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Reformas políticas

No documento Republicanismo, Socialismo, Democracia (páginas 152-155)

samPaio bruno E o rEPubLiCanismo modErado

7. Reformas imediatas e urgentes

7.5. Reformas políticas

Segundo Malon, no sistema político actual pede-se aos representantes da vontade popular – que carecem de competências especiais – que resolvam os problemas de administração das coisas e da governação dos homens. Este incon- veniente (que as constituições burguesas e republicanas persistem em manter) evitar-se-iam – em sua opinião – se se separasse a política pura (através de uma

Câmara política) da economia social (através de uma Câmara económica) tendo

cada uma delas representação própria217. A Câmara política, do seu ponto de

vista, deveria ser eleita por sufrágio universal218 e teria a seu cargo «a direcção da

214 Id., ibid., pp. 351-433; e ainda, em síntese, Id., PHTPS, pp. 290 e 293-296. 215 Id., PHTPS, p. 293.

216 Id., ibid., p. 289.

217 Id., SI/I. HTTG, p. 391; id., PHTPS, p. 300. 218 Id., PHTPS, p. 300; id., SI/I. HTTG, p. 391.

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administração propriamente dita, da política estrangeira, da educação, dos cultos, das belas-artes, das festas públicas, da justiça, da polícia, etc.»219; em concreto,

caber-lhe-ia, entre outras obrigações, assegurar, constitucional e legalmente, a liberdade de imprensa, de reunião e de associação; a reformulação dos códigos; a abolição do orçamento dos cultos e a separação das Igrejas do Estado; a organiza- ção de festas cívicas, públicas e periódicas (em substituição das festas religiosas); a gratuitidade da justiça, e o estabelecimento de garantias mais amplas para os acusados; o desenvolvimento da justiça arbitral, consular e corporativa; a reforma do sistema penitenciário e a substituição das colónias penitenciárias por outras, sobretudo, agrícolas; a universalização da instrução geral e profissional, com total participação do Estado nas despesas escolares dos alunos; a participação na eleição de um conselho internacional de arbitragem para julgar, soberanamente, conflitos e diferendos entre nações, assim como para preparar a Federação internacional; a substituição dos exércitos permanentes por milícias nacionais (perdendo estas o seu carácter militar à medida que aumentasse a generalização da arbitragem); e a abolição das ordens privilegiadas e da venalidade dos cargos220. Quanto à Câmara

económica, (que pressupunha uma organização corporativa obrigatória), mais

numerosa e mais importante, deveria ser o produto de eleições profissionais, de modo a representar, o mais fielmente possível, os produtores e os trabalhadores de todas categorias221. Esta Câmara económica podia, ainda, dividir-se em três

secções: a dos interesses específicos (agricultura, indústrias agrícolas, pesca, minas, transportes, alimentação, construção civil, industria de lanifícios, metalurgia, vidra- ria, cerâmica, produtos químicos, construção, mobiliário, vestuário, alimentação, indústrias de luxo, ciência e pedagogia, belas-artes, etc.); a dos interesses comuns (estatística, seguros, assistência pública, subsistências, crédito, troca, comércio internacional e relações exteriores, vias de comunicação e tarifas, higiene geral, trabalhos públicos, finanças, relações das industrias, relações do capital com o trabalho, ensino, instituições científicas e artísticas, legislação, administração); e a secção das aplicações sociais, cujas atribuições seriam a melhoria e crescimento do domínio do Estado, o crédito às sociedades operárias (agrícolas e industriais), a administração directa ou delegada das minas, dos caminhos-de-ferro, dos canais, dos transportes marítimos, das manufacturas do Estado, dos arsenais, dos entrepostos, dos grandes estabelecimentos siderúrgicos e, em geral, a organização 219 Id., ibid., p. 302; SI/I. HTTG, p. 393.

220 Id., SI/I. HTTG, pp. 393-394.

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do trabalho colectivo em todos os meios de produção, transporte e troca; nesta secção se incluiriam, ainda, os encorajamentos às invenções e às descobertas, a direcção quer dos seguros e da assistência pública quer dos trabalhos públicos com vista ao melhoramento e embelezamento do território222.

