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A reorganização política

No documento Republicanismo, Socialismo, Democracia (páginas 134-136)

samPaio bruno E o rEPubLiCanismo modErado

6. As reformas gerais

6.4. A reorganização política

Quanto à reorganização política – indissociável da regeneração social, como cria Malon – deveria iniciar-se no sentido da constituição do Estado, segundo os princípios da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, melhor dizendo, segundo os Direitos Fundamentais do Homem e do Cidadão (1793)135, porque esta

Declaração – em sua opinião – era o «verdadeiro fundamento do Estado ideal moderno»136. Para a realização deste Estado, antimilitarista e antiparasitário,

«quase exclusivamente administrador e garante da coisa e paz públicas»137, Malon

propunha reformas de ordem política, religiosa e económica: na ordem política, a república e o sufrágio universal, sem restrições138, o direito eleitoral da mulher

(embora quanto a esta – profundamente marcada ainda pelo clero reaccionário e monárquico – seria prudente começar por lhe outorgar apenas os direitos civis e familiares que lhe negava o Código Civil e, só mais tarde, conceder-lhe direi- tos políticos)139, a aproximação, tanto quanto possível, da legislação directa ou

133 Id., ibid., pp. 194 e 198-201; e Id., SI/I. HTTG, p. 355.

134 Id., SI/I. HTTG, pp. 35 e 355; id., PHTPS, p. 200. No início da década anterior Malon fora, até, mais radical,

reivindicando que as uniões entre homem e mulher se baseassem, «exclusivamente» na afeição mútua, no amor e que houvesse «igualdade» entre o homem a mulher, não só na família mas na sociedade (id., HS, t. 1er, 1882, p. 19). 135 Id., ibid., p. 375. Sobre as reformas políticas de Malon pode ver-se Ver K. Steven Vincent, op. cit., pp. 123-128. 136 Id., SI/I. HTTG, pp. 375-376.

137 Id., ibid., pp. 36-37.

138 Id., ibid., pp. 31, 382 e 377-380. Esta crença de Malon na compatibilidade política – eu diria mesma exigência –

entre o socialismo e a democracia burguesa, era, em minha opinião, apenas estratégica, pois em rigor, quando os assalariados alcançassem o poder – embora mantendo a «forma» do regime – o seu objectivo, segundo Malon, era, em nome do progresso e da justiça, acabar com as classes sociais, com o individualismo político e com o capitalismo. Não sei como Malon conseguiria manter os mecanismos duma democracia burguesa neste contexto. A verdade, porém, é que os socialistas da década de 50 do século XIX, como Baudin (e o próprio Malon) achavam que a propaganda socialista não era, verdadeiramente, outra coisa senão a propaganda republicana; atente-se nas palavras daquele proferidas em 1851: «nós queremos a propaganda socialista para realizar constitucionalmente, pacificamente, pela via do sufrágio universal, a realização das nossas ideias» (id., HS, t. 2ème, 2ème partie, 1885, p. 535). E que a forma

republicana não repugnava ao socialismo – pelo contrário! – vêmo-la inscrita e exigida num manifesto de um amplo grupo de democratas-socialistas, presidido por D’Alton Shée (ainda que lhe tenham negado o apoio solicitado, os socialistas Pierre, Leroux, Cabet, Considerant, Prodhon e Louis Blanc) e publicado em Novembro de 1848, onde na declaração de «princípios» – o manifesto é reproduzido integralmente por Malon! – se afirma: «a República demo- crática e social é a liberdade realizada; (…) A Republica é o único estado político onde se pode exercer a soberania popular; a maioria do povo não tem o direito de proclamar outra coisa que não seja a Republica: seria o suicídio do próprio povo» (apud ibid., p. 581).

139 Id., ibid., p. 382. Argumenta Malon que embora seja inalienável o direito eleitoral da mulher, porque tem direitos

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governo directo do povo pelo povo em vez do sistema representativo140, a defesa

do referendum141, a limitação temporal dos mandatos e a divisão do Parlamento

em duas Câmaras: uma Câmara Económica (produto de eleições profissionais) e uma Câmara política (com funções precisas)142. À Câmara Política caberia os

principais desiderata do programa socialista, ou seja, a «liberdade de imprensa, de reunião, de associação. Refundição dos códigos. Abolição do orçamento dos cultos, separação das Igrejas do Estado, organização de festas públicas fre- quentes e periódicas (substituição de festas religiosas por festas cívicas, com um alto carácter moral e social); gratuitidade da justiça, garantias amplas dadas ao acusado, desenvolvimento da justiça arbitral, consular e corporativa. Reforma do sistema penitenciário, substituição das prisões por colónias penitenciárias, sobretudo agrícolas. Universalização da instrução geral e profissional, alimen- tação, vestuário, cantinas escolares a expensas da colectividade; eleição de um conselho internacional de arbitragem para julgar soberanamente conflitos e diferendos entre nações, assim como para preparar a Federação internacional; substituição dos exércitos permanentes por milícias nacionais que perderiam o seu carácter militar à medida que se generalizasse a arbitragem; abolição das ordens privilegiadas e da venalidade dos ofícios»143. A «fórmula política de uma

humanidade maior», decorrente destas reformas e de outras reformas políticas socialistas que iam no mesmo sentido – como as de Saint-Simon, Robert Owen e Fourier – seria a «organização científica da solidariedade humana»144, que, no

limite, teria uma dupla face: a nível dos governos, uma diminuição progressiva das suas atribuições (política repressiva, ingerência nas actividades intelectuais, etc.) e a sua substituição, «no plano material, por uma administração social pura- mente executiva, sempre perfectível» (como pretendia Pecqueur) e «na ordem moral, pelo reconhecimento do sentimento dos deveres, sob a sanção de uma opinião publica esclarecida» (o que implicava a progressiva substituição das leis

na sua maior parte, seguem as inspirações do clero mais reaccionário e monárquico, constituindo, assim, uma ameaça para a república, o pleno exercício dos seus direitos políticos.

140 Id., ibid., pp. 21 e 384-386. 141 Id., ibid., pp. 385 e 387-390.

142 Id., ibid., pp. 391-394. Esta defesa do socialismo, pela via democrática e burguesa, estava longe daquela que Malon

defendia em 1869 e 1870. Em 1869 opôs-se ao acto eleitoral e, em 1870, juntamente com a maior parte dos mem- bros da delegação francesa da Internacional advogou a abstenção ao plebiscito (K. Steven Vincent, op. ct., p. 36); sem recusar o benefício de eleições para pequenas mudanças concretas, achava, então, que uma mudança radical da sociedade implica greves e acção revolucionária (id., ibid.).

143 Id., ibid., pp. 393-394. 144 Id., PHTPS, p. 205.

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pelos costumes)145; e a nível internacional, a constituição de uma confederação

europeia e, por fim, uma associação universal dos povos, pois só ela – como mostraram Leibniz, Morelly, Voltaire, Sully, William Penn, Saint-Pierre, Mayer, Kant, Rousseau, Victor Hugo, Garibaldi, Fréderic Passy, Hogdson Pratt, Ch. Lemonnier, Goegg, Accolas, Godin, Cremer, Moneta, Ruchonnet, a Associação

Internacional dos Trabalhadores (1864) e tantos outros – podia travar a exploração

liberal e burguesa (com o seu brutal egoísmo, fomento de antagonismos sociais e exploração do homem pelo homem), o chauvinismo nacionalista e imperialista, impedir a guerra e promover a igualdade económica, a justiça social, a «liberdade republicana» e a fraternidade e a paz entre as nações146.

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