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Os povos sem escrita na atualidade Os direitos arcaicos e a Religião

Capítulo I. O Direito e seus rituais no berço da Religião

6. Os povos sem escrita na atualidade Os direitos arcaicos e a Religião

Wolkmer (2015), teórico do Direito, professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina, utiliza-se dos estudos da antropologia de Malinowski e procede nesta mesma direção investigativa historiográfica. "Tal é a influência da religião sobre a sociedade e sobre as leis, que se torna intento pouco fácil estabelecer uma distinção entre o preceito sobrenatural e o preceito de natureza jurídica" (WOLKMER, 2005, p. 5).

As pesquisas dos sistemas jurídico-religiosos dos povos sem escrita não se restringem aos "primórdios". Encontramos esses direitos em populações autóctones, contemporâneas:

Certamente que a pesquisa dos sistemas legais das populações sem escrita não se reduz meramente à explicação dos primórdios históricos do direito, mas evidencia, sobretudo, um enorme interesse em curso, porquanto milhares de homens vivem ainda atualmente, na segunda metade do século XX, de acordo com direitos a que chamamos "arcaicos" ou "primitivos" (WOLKMER, 2005, p. 2).

Explicita-se que os sistemas das populações sem escrita não se restringem aos povos primordiais.

Cada povo percorre uma evolução judiciária por meio dos vestígios que deixam, o que permite uma aproximação com o passado. "As civilizações mais arcaicas continuam a ser a dos aborígenes na Austrália ou Nova Guiné, dos povos da Papuásia ou de Bornéu, ou de certos povos índios da Amazônia10 no Brasil" (WOLKMER, 2015, p. 2).

Wolkmer e Gilissen, ambos da área do Direito, remete-nos ao pensamento da unidade social que é muitas vezes reforçado pelo fator religioso do culto aos antepassados. Estes autores coincidem em suas posições, e acrescentam que há meios de se estudar o Direito dos povos que vivem atualmente num estado arcaico de organização social e política e que não conhecem a escrita. "Trata-se dos direitos arcaicos de certas etnias da Austrália, da África, da América do Sul, do Sudeste Asiático e da Amazônia no Brasil" (GILISSEN, 2003, p. 32).

Além disso, deve-se levar em consideração o tipo de sociedade que gera o Direito arcaico, pois cada cultura possui o seu aspecto normativo. Este é um fator que comprova o fenômeno que demonstra complexidade11 de onde vem as regras do Direito, que pode variar segundo a concepção religiosa ou filosófica dos seres humanos, tais como, as concepções

10Os povos indígenas da Amazônia no Brasil seria um referencial para as pesquisas jurídico-arcaicas, haja vista,

comportamentos de povos autóctones e a memória de homens vivos servirem como fonte para a materialização em documentos fixos e concretos. As palavras de Wolkmer servem para incentivar pesquisas direcionadas para as tribos indígenas brasileiras, mas por causa dos limites desta pesquisa não é possível conceder espaços para tais trabalhos.

11 O estudo da história do direito orienta-se para as várias formas de evolução dos povos sem escrita, que

sobrenaturais, místicas, divinas, de noções de justiça e equidade, de fatores sociais, econômicos, políticos, geográficos etc..

Gilissen sustenta que a expressão "direitos arcaicos" é mais vasta que "direitos primitivos" porque permite cobrir sistemas sociais e jurídicos de níveis muito diferentes na evolução geral do direito (GILISSEN, 2003, p. 33). Segundo o autor "Sob a influência dos trabalhos dos etnólogos e dos sociólogos, admite-se em geral que os costumes dos povos sem escrita têm um carácter jurídico porque existem aí meios de constrangimento para assegurar o respeito das regras de comportamento" (GILISSEN, 2003, p. 36).

Compreender a vida social como um sistema de relações no âmbito da modalidade jurídica no mundo arcaico, envolve a compreensão de atos tradicionais, atos jurídicos, técnicas empregadas, ritos religiosos e toda uma consubstancialidade mítica.

Portanto, não podemos excluir o pressuposto de que a consciência mítica é a base para um modo de compreensão das práticas de um ritual judiciário do século XXI.

Pelos autores fica demonstrado que o Direito arcaico como o direito cotidiano dos povos sem escrita é regulado pelas normas explícitas da Religião. Um Direito não legalizado e não constituído em sua forma expressa, mas vivenciado há milhares de anos por nossos antepassados.

Gilissen informa-nos que antes da historiografia do Direito, cada sociedade possuía a sua forma de ordenamento jurídico-religiosa, percorrido pela linha da evolução, sejam eles instituídos ou não.

Ao estudarmos a sacralidade judiciária, veremos que estas sofreram numerosas transformações pelo contato com os europeus e suas normas de Direito, sendo "quase impossível encontrar ainda um Direito primitivo em seu estado puro" (GILISSEN, 2003, p. 32).

Depois que passarmos pela separação entre Direito e Religião no capítulo segundo, nossa tarefa principal nos capítulos terceiro será examinar os aspectos dos rituais religiosos ainda remanescentes configurados como "lei" no direito processual atual. Apontaremos para os atos mais característicos como rituais ou cerimoniais12.

Será que ainda hoje haveria resquícios destas características do Direito arcaico descritas por Gillissen?

12 Malinowiski ressalta a importância do modo das muitas transações desses povos que estão ligadas em cadeias

Não se pode negar que estes direitos sejam profundamente místicos e por conseqüência irracionais; assim, no domínio das provas de justiça, recorre-se muitas vezes ao ordálio, quer dizer ao "julgamento de Deus" pela água a ferver, o fogo, o veneno, ou pelo duelo, para fazer dizer aos poderes sobrenaturais quem tem razão" (GILISSEN, 2003, p. 36).

O Direito arcaico manifesta-se não por um conteúdo sistematizado, mas pelas repetições de fórmulas, através dos atos simbólicos, das palavras sagradas, das solenidades e da força dos rituais desejados. Os efeitos judiciários são determinados por atitudes e procedimentos que envolvidos pela magia e pela retórica, transformam-se num jogo constante de ritualismos. "Mas este momento inicial de um direito sagrado e ritualizado, expressão das divindades, desenvolve-se na direção de práticas normativas consuetudinárias" (WOLKMER, 2005, p. 4).

Como explicitado, ainda que não se trate de um direito escrito, é um conjunto de usos, práticas, costumes habituais e publicamente aceitos. Diz Wolkmer citando Summer, "É a época do direito consuetudinário, o largo período em que não se conheceu a invenção da escrita, em que uma casta, ou aristocracia, investida do poder judicial era o único meio que poderia conservar, com algum rigor os costumes da raça ou da tribo" (WOLKMER, 2005, p. 4).

7. Direito e Religião na tradição Greco-Romana: A herança da tradição Itálico-Helênica