Mas todas estas reformas políticas se deviam fazer e manter não só den- tro do regime republicano – que, para Malon, era a melhor forma política de assegurar a dignidade humana e a única que, até então, tinha proporcionado a emancipação dos povos – mas no quadro de um regime republicano federalista, porque o federalismo, em sua opinião, era a única formula de associação política que permitia «combinar o respeito das necessidades regionais particulares e da relativa autonomia dos aglomerados secundários (comunais e outros) com os grandes interesses das nações livremente constituídas», que permitia conjugar esta combinatória com os interesses da suprema Confederação internacional de todos os povos, que salvaguardava e promovia a paz internacional em vez da guerra, que fomentava a organização solidarista da produção (em vez dos antagonismos económicos que favoreciam a iníqua exploração do homem pelo homem e o pauperismo), que ponderava a equitativa repartição das riquezas e universalizava o saber e a cultura moral (contra a ignorância, geradora das desarmonias sociais)223.

O corolário deste federalismo dos Conselhos das Comunas sociais e acima dos parlamentos económicos e políticos dos Estados, seria, no plano internacional, um Grande Conselho Anfictiónico, tão representativo na sua constituição como as repúblicas que dele viessem a fazer parte, tendo como atribuições: «a arbitragem entre os Estados; a legislação internacional do trabalho; a colonização – cien- tífica, progressiva e civilizadora; as grandes viagens científicas; as observações meteorológicas, cujo fim é chegar à melhoria dos climas; a estatística do globo; o encorajamento às invenções e descobertas de utilidade internacional; a unifi- cação dos pesos, medidas e moedas; a iniciação pacífica, benfazeja e gradual dos povos menos avançados aos benefícios da civilização socialista; [e] a direcção de exércitos de voluntários mobilizados para os grandes trabalhos de fertilização, melhoramento, e embelezamento do globo»224; e, como fins últimos dessas atri-

222 Id., ibid., pp. 301-302; SI/I. HTTG, pp. 392-393. 223 Id., ibid., pp. 297 e 303-304; id., SI/I. HTTG, p. 398.

224 Id., ibid., pp. 304-305. Esta ideia era apadrinhada por vários socialistas. Saint-Simon, por exemplo, defendia que

ultrapassada a fase papal e militar da Idade Média, os tempos modernos, – tempos da industrialização – deviam procurar reconstruir a unidade mundial em novas bases que passavam, em sua opinião, pela criação de um «grande Parlamento Europeu, de que fariam parte os homens mais eminentes no comércio, na industria, na mgistratura e nas letras, a quem caberia regular, superiormente, “os interesses gerais” dos povos, redigir um “código de moral universal”,

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buições, a felicidade do homem na paz, na justiça e na bondade225. Em abono

deste desiderato federalista e pacifista invocou e descreveu, sumariamente, os projectos de paz de Georges Podiebrad, rei da Boémia, apresentado a Luís XI para pacificar a Europa (1464); de Sully, ministro de Henrique IV; de William Penn (Essai sur la paix presente et future de l’Europe, 1603); de Éméric Lacroix (Nouveau Cynée, 1623); de vários ilustrados – como Morelly (Basiliade, 1750), Voltaire, Leibniz, Saint-Pierre, Rousseau e Kant – o projecto de paz da Association

internationale des travailleurs (fundada em 1864) e, mais recentemente, os contri-

butos que foram dados, neste sentido, por Victor Hugo, Garibaldi, Lemonnier, Fréderic Passy, Hogdson Pratt, John Bright, Goegg, Accolas, Godin, Cremer, Moneta, Thiaudière, Élie Ducommun, Ruconnet, etc., que se auto-proclamaram «cidadãos duma Europa pacifica e federada»226. Mas Malon retirou destas fon-

tes, ilações que muitas delas não continham: que não haveria paz enquanto não houvesse justiça e que esta não era possível – pelo contrário – pela via do liberalismo económico e político; que se pretendíamos justiça e paz não havia outro modo de as alcançar senão pela substituição do Estado burguês por um outro, republicano, federado com outras Republicas, e alicerçado na liberdade política, na igualdade económica e na fraternidade social227.

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