o nto d e v ista, d izend o que seus co leg as se d eixaram lev ar p o r razõ es subjetiv as, não tend o analisad o a fig ura d e D. Duarte em to d as as suas d imensõ es, co mo ho mem, intelectual e estad ista.

A imp o rtância d esses d o is g rupo s d e histo riad o res é que ambo s co nstró em a imag em histó rica d e D o m D uarte. O p rimeiro g rup o , encabeçad o p o r Oliv eira M artins, co nstró i, a partir d a interp retação errô nea d a o bra d e Rui d e Pina, a Chronica del Senhor Rei D om D uarte, uma imag em neg ativ a d o mo narca e a p assa p ara a p o sterid ad e co m o uma fig ura fraca.

Já o o utro lad o g rup o é imp o rtante p o r que busca reabilitar a imag em d e D o m Duarte, estab elecend o co m o p rimeiro g rup o um d ebate so bre as fo ntes analisad as.

N ó s, p articularmente, co nco rd amo s e assumimo s a p o sição ad o tad a p o r esses d o is último s auto res, p o r julg arm o s que ele co nd iz mais co m a v erd ad e d o s fato s, haurid a na co nsulta e análise d as fo ntes.

To d av ia, v ejam o s d e p assag em, o que esses histo riad o res d isseram a resp eito d e D. D uarte.

“ ele é um tím id o , um ind eciso , um fraco , um p aralítico d a v o ntad e, d ébil d e ânim o , incap az d e reag ir enlead o em escrúp ulo s, sem co rag em p ara p ro testar o u fug ir o u recuar o u d em itir-se, e incap az d e m and ar. Triste, d o lentem ente m elancó lico , o p rim id o so b a im p o tência d o s d esejo s e o sentim ento d a fatalid ad e, alm a aflita, co nsciência v irtuo sa, d eso lad a p ela ineficácia d o que faz ia, esm ag ad a p elo rem o rso (...) ap enas p o ssuía o suav e encanto d a bo nd ad e (...) sem ser um m ed ío cre, não fo i um esp írito sup erio r. Sem ino v ar sabia co m p reend er. O seu esp írito sem energ ia, nem p ro fund id ad e, tinha to d av ia a extensão p ró p ria d a g ente ind eterm inad a (...) v ing av a-se escrev end o , d a p assiv id ad e d o seu g ênio . N ão nascera p ara reinar, nascera p ara aco nselhar. Sem energ ia d ecisiv a, satisfaz ia-se reg istand o no p ap el subm isso as lacu braçõ es nebulo sas d o seu esp írito ”45.

A d emais, Oliv eira M artins achav a que o d estino tinha sid o muito injusto ao d ar o tro no a alg uém tão incap az e tão abúlico quanto D . Duarte, e d eixar d e lad o uma p erso nalid ad e marcante e co m p etente co mo seu irmão , o Infante Do m Ped ro . Se, entre o s filho s d e D. Jo ão I, hav ia tid o alg uém talhad o p ara o cup ar o tro no p o rtug uês co m eficiência, d and o co ntinuid ad e à ação g o v ernativ a d o M estre d e A v is, essa p esso a era ind iscutiv elmente o “ Príncip e d as Sete Partid as”46.

Oliv eira M artins, não d á, em sua o bra, nenhum créd ito ao rei, p ara ele, D o m D uarte “pensou que reinar consistia em

45 VASC ONC E LOS, F . d e. 1 93 7. p. 4 06 .

46 Dom P ed r o, r ecebeu es s e n ome por t er vi a jad o m ui t o e t er vi s i t ad o q ua s e t od os os

dissertar”47, co nso lid and o assim , a ap atia co mo uma característica marcante d a p erso nalid ad e e d a imag em d e D. D uarte.

