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O desencantamento do mundo e a secularização

Capítulo II A separação entre Direito e Religião na sociedade secularizada

5. Secularização: Esclarecendo o conceito

5.3. O desencantamento do mundo e a secularização

O Direito como um fato social é também objeto da sociologia jurídica que estuda o fenômeno da secularização. Sob o prisma sociológico weberiano entende-se o catolicismo como uma religião de magia. Em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, a análise sobre o fim da Idade Média e o início dos tempos modernos converge com o fenômeno da secularização designado por Weber de "desencantamento do mundo" e a eliminação da magia como único meio salvífico ou de racionalização da fé. O fenômeno dos rituais mágicos da Igreja cederam espaço para a racionalidade absorver os mandamentos divinos e aplicá-los na vida prática.

Pela ótica weberiana o catolicismo como religião de magia, previa a ligação entre o humano e o divino somente por meio do sacramento, este se concretizaria nos sacerdotes, os únicos capazes de oferecerem sacrifícios em expiação de pecados para absolvição de penitentes. De outra maneira, os sacramentos católicos e a intercessão dos santos eram repudiados pelo protestantismo que acreditava na transcendência de Deus dispensada da prática de rituais mágicos.

O "desencantamento do mundo" e a eliminação da magia39 era o único meio de salvação ou racionalização da Religião. Pela ótica do protestantismo capitalista estratificado pelo desenvolvimento cultural e redistribuição populacional, Weber traçou seu diagnóstico da emancipação ante o tradicionalismo econômico da Igreja católica. Para Weber o combate à

39A magia na sociologia weberiana, remete-nos ao entendimento do mundo magificado por deuses e demônios

dominação da Igreja católica resultou na maior participação de protestantes na propriedade do capital.

O conceito weberiano de secularização aparece articulado com outros, a saber: o desencantamento do mundo [...] ou a desmagificação do mundo. A sua gênese estaria na própria profecia veterotestamentária e no abandono da salvação sacramental-eclesiástica trazido pelo protestantismo e pela predestinação calvinista40

(CATROGA, 2010, p. 37).

O protestantismo weberiano, recusava a intercessão dos santos e os sacramentos da Igreja e aceitava que o Deus transcendente não se conjurava pela prática de rituais mágicos, ao contrário, a relação com o Eterno se dava pela consumação da observância diária dos mandamentos éticos regulamentados para a conduta humana, ou seja, se configurava pela prática religiosa nas atividades cotidianas.

Para Fernando Catroga,

Pensadores tão diferentes, e até antagônicos entre si, como A. Comte, Herbert Spencer, Émile Durkheim, Karl Marx, Max Weber e, posteriormente, Sigmund Freud, acreditavam que a religião iria definhando em importância com o advento da sociedade industrial. Esta previsão passará a ser um lugar comum nas ciências sociais de boa parte do século XX, conjuntura em que, a partir da lição de Weber, aparecem algumas teorizações empenhadas em demonstrar que a burocratização, racionalização e urbanização das sociedades contemporâneas também constituíam motores de secularização (CATROGA, 2010, p. 35).

Segundo Max Weber "a maioria das cidades ricas haviam se convertido ao protestantismo já no século XVI, e os efeitos disso ainda traziam vantagens aos protestantes na luta econômica pela existência" (WEBER, 2004, p. 30). A reforma protestante é um marco significante na eliminação da dominação eclesiástica. "A dominação da Igreja católica que pune os hereges, mas é indulgente com os pecadores" (WEBER, 2004, p. 31), passa a ser "substituída" pela dominação eclesiástico-religiosa dos reformadores, que surgiram nos países economicamente mais desenvolvidos, enfaticamente da classe média burguesa que estava cansada da tirania puritana da Igreja.

Em A ética protestante e o espírito do capitalismo o autor deixa registrado que o processo emancipatório se deve ao desenvolvimento tecnológico, a mão de obra qualificada e a qualificação técnica ou comercial. Grandes empresas modernas e industriais lideradas por grandes gestores representaram o lado mais forte da população. Estes são alguns dos fatores que determinaram a participação dos protestantes na propriedade dos bens de capital.

40Para Catroga, Max Weber tinha tendência calvinista e esta era um fator forte no condicionamento de sua

Ressalte-se que o reduzido interesse dos católicos pela aquisição capitalista fez com que protestantes emergissem com a súbita inclinação para o racionalismo econômico. Um contraste que aparece no comportamento das duas confissões religiosas. Na Alemanha, o racionalismo religioso capitalista que se emancipava da religião da Igreja se mostrava tão irreversível quanto no Ocidente com a racionalização da vida. "O calvinismo, ao que parece, fez o mesmo também na Alemanha; no Wuppertal como noutras partes, a confissão "reformada" em comparação com outras confissões, parece que favoreceu francamente o desenvolvimento do espírito capitalista" (WEBER, 2004, p. 37).

O "espírito de trabalho", "de progresso" em Max Weber demonstra uma secularização confinada ao desencantamento do mundo. As variadas formas de racionalização contribuíram com a prática e a formalidade no modo de pensar das sociedades científico- industriais, o que fez com que a secularização se expandisse acentuadamente com a ascensão capitalista. Por conseguinte, o espírito racional foi inerente a nova ordem econômico-social alastrada a outras instituições, particularmente ao Estado que se obrigava preocupar-se com as implicações políticas e jurídicas.

