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O Renascimento e a rejeição do teocentrismo medieval

Capítulo II A separação entre Direito e Religião na sociedade secularizada

1. O Renascimento e a rejeição do teocentrismo medieval

O espírito teocêntrico da Idade Média começa a ser rejeitado pelo movimento renascentista (Séc. XIV - XVI) que outorgava ao modo naturalista uma forma bastante diferente do medieval que sobrenaturalizava tudo. O naturalismo do Renascimento preparou o campo para a ruptura formal com a Igreja e contribuiu com a Reforma Protestante que foi de encontro à tradição medieval católica. Reações contundentes contra o domínio da Igreja católica foi também conhecida como parte da história da rejeição do teocentrismo que lutou contra o direito à liberdade religiosa, bem como o direito natural do ser humano à sua emancipação da razão.

Foram relações complexas que direcionavam a separação entre os poderes da administração política e os da esfera religiosa com a laicização, cuja fórmula se dava com a sacralização do político ou a politização do sagrado. O movimento antropocêntrico passou a ocupar a visão de mundo teocêntrico e a exaltou a razão humana acima de todas as potências.

A concepção da ideia de liberdade autossuficiente centrada na vontade humana do naturalismo do Renascimento reforçou os ideais de separação entre Estado e Igreja.

Note-se duas pontas de uma história num mesmo fio condutor: o da defesa de uma sociedade diante dos perigos da liberdade de consciência cujo mote se dava por movimentos coletivos em torno de imagens de devoção e governo das escolhas individuais por meio da confissão de pecados. Isto tendia a mobiliar estavelmente o mundo interior dos indivíduos com imagens e pensamentos de uma disciplina da obediência da fé. O momento da confissão era ocasião pedagógica para instilar a devoção à obediência, uma muralha contra a ameaça do individualismo e contra ideia e a realidade da liberdade de consciência que era expressão desse individualismo. Em outra direção a Idade Média que vivia no modo contemplação chega na Idade Moderna que passa a viver da técnica e da ação. O sopro de crescimento econômico e esperança social e política tornaram-se fatores importantes do intenso período de discussões. Isto fez com que a Igreja católica perdesse o seu papel de centralizadora do poder e também o seu ideal de moralidade objetiva centrada na vontade divina.

À época do Renascimento surgiu na literatura a Divina Comédia de Dante Alighieri (1265 - 1321), cuja obra trouxe a fusão do espírito religioso medieval com o greco-romano, criada pelas alusões religiosas e políticas. O primeiro herói da Divina Comédia foi o poeta Virgílio, que apareceu como encarnação da razão. "E as vozes da emoção humana tampouco silenciam no Paraíso, nos discursos apaixonados dos santos contra a corrupção na Igreja" (ALIGHIERI, 2009, p. 9). A expressão humana de Dante atinge a grandeza da literatura universal por expressar a história, a política e o panorama completo da Itália do século XIII. A Divina Comédia é conhecida por explicitar o ambiente político de inimigos vitoriosos, de Papas com seus aliados e republicanos. O Dante comprometido com a política da unidade do Império cristão sob o condomínio do Imperador e do Papa, lega à posteridade a sua apelação com os escritos da Comédia.

O poeta, no crepúsculo da Idade Média, em seu livro De Monarquia27, separa os dois poderes e afirma que o imperador não devia depender do papa, mas lhe ser respeitoso. Para Dante o poder do imperador vinha diretamente de Deus no plano temporal, da mesma forma que o do papa no espiritual, o autor, no seu referido livro, apresentou ao povo uma hipótese de ser feliz: o imperador chefe de uma monarquia universal, independente do papa. "O imperador deve guiar o primeiro com seu governo temporal e o pontífice o segundo com seu

27As referências sobre Dante Alighieri e o panorama político de sua época pode ser melhor elucidado por meio

de sua obra a Divina Comédia. O autor empregou como instrumento de sua poética medieval a alegoria. Muitos consideram esta obra de Dante um panfleto político. Sabe-se que a filosofia e a teologia medieval está montada sobre as bases da metáfora, da alegoria, da imagem e do simbolismo. Tudo é metáfora, imagem e símbolo.

governo espiritual" (apud. Maquiavel, p.8). De Monarquia leva-nos à militância política da separação entre Igreja e Estado. O teor da obra não é um tratado político, haja vista Dante se apoiar sobre a esteira de seus ideais de Império com a necessidade de restaurar uma Monarquia universal de solução para todos os males.

Como parte da corrente expressiva, Dante defendeu que dois governos são juridicamente independentes, e mesmo a vida terrena tem sua própria dignidade, seus próprios fins, que são os que tendem para o progresso da civilização. O pensamento dantesco antecipou de forma clarificada o pensamento moderno.

Em via paralela, Michelangelo (1475 - 1564) fazia reviver a Roma antiga com suas esculturas expostas nos corredores dos palácios reais e papais.

O período que transcorre da Idade Média para a Idade Moderna pode ser relido pelo viés da articulação substitutiva do modo de produção feudal pelo modo de produção capitalista, resultado do avanço do comércio e da agropecuária. O fenômeno da transformação caracterizada pela Era Moderna se vinculou à nova mentalidade do ser humano com sua nova visão de mundo. O teocentrismo cedeu lugar ao antropocentrismo e o ser humano passou a ocupar o núcleo de todas as coisas e a conduzir uma inovada situação de vida, seja doméstica ou institucional. O ser humano na Idade Moderna redescobre-se.

Um dos frutos mais elevados do Humanismo e do Renascimento foi a tradução da Bíblia integral em vernáculo. A tradução emergiu do resultado de contendas entre censores decididos a destruir a obra e os solertes operários do expurgo como reescrita. É o que discutiremos adiante.