Para arrematar sua v isão neg ativ a acerca d e D. Duarte, Oliv eira M artins, atribuiu-lhe to tal resp o nsabilid ad e quanto ao fracasso d a exp ed ição a Tâng er. A ssim fico u co nhecid o o ataque à p raça m arro quina d e Tâng er. Esse ataque fazia p arte d a p o lítica exp ansio nista d a d inastia d e A v is, iniciad a co m D. Jo ão I.48 O rei d eu ao chefe d a exp ed ição , o Infante Do m H enrique, rig o ro sas instruçõ es d e co mo ag ir em Á frica e este não as cump riu, co ntrib uind o assim p ara o fracasso d essa em p resa. O ataque a Tâng er co meço u a 13/ 09/ 1437, mas o s m arro quino s no s rep eliram to d o s o s assalto s, cercaram o s p o rtug ueses e o s ap risio naram . Para se libertarem d eixaram reféns, armam ento s, cav alo s, bag ag ens, etc. O infante D . Fernand o fico u cativ o em Á frica, v ind o a falecer em Fez, alg uns ano s d ep o is, ap ó s so f rer o martírio e p assar a ser co nsid erad o “ Santo ” . D ev id o ao resultad o neg ativ o , essa emp resa fico u co nhecid a histo ricamente co m o “ D esastre d e Tâng er” . E ig ualmente no q ue co ncerne ao trág ico final d a reg ência d e D. Ped ro , p elo fato d e o finad o Rei ter co nfiad o a ed ucação d o Príncip e D. A fo nso , á sua mãe, D o na Leo no r, e não ao p ró p rio tio , o

47 M ART I NS, A. P. Ol i vei r a . 1 98 3, p . 27 4

48 Dom Du ar t e su bi u a o t r on o em 14 33 , a T om a da de C eu t a foi em 1 41 5, con t i n uou,

que teria co ntribuíd o p ara que surg issem d esentend imento s sério s entre ambo s49.

Para Júlio Dantas,

“ D o m Du arte é um d o s nev ro sad o s m ais interessantes d a raça p o rtug uesa. Po eta e filó so fo , casto e triste, atrav essand o catástro fes co m o um a g rand e so m bra p álid a, a sua d o ença tev e um a influência d ireta e d ecisiv a so bre o s d estino s d a nação (...) To d as as m isérias, to d as lutas d e fam ília, to d o s o s ep isó d io s bárbaro s, que sacud iram o seg und o quartel d o século XV, se exp licam p ela astenia d esse p o bre rei m acilento , q ue o d estino fez um hered itário , tanto p ara o s caso s d a realez a co m o p ara as ruínas d a raça, D . D uarte fo i inco ntestav elm ente u m d o ente (...); p o r v o lta d o s 30 ano s, era um a criatura d esag rad áv el, m acilenta, o ro sto alg um tanto env errug ad o , acusad o um a senilid ad e p reco ce, o lho s m o les e p o uca barba, o que é, d e resto , co m um entre o s d eg enerad o s. A p o stura curv a e cansad a. Intransig ente castid ad e p o r influência d as leitu ras, casand o v irg em ao s 37 ano s. Fug ia d o so l p ara o silêncio d a liv raria. Into lerância p ara o álco o l, traind o fraquez a funcio nal d o s centro s nerv o so s v asculares (...), saturand o -se d u m saber d em asiad o p ara a cap acid ad e d o seu esp írito , abusand o d um cérebro aind a não p rep arad o p o r sucessiv as acum ulaçõ es ancestrais, (...) Trabalho excessiv o , esg o tante, p reo cup ante p elo tem o r d e m al reg er e p o r um escru p ulo so sentim ento d e justiça. Tud o quanto reso lv ia era à custa d e m il hesitaçõ es d o lo ro sas. O escrúp ulo , a m eticulo sid ad e

saxô nica, as hesitaçõ es eternas m ultip licav am o trabalho e o esfo rço . D e no ite, não so sseg av a, não d o rm ia. O terreno era fraco e p esad o d e taras (...) inv ad ia-o um a tristez a infinita. D ep o is, to d o o co rtejo d e cefaléia, d e p erturbaçõ es d isp ép ticas, d e d ep ressõ es no so fó bicas. O m ed o d a m o rte d o m inav a, ag o ra, a sua existência. Inv entiv a, so nhav a d o enças, sup unha-se atacad o d e p este (...) É na neurastenia d e D . D uarte que nó s enco ntram o s a causa e a exp licação d e to d o s o s d esastres p o lítico s d o seu reinad o e d a p ró p ria reg ência que se lhe seg u iu ”50.