Neste caminho não há o fim da Religião, há o deslocamento para a esfera do privado com a ordem econômica capitalista da entrega do ser à vocação de ganhar dinheiro. "Aquele que em sua conduta de vida não se adapta às condições do sucesso capitalista, ou afunda ou não sobe" (WEBER, 2004, p. 64). A confissão religiosa resultante do fenômeno econômico, a partir do século XVI, passa a ser resultante da confissão religiosa protestante.

Max Weber constatou o retraimento da religião no avanço da modernização capitalista. Este avanço não implicou no declínio total da religião, apenas numa decadência da autoridade religiosa sobre a vida individual, organizacional e societal. Em A ética protestante e o espírito do capitalismo (2004), Weber discutiu o desenvolvimento capitalista de países de confissão religiosa protestante e a emancipação ante o tradicionalismo econômico da religião. Nesta obra o autor deixa claro que a Reforma teve relevância na eliminação da dominação da Igreja católica sobre a vida de modo geral que penetrava todas as esferas da vida doméstica e pública.

Do entrelaçamento entre protestantismo e capitalismo, Weber obteve por resultado de sua análise o chamado de Deus para atuação no mundo sob a salvação pela vocação profissional. O reconhecimento e apego ao trabalho como certeza da realização da vontade divina resultaria na salvação pelo trabalho. Esta era a certeza do crente. O acúmulo de capital no âmbito do trabalho vocacionado era o certificado da salvação. Por outra via, a incerteza da

salvação obrigava o devoto a se dedicar ao trabalho com afinco para o cumprimento da vocação profissional.

É notório o tipo de racionalismo religioso que advêm do capitalismo como uma forma de emancipação da religião. Essa nova racionalidade se mostra irreversível no Ocidente. A racionalização da vida na perspectiva weberiana não cogitava o fim da religião face a secularização, apenas enfatizava o traslado de sua esfera pública para o privado do mundo do trabalho e esse reposicionamento permitiu novas possibilidades para o pluralismo religioso. Nesta vertente a racionalização em Weber é mais abrangente que a desmagificação do mundo, visto que a secularização implicou também o desencantamento do Direito, que não admitiu mais outras formas de dirimir conflitos que não fosse o da persuasão racional do juiz.

O desencantamento do mundo desabrochou na transformação social desprovida de mistérios. A mística foi substituída pela perda de sentido e o desencanto tornou capaz a construção social e política dotada de leis racionais, discutíveis e revisáveis. A origem jurídico-religiosa, correspondente ao período da Reforma, passa com a quebra do domínio da Igreja católica imbuída dos assuntos, inclusive, do campo científico conceitual até o século XVI, para a fase desencantada, moldada e capacitada para lidar com a nova credibilidade científica e uma nova autoridade religiosa.

O espírito capitalista foi repudiado pela doutrina dominante que não conseguia valorá- lo como eticamente positivo. O racionalismo econômico como parte do conceito histórico capitalista enfatizou a vocação como dedicação do ser ao trabalho profissional.

"O sentido de uma posição na vida, de um ramo de trabalho definido" foi o logo protestante que os católicos ignoraram. Este logo reconhece que,

O único meio de viver que agrada a Deus não está em suplantar a moralidade intramundana pela ascese monástica, mas sim, exclusivamente, em cumprir com os deveres intramundanos, tal como decorrem da posição do indivíduo na vida, a qual por isso mesmo se torna a sua vocação profissional (WEBER, 2004, p. 72).

Lutero desenvolveu a ideia na primeira década da atividade reformadora e colocou em questão o tipo egoístico da falta de amor da vida monástica por se esquivar dos deveres do mundo, em contraste o trabalho profissional mundano era uma forma expressiva de amor ao próximo.

A máxima do "cumprimento dos deveres intramundanos como a única via de agradar a Deus em todas as situações" parece que fez coincidir a religiosidade capitalista com a religião do capitalismo protestante.

Pierucci, ao tratar do desenvolvimento de uma sociedade secularizada diz que "o conceito weberiano de secularização necessariamente invade o terreno da conceituação de legitimidade, do tratamento teórico dos problemas de legitimação da autoridade, problemas que todos sabemos recorrentes, permanentes, no Estado moderno" (PIERUCCI, 1998, p. 2).

O desencantamento do mundo fez com que a perda de sentido transformasse o mundo em um mecanismo visual desprovido de mistério e capacitou a construção de uma comunidade política temporal, detentora de leis racionais.

Assim a secularização surgiu da ascendência do político sobre o religioso. Já ressaltado, também para Pierucci o fator ocorrido do Ocidente moderno implicou o recuo da religião no interior da sociedade política que relegou o papel da religião à esfera privada. Portanto a secularização foi uma forma operacionalizada do poder político ter supremacia sobre a religião. Neste processo a Igreja passou de Instituição Soberana para instituição comum, como qualquer da sociedade, sem influência sobre o poder político que deixou de ser legitimado único e exclusivamente por Deus, o cidadão tornou-se independente de religião.

Em Weber a base desta distinção está na dicotomia catolicismo/protestantismo. Na Idade Média a Igreja era considerada potência em par de igualdade com o Estado. No protestantismo essa estrutura eclesiástica não se vislumbra hierarquicamente e perde a capacidade de medir forças com o Estado que engloba a identidade nacional. Foi o que ocorreu com o Estado inglês e a Igreja Anglicana. Este autor investigou o Direito como instrumento que possui a racionalidade da legitimação de submissão e dominação.