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A Religião Civil de Jean Jacques Rousseau

Capítulo II A separação entre Direito e Religião na sociedade secularizada

5. Secularização: Esclarecendo o conceito

5.1. A Religião Civil de Jean Jacques Rousseau

O primeiro pensador que fez referência ao conceito de religião civil foi Jacques Rousseau (1712 -1778) com a previsão da necessidade de um pacto social desenvolvido em sua obra Contrato Social. Em o Contrato Social (1762) Rousseau aponta para o bem comum independente da religião. Sua obra expressa que sociedades estruturadas sobre a religião também são minadas pelo vício e pelo crime, não obstante, afirma que a inclinação para o mal reside no âmago da natureza humana. "Para Rousseau, todas as religiões podiam reduzir-se a três: a religião do padre (o cristianismo histórico); a religião do cidadão (religiões pagãs da polis e do império, e mesmo o judaísmo e o islamismo); e o cristianismo dos Evangelhos, a religião do homem, ou ainda, a religião natural" (CATROGA, 2010, p. 113).

A terceira, enfatiza, deveria inspirar a religião civil, haja vista a primeira e segunda serem inapropriadas dado o cariz não ético de seus deuses fundadores e por manifestarem-se como religião da guerra. No entanto a terceira por seu universalismo abstrato não permite o alicerce pátrio do contrato social35.

A religião civil pretendeu dar continuidade ao melhor da religião do homem e à maneira dele viver o sagrado, sem a existência de templos, altares e ritos. Ela clamou pelos deveres eternos da moral, intuídos a partir da consciência, criação divina por excelência. Sob

35 Segundo Fernando Catroga, Rousseau não se circunscrevia sua religião à esfera da sociedade civil, ou melhor

não aceitava a sua separação do Estado. Esta era apenas uma forma de ligar o indivíduo a sociedade de um modo imaginário que condicionaria a formação da virtude.

a religião civil, apresentar-se-ia a posição teísta da crença na existência de um Deus transcendente julgador dos atos praticados na terra. Isto faria com que a religião civil fosse inferida a partir da essência da natureza humana. Uma religião "sem" Deus reatualizada no político em defesa do laço entre a religião civil e o Soberano. Rousseau não aceitava a separação da religião com o Estado.

"A religião do homem, coincidia, com a lição dos Evangelhos, a religião civil iria superar o principal defeito do cristianismo histórico: a disjunção da cidade dos homens da cidade de Deus, o que criou antíteses entre o poder temporal e o espiritual, e conduziu a expectativas que, por desprezarem o mundo, não reforçavam a sociabilidade. Daí, nesta vertente, o fundo anti-agostiniano e anti-gregoriano do pensamento de Rousseau" (CATROGA, 2010, p. 116).

A religião civil ultrapassaria os defeitos da religião do cidadão e religaria o povo à sua Pátria com os seus dogmas ditados diretamente pelo Estado. A instância política com a materialidade do contrato era um meio de socializar o respeito pela lei civil. Trata-se de uma teocracia disfarçada por uma visão racionalista, pois Rousseau tinha certa simpatia pelo dispositivo teocrático, pois a religião civil unia o culto divino e o amor pelas leis e colocava em ação o césaro-papismo. Na sua simbiose, servir ao Estado era o mesmo que servir a Deus. Assim Rousseau conciliava o concreto com o universal e teria por resultado o efeito social da prática com a utilidade pública, tal a interiorização da moral como uma pratica da virtude. "Caberia ao Soberano, ou melhor à vontade geral, fixar as regras da religião civil, não como dogmas, mas como sentimento de sociabilidade" (CATROGA, 2010, p. 117). A religião civil colocaria em prática a ética do sentido universal inspirada na consciência humana.

O Contrato Social centrado no lado prático e moral da religião, apontou para a educação do sentimento coletivo que consistia na recusa da intolerância. Rousseau defendeu a necessidade de se garantir a tolerância religiosa e civil à luz da utilidade pública. Em contrapartida, conduziu à desvalorização as religiões históricas36. No uso da liberdade de consciência, o indivíduo não precisava prestar contas ao Soberano sobre o teor subjetivo de suas crenças religiosas. Em outra via a liberdade do cidadão não valia para escolhas com repercussões na vida pública.