Júlio Dantas co nsid era D o m Duarte quase um d o ente mental; alg uém cujo fracasso p esso al so mad o às d o enças hered itárias transfo rm o u seu d rama p esso al em d rama co letiv o , v ind o co m isso a p rejud icar to d a a nação . A d emais, p ara esse estud io so , D. Duarte fo i um rei cujo g o v erno fo i um co mp leto d esastre, o qual, inclusiv e v eio a rep etir neg ativ amente no reinad o d e seus sucesso res.

Dep reend e-se d o q ue fo i v isto hav er uma perfeita co munhão d e id éias entre Oliv eira M artins e Júlio D antas, end o ssad o pelo s d iscíp ulo s d e amb o s, acerca d e D . Duarte, d iretamente resp o nsáv el p ela mo rte d o Infante Santo , D. Fernand o , em Fez, e ind iretamente, p ela mo rte d o o utro irmão , D . Ped ro , em A lfarro beira, em 1449.

Tal imag em d isto rcid a d e El Rei D . Duarte fo i, co mo escrev emo s p ág inas atrás, a que imp ero u até o s ano s trinta d este século . Deste então , p o rém, histo riad o res e literato s d o med iev o p o rtug uês, ind o às fo ntes e ao s p ró p rio s escrito s d eixad o s p elo M o narca, tentaram v er o b jetiv amente q uem fo i esse p erso nag em .

A ntes, p o rém, d e examinarmo s as o p iniõ es d esse o utro g rup o d e estud io so s, d irijamo s no ssa atenção p ara a d escrição d e D. Duarte, feita p elo cro nista Rui d e Pina51:

“ p o rq ue as p ro p o rçõ es co rp ó reas d o s Príncip es p assad o s, e suas v irtud es, e co stum es, alg uñs hy sto rico s o s custum áram p o r no cabo d e suas Esto reas, e m uito m ais no p rincip io s: eu neste p o sso seg uy rei a o p eniam d o s m ais; e p o r tanto he d e saber que El Rey D o m D uarte fo i ho m em d e bo a estatura d o co rp o , e d e g rand es e fo rtes m em bro s; ty nha o acatam ento d e sua p resença m uy g racio so , o s cabello s co rred io s, ho ro sto red o nd o e alg uû tanto anv errug ad o , o s o lho s m o lles, e p o uca barba; fo i ho m em d esenv o lto , e custum ad o em to d alas bo as m anhas, que no cam p o , na C o rte, na p az e na g uerra a hum p erfeito Princip e se req ueressem ; cav alg o u am balas, sellas d e brid a, e d e g ineta m elho r q ue nanhuû d e seu tem p o ; fo y m uy hum ano a to d o s, e d e bo a co nd içam : p rez o u-se em send o m ancebo d e bo o lutad o r; e assy o fo y , e fo lg o u co m o s que em seu tem p o bem o faz iam ; fo i caçad o r; e m o nteiro . Sem m y ng ua nem q uebra d o d esp acho , e av y am ento d o s neg ó cio s necessário s; fo i ho m em alleg re, e d e g racio so recebim ento : fo y p rincip e m uy C atho lico e

51 Pr i m ei r o C r on i s t a d e D. Dua r t e, es cr eveu a “C h r ôn i ca do Sen h or R ey Dom

am ig o d e D eo s, d e qu e d eu clara p ro v a a bo a v o ntad e e g rand e d ev aço m co m que recebia o s Sacram ento s, e o u v y a o s Officio s D iv ino s, e co m p ria m uy p efeitam ente as o bras d a m iserico rd ia fo i m uy p iad o so , e m antev e m uito a justiça: fo i sesud o e d e claro entend im ento , am ad o r d e siencia d e que tev e g rand e co nhecim ento , e no m p er d escurso d ’ Esco llas, m as p er co ntinuar d ’ estud ar, e ler p er bo õ s liv ro s: caa so m ente fo i g ram atico , e alg um tanto lo g ico : fez hu u liv ro d e Reg im ento p ara o s que co stum arem and ar a cav allo : e co m p ô s p er sy o utro ad ereçad o a Rainha D o na Liano r su a m o lher; a que entitulo u, o Leal C o nselheiro , abastad o d e m uitas e sing u lares d o ctrinas sp ecialm ente p ara o s beés d ’ alm a: fo i, e nâceo natural elo qu ente, p o rq ue D eo s ho d o to u p era y sso co m m uitas g raças no co m êr; e d o rm ir fo i m uy tem p erad o , e asy d o tad o d e to d alas o utras p erfeiçõ es d o co rp o , e d ’ alm a”52.

