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CAPÍTULO 1 – Fundamentação teórica

1. Introdução

1.4. A representação da experiência e a LSF

Conforme Wodak (2004, p.232), apesar das diferenças de abordagens teóricas ou metodológicas entre os analistas de orientação crítica, em quase todos os estudos há referências à gramática sistêmico-funcional (GSF) de Halliday. Nesse sentido, a autora observa que a compreensão das premissas básicas da gramática hallidayana é essencial para uma compreensão mais ampla da ACD.

Halliday e Hasan (1985, p.17) observam que a função principal da linguagem é a própria semântica, mas que função não deve ser interpretada como uso e sim como uma propriedade fundamental da linguagem em si mesma, como algo básico para a evolução do sistema semântico. Assim, a estrutura semântica se desenvolve em torno à necessidade de o falante representar suas experiências, interagir com outros na sociedade e construir seus próprios textos para se comunicar. Tudo isso ocorre simultaneamente e por meio da linguagem. Esta traduz o contexto sócio-cultural em significados que, por sua vez, são realizados no estrato da léxico-gramática e expressos em fonemas ou grafemas. As metafunções ideacional, interpessoal e textual se realizam no estrato léxico-gramatical, construindo a oração, ao mesmo tempo, como representação, intercâmbio e mensagem.

Pela perspectiva adotada no presente trabalho, concentra-se o foco de atenção na metafunção ideacional, mais especificamente em seu componente experiencial. A oração é interpretada, portanto, como representação, como construção de processos baseados na experiência humana; a base de análise no estrato léxico-gramatical é o sistema da TRANSITIVIDADE. Segundo Halliday e Matthiessen (2004, p.170), “o sistema da transitividade constrói o mundo da experiência em uma série razoável de tipos de processos. Cada tipo de processo provê seu próprio modelo ou esquema para construir um domínio particular da experiência como uma figura de um tipo particular”36.

As figuras são configurações constituídas por processos, participantes e, eventualmente, circunstâncias. Congruentemente37, os processos são realizados pelo grupo verbal; os participantes dos processos, podendo ser pessoas, animais ou objetos inanimados, são representados pelo grupo nominal; e as circunstâncias são realizadas pelo grupo adverbial ou por frases preposicionais. No sistema da TRANSITIVIDADE, “os conceitos de processo, participante e circunstância são categorias semânticas que explicam, de um modo mais geral, como fenômenos da nossa experiência do mundo são construídos como estruturas lingüísticas”38 (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004, p.178).

Halliday e Matthiessen (2004) classificam os processos em três tipos principais que representam o mundo físico (processos materiais), da consciência (processos mentais) e das relações abstratas (processos relacionais). Os processos materiais estão relacionados ao fazer e ao acontecer no mundo exterior ao falante; neles sempre há um participante inerente, o Ator, podendo se estender em direção a outro participante, a Meta. Os processos mentais se relacionam ao sentir e ao pensar, representando, portanto, o mundo interior do

36 Nossa tradução de: “The transitivity system construes the world of experience into a manageable set of

process types. Each process type provides its own model or schema for construing a particular domain of experience as a figure of a particular kind”.

37 Halliday utiliza o termo congruente em contraste às realizações metafóricas (cf. HALLIDAY e MATTHIESSEN 1999; 2004).

38 Nossa tradução de: “The concepts of process, participant and circumstance are semantic categories which explain in the most general way how phenomena of our experience of the world are construed as linguistic structures”.

falante; seus participantes são o Experienciador e o Fenômeno. Os processos relacionais se relacionam ao ser no mundo, englobando o simbolizar, ter identidade ou atributo, estabelecendo uma relação entre duas partes ou entidades. Esses processos se classificam em intensivos, circunstanciais e possessivos, realizados nos modos atributivo e identificativo. Seus participantes envolvidos diretamente são: Portador e Atributo, Identificado e Identificador.

Os processos comportamentais se localizam nos limites entre os processos materiais e os mentais, representando os comportamentos fisiológicos ou psicológicos tipicamente humanos; o participante inerente desses processos é o Comportante. Entre os processos mentais e os relacionais, encontram-se os processos verbais, que representam as relações na ordem do dizer; seu participante envolvido diretamente é o Dizente. Por último, entre os processos relacionais e materiais, encontram-se os processos existenciais. Estes processos representam fenômenos que simplesmente existem; seu único participante é o Existente.

O Quadro 1.5, traduzido e adaptado de Halliday e Matthiessen (2004, p.260), ilustra os tipos de processos e participantes característicos. Alguns dos participantes propostos pelos autores não foram incluídos no quadro, por não fazerem parte da análise.

Quadro 1.5: Tipos de processos e participantes

Processos Participantes envolvidos

diretamente Participantes envolvidos indiretamente

material Ator, Meta Recipiente, Cliente; Escopo

comportamental Comportante Comportado

mental Experienciador, Fenômeno -

verbal Dizente Receptor, Verbiagem

relacional: atributivo, identificativo

Portador, Atributo

Identificado, Identificador Beneficiário

Levando o foco para o elemento circunstancial, Halliday e Matthiessen (2004, p.260) destacam que, apesar de as circunstâncias ocorrerem tipicamente de forma mais livre em todos os tipos de processos, algumas combinações são mais ou menos prováveis segundo o tipo de processo. Os autores observam que “há, assim, uma continuidade entre as categorias de participante e circunstância, e a mesma continuidade pode ser vista nas formas pelas quais as duas são realizadas. A distinção entre participante e circunstância provavelmente é relevante em todas as línguas”39.

Halliday e Matthiessen (2004, p.261) elaboram a questão sobre o que seriam as funções construídas como circunstanciais na gramática da oração como representação. Tentando responder à questão, os autores destacam a necessidade de os tipos de elementos circunstanciais serem realinhados não apenas em termos de tempo, lugar, modo, etc., mas em relação aos tipos de processos como um todo. Considerando a transitividade como a gramática da experiência, assinalam Halliday e Matthiessen, é possível obter uma noção de espaço semântico sendo construído pelos circunstanciais.

O Quadro 1.6, traduzido e adaptado de Halliday e Matthiessen (2004, p.262- 263), ilustra os tipos de elemento circunstancial40.

39 Nossa tradução de: “There is thus a continuity between the categories of participant and circumstance; and de same continuity can be seen in the forms by which the two are realized. The distinction between participant and circumstance is probably relevant in all languages”.

40 No capítulo de análise, a seção 3.5.3.1.1. aborda especificamente a realização do elemento circunstancial, sendo observadas algumas das diversas formas observadas de Circunstanciação de atores sociais.

Quadro 1.6: Tipos de elemento circunstancial Tipo distância duração de extensão freqüência lugar de localização tempo meio qualidade comparação de modo grau razão propósito de causa benefício condição falta intensificação de contingência concessão comitativo extensão de acompanhamento aditivo aparência Expansão elaboração de papel produto de assunto - fonte Projeção de ângulo ponto de vista

A próxima seção introduz a noção de comodificação, emprestada de Fairclough (2001a) e incluída na análise por sua pertinência e adequação ao presente trabalho.