O Contrato Social de Rousseau para ser homologado requereria a vigência de uma religião civil de Estado. Ideia que deu força ao aparecimento de um novo modelo de Estado político de governo centrado no "césaro-papismo civil". "A religião civil seria compatível

36Sobre intolerância religiosa em Rousseau e liberdade de consciência ver Catroga: Entre Deuses e Césares:

com o pluralismo das Igrejas. "O Soberano deteria o direito de banir da sociedade, não o bárbaro, como na cidade antiga, mas o descrente" (CATROGA, 2010, p. 123). O Contrato Social, por sua versão, pressupunha a fidelidade dos indivíduos aos dogmas da religião civil e respectiva confirmação anual. De forma simples e coativa a fé civil como fundamento de utilidade pública político-moral e teológico-político garantiria o objetivo regulador do funcionamento da Soberania.

Ao Legislador caberia a função de dar legitimidade à religião civil, esta por sua vez poderia dar força e investidura às leis que também engendravam a sociabilidade.

Em Rousseau, a evocação de Deus realizar-se-ia em cerimônias simples, mas augustas, para que os indivíduos sentissem a presença da universalidade no interior da consciência, voz que, espontaneamente, fala a todos os corações. Essa era a grande lição do cristianismo dos Evangelhos e da religião do homem, que a religião civil teria de reelaborar" (CATROGA, 2010, p. 126).

Note-se que a religião civil interiorizaria, sociabilizaria, territorializaria o patriotismo e faria uma síntese da proposta entre a religião natural e a religião cívica à antiga - a da pólis. Ora, o Estado teria todo o interesse em que cada cidadão acreditasse numa religião que, voluntariamente, mobilizasse mais o sentimento que a razão, pois a religião incitaria os fiéis à doçura, à equidade, à moderação, à caridade, à indulgência. Ela poderia levar os cidadãos ao pleno exercício da virtude fomentado pelo patriotismo temporal.

Como religião civil, os poderes políticos se legitimariam a partir de teses jusnaturalistas secularizadas, não dispensariam o recurso a dogmas, mitos, símbolos, ritos, e reforçariam novos consensos sociais e nacionais que por sua vez sacralizavam o profano com a politização do religioso. O Estado acabaria por ser o impulsionador das religiões civis que não implicavam a proibição ou anulação das religiões tradicionais. Com a finalidade de sacralizar o social e forçar a legitimação do Contrato, Rousseau com a religião civil tocaria no conceito37 de religião política que tendia à santificação do projeto secular, o contrato social, a Nação, a Pátria.

37Em outra linha conceitual, Catroga sobre Gentile, afirma que a religião civil atua como religião política

quando se assiste à sacralização de uma ideologia e de um movimento político extremista, os quais, não só reivindicam a posse absoluta e indiscutível da verdade, como não aceitam conviver com outras ideologias, exacerbando a violência como meio legítimo de luta e como instrumento regeneracionista da nação, da humanidade. Em simultâneo, também tende a negar a autonomia do indivíduo perante o coletivo e o culto e a observância aos seus ditames como obrigatórios. A religião civil procura eliminar as religiões tradicionais, mediante acordos tácitos com elas, com a finalidade de integrá-las no seu próprio sistema de crenças.

Uma religião civil38 é reconhecida de direito ou de fato como religião dominante, em particular nos períodos em que vigora uma tácita aliança entre Estado e Igreja. Nessas experiências, os seus oficiantes e ritos sem se confundirem com a componente cívica, ocupam um lugar privilegiado na educação moral ministrada nas escolas públicas, no calendário com os feriados religiosos, nas liturgias cívicas e no próprio protocolo do Estado.

5.2. A Revolução Francesa: A superação do pacto social e político. Deus - povo -