E no d izer d e o utro auto r D o m Duarte

... fo y d e estatura p ro p o rcio nad a, e d e asp ecto sum m am ente ag rad áv el p o is tinha o s o lho s castanho s e aleg res, a bo ca p eq uena, e co rad a, o cabelo d a barba lo uro , e o d a cabeça cum p rid o co nfo rm e o uso d aq uelle tem p o . Vestia co m p o m p a send o m ay o r quand o ap p arecia p ublicam ente. Fo y m uito z elo so d o culto d iv ino , e d as cerim ô nias Eclesiásticas, d e tal so rte que não d issim ulav a a m eno r neg lig ência em o s M inistro s d o A ltar. V enero u co m p ro fund o resp eito o final d a no ssa Red em p ção não p erm itind o que estiv esse esculp id o , o u entalhad o em lu g ar ind ecente . Sem d efraud ar

52 Ru i d e Pi n a , C h r on i ca d o Sen h or Rey Dom Dua r t e, i n “C ol l ecçã o de Li vr os

a justiça d e que fo y o bserv antíssim o culto r, co m o era d e co nd ição naturalm ente benig na se inclinav a m eno s v ez es p ara o rig o r, que p ara a p ied ad e. A m o u co m tão inv io láv el o bserv ância a v erd ad e que nunca se exp erim ento u a m eno r infração na sua p alav ra (...) era naturalm ente elo quente uz and o d e p alav ras tão eleg antes qu e co nciliav a o affecto d e to so . Estim av a a co nserv ação d e p esso as erud itas, as quaes ad m itia benev o lo , p rem iav a m ag nifico . Para ind elev eis arg um ento s d o d isv elo q ue d ed icav a à cultura d as sciencias, d eixo u escrito s v ario s Liv ro s em p ro sa, e v erso . M and o u co m p ilar as ley s, que and av ão d isp ersas, e red uz id as co m bo m m etho d o a hum v o lum e p ara que fo ssem o bserv ad as (...) To m o u p o r em p rez a hum a lança em que estav a enro scad a hum a co bra em fo rm a d e cad uceo co m esta letra lo co et tem p o re sim bo liz and o na lança a g uerra, e na co bra a p rud encia co m que a hav ia d e ro m p er: Ultim am ente a naturez a o o rno u d e tanto s d o tes, e v irtud es excellentes, que não d eixo u lug ar p ara que a fo rtuna lhe d isp ensasse as felicid ad es q ue não lo g ro u”53.

Causa-no s estranhez a o fato d e O liv eira M artins e Júlio Dantas terem ig no rad o p o r co mp leto essa p ág ina d e Rui d e Pina, aind a que a co nsid erassem co m o tend encio sa e “ co mp ro metid a” . A o meno s, d ev iam ter ap resentad o o utras fo ntes em que basearam p ara o ferecer a imag em que p intaram d e D. D uarte. O ra, p elo que se d ep reend e d a Chronica d e Rui d e Pina (fig ura) o Rei não ap resentav a características físicas e p sico ló g icas e co mp o rtamentais

53 Di og o B ar bos a Ma ch ad o - Dom Du a r t e, i n Bi bl i ot h eca L us i t a n a , T om o I C oi m br a,

que o p ud essem julg ar quase co m o “ d o ente mental” co mo o quer Júlio Dantas. A o co ntrário , po d emo s p erceber que se trata d e um ho mem ativ o , aleg re, um bo m d esp o rtista, d o tad o co m g rand e v ig o r físico , abso lutamente nad a lembrand o a fig ura esquálid a, frág il e incap az , ig ualmente retratad a p o r Oliv eira M artins. Faria d e Vasco ncelo s assim retrata Do m D uarte:

“ d o q ue o cro nista d iz , a resp eito d as feiçõ es co rp ó reas d e D o m Du arte e d e suas v irtud es, infere-se que fo i ind iv íd uo d isp o nd o d e saúd e co rp ó rea, d e energ ia física, d e equilíbrio nerv o so ... D . Duarte não é p o sitiv am ente um fraco d e v o ntad e, um abúlico , m as antes p elo co ntrário um ho m em senho r d e seu qu erer... d ad a a seried ad e, a p ro bid ad e e a p ied ad e d êste rei, qualid ad es estas que to d o s lhe reco nhecem ... o ra esta em p resa africana rev ela, em D. D uarte, qualid ad es no táv eis d e co ntro le e d e p ersistência... m as esta energ ia não é m o m entânea, é fund a, tem um a qualid ad e p rim acial, a p ersistência, a p ersev erança, que a sua co ntinência e castid ad e, a sua v itó ria so bre a d o ença, p o r u m lad o , e a em p resa africana, p o r o u tro , rev elam no m ais alto g rau... D. D uarte não é p o is, um fraco d e v o ntad e, um d o ente m ental m as sim um ho m em senho r d o seu querer, e até m esm o um tip o no v o d e chefe”54 (Fig ura).

Co m relação à tão famo sa melanco lia o u humo r menencó rico55 que ating iu Do m Duarte, p o d e-se d iz er que, lo ng e d e ser uma exceção so cial, era b em co mum, tanto quanto ho je, as p esso as p assarem p o r crises d e “ tristeza” no p erío d o med iev al. Essas crises aco nteciam p o r to d o s o s lad o s e ating iam bo a p arte d a p o p ulação euro p éia, p rincip almente, a francesa56.

N o caso d e Do m Duarte, o humo r menencó rico que o ating iu, tend o d urad o mais o u meno s três ano s, se o rig ino u, p ro v av elmente, d ev id o ao excesso d e trabalho que tev e d e enfrentar, quand o tinha 22 ano s, ao ter sid o asso ciad o ao g o v erno , p o r seu p ai, em 1411, enquanto D. Jo ão I se o cup av a to talmente co m o s p rep arativ o s d a exp ed ição m ilitar a ser d irig id a co ntra a p raça marro quina d e Ceuta: Tal excesso d e trabalho lev o u D. D uarte a sucumbir v itimad o p elo “ humo r menencó rico ” , d o ença essa que, ho je, chamaríamo s d e “ stress” o u melanco lia57.

55 Pa r a a l gu n s a p al a vr a cor r et a s er i a mer en cór i co ou m el an cól i co, n ós , en t r et an t o,

us a mos a gr a fi a en con t r a da n a obr a “L ea l C on s el h ei r o ”.

56 Ar m i n d o d e S ou s a - 1 32 5- 1 48 0: C on d i ci on am en t os bá s i cos i n Hi s t ór i a d e Por t ug al .

C oor d. J os é M a t t os o Li s boa, 19 93 .

57 As s i m es t á r egi st r a do n o Leal C on s el h ei r o: “P or q ua n t o s ei q ue m ui t os for a m sã o e

ao d i a n t e s er ão t ocad os d es t e p eca do1 de t r i s t eza qu e p r oced e d a von t ad e des con cer t ad a, qu e a o pr esen t e ch am a m em os m ai s d os ca s os doen ça de h um or men en cór i coa, do qu al di z em os fí s i cosb qu e vem de m u i t as m an ei r a s p or fun da men t os e s en t i d os des va i r ad osc, m a i s d e t r ês a n os con t i n ua dos fu i del e m u i t o sen t i do, e por es peci a l mer cê de Nos s o Sen h or Deu s h ou ve per fei t a sa ú de”. Dom Dua r t e, o. c. p . 10 0.

1 - Apes ar d e qu al i fi ca r o h u mor m en en cór i co com o um p eca do, el e s e con t r a di z a o d i zer qu e se cur ou, como s e cu r a u ma d oen ça , acei t an do i m pl i ci t a men t e es t e m al com o m a l fí s i co.

a) ou m a n en cor i co b) m édi cos

“ D e facto , a v id a que D o m Duarte lev ara era d e trabalho exaustiv o . Lev antav a-se ced o , o uv ia m issa, d av a d esp acho na Relação até ao m eio d ia (...) À m esa d av a aud iências p o r larg o esp aço , reco lhend o -se em seg uid a ao quarto . M as, lo g o às d uas ho ras, recebia o s v ed o res d a faz end a e o s d o co nselho , co m q uem trabalhav a até às o nz e (...). M as êste trabalho , além d e ser quantitativ am ente elev ad o (...), d ev ia ser intenso , e d ad o o tem p eram ento d e Do m D uarte, cuid ad o so , escrup ulo so , m eticulo so , reclam and o , p o r