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CAPÍTULO 1 – Fundamentação teórica

1. Introdução

1.3. A representação de atores sociais

1.3.3. Outras formas de categorização sócio-semântica

Na distribuição de papéis, segundo o quadro de trabalho proposto por van Leeuwen (1996, p.46), a Generalização corresponde aos atores sociais referidos como classes (referência genérica), e a Especificação aos participantes representados como indivíduos específicos e identificáveis (referência específica). A diferença pode ser observada, segundo van Leeuwen (idem, p.47), no modo como a imprensa representa os atores sociais (classe média x pessoas comuns). As ocorrências lingüísticas que realizam

29 Nossa tradução de: “Beneficialisation may be realised either by participation, in which case the beneficialised participant is Recipient or Client in relation to a material process, or Receiver in relation to a verbal process”.

essas representações sócio-semânticas podem ser o plural sem artigo, o singular com artigo definido e o singular com artigo indefinido.

Em relação à Especificação, van Leeuwen (1996, p.48) aponta que se subdivide em Individualização ou Assimilação, atores sociais referidos como indivíduos ou como grupos. Neste último caso, a categoria ainda se desdobra em Agregação e Coletivização. A Agregação quantifica grupos de participantes e é realizada por meio de quantificadores definidos ou indefinidos. A Assimilação, por sua vez, pode ser realizada quer através de um substantivo contável ou de um substantivo que denote um grupo de pessoas.

Segundo van Leeuwen, a Associação e Dissociação consistem em atores ou grupos de atores sociais referidos genérica ou especificamente, mas nunca classificados no texto. Mais que representado como estável ou institucionalizado, o grupo é representado como uma aliança em relação a uma atividade ou conjunto de atividades. A Associação também se pode realizar como uma circunstância de acompanhamento. Em muitos textos, as Associações se fazem e desfazem (Dissociação).

Outras formas de representação sócio-semânticas analisadas por van Leeuwen (1996, p.51-52) são a Indeterminação, atores sociais representados como indivíduos ou grupos não-especificados e anônimos, e a Determinação, participantes com sua identidade especificada. A Diferenciação, por outro lado, explicita atores ou grupos de atores sociais de outros semelhantes, criando diferenças, a saber: nós/eles, próprio/outro, etc.

Van Leeuwen (1996, p.52-54) também observa que os atores sociais são nomeados (Nomeação) em função de uma identidade única e categorizados (Categorização) em termos de identidades e funções partilhadas com outros. Nesse sentido, a Nomeação se realiza por nomes próprios, podendo ser formal, semiformal ou informal. As Nomeações também podem ser tituladas (Titulação) como Honorificação (adição de títulos) ou Afiliação (termos de relação pessoal ou de parentesco).

A Funcionalização é a referência em termos de atividade, ocupação ou função e depende do que os atores ou grupos de atores sociais fazem. É realizada por: a) um substantivo formado a partir de um verbo, b) um substantivo formado a partir de outro substantivo que denota local ou instrumento associado a uma atividade e c) pela composição de substantivos relacionados a atividades e categorizações altamente generalizadas (homem, mulher, pessoas, etc).

A Identificação, por outro lado, depende do que os atores ou grupos de atores sociais são, tanto permanente como inevitavelmente. Há três tipos de Identificação: a Classificação (idade, sexo, origem, raça, religião, classe social, etc.), a Identificação Relacional (relações pessoais, de parentesco ou trabalho) e a Identificação Física (características físicas como loiro, moreno, alto, com barba, etc). Segundo van Leeuwen (1996, p.55), “Na atualidade, a categoria pertencer a uma empresa ou organização começa a desempenhar um papel mais importante na identificação”30. As Identificações podem também funcionar como classificadores nos grupos nominais, as Funcionalizações mais raramente.

A diferença entre Personalização e Impersonalização depende da inclusão ou não, na representação dos atores sociais, de características semânticas humanas. Assim, a Personalização é realizada por pronomes pessoais ou possessivos, nomes próprios, substantivos ou adjetivos que incluem características humanas. Já a Impersonalização é realizada por substantivos abstratos ou concretos que não incluem a característica humana. A Impersonalização possui dois tipos: Abstração e Objetivação. Na Abstração, a representação é feita por meio de uma qualidade atribuída aos atores; na Objetivação, a representação ocorre pela referência a um local ou coisa associada à pessoa ou à atividade a que os atores estão ligados. É realizada por referência metonímica e os tipos mais

30 Nossa tradução de “At present the category of ‘belonging to a company or organisation’ begins to play a more important role in identification”.

comuns de Objetivação são: a Espacialização (referência ao local), a Autonomização do Enunciado (referência aos enunciados), a Instrumentalização (referência ao instrumento da atividade) e a Somatização (referência a uma parte do corpo), sempre pré-modificado por um possessivo ou genitivo indicando o dono da parte do corpo. Segundo van Leeuwen (1996, p.60),

Em termos mais gerais, a Impersonalização pode possuir um ou mais dos seguintes efeitos: pode encobrir a identidade e/ou papel dos atores sociais; pode emprestar autoridade impessoal ou força a uma atividade ou qualidade de um ator social; e pode adicionar conotações positivas ou negativas a uma atividade ou enunciado de um ator social31.

A Sobredeterminação é outra das categorias sócio-semânticas propostas pelo autor; ocorre pela representação dos atores ou grupos de atores sociais em mais de uma prática social simultânea. Van Leeuwen (1996, p.62) assinala que a Sobredeterminação é uma das formas de legitimar as práticas através dos textos. O autor distingue quatro principais categorias de Sobredeterminação, a saber: Inversão, Simbolização, Conotação e Destilação.

Na Inversão, os atores sociais são representados como vinculados a duas práticas que, em certo sentido, estariam em oposição. Esse modo de representação possui duas formas mais comuns: o Anacronismo é empregado para dizer coisas que não se podem dizer diretamente, tais como proferir críticas sociais e políticas ou para naturalizar discursos ideológicos; o Desvio é utilizado para aludir a atores sociais que, normalmente, não estariam qualificados para desempenhar as atividades em que são representados.

31 Nossa tradução de “More generally, impersonalisation can have one or more of the following effects: it can background the identity and/or role of social actors; it can lend impersonal authority or force to an activity or quality of a social actor; and it can add positive or negative connotations to an activity or utterance of a social actor”.

A Simbolização ocorre quando atores ou grupos de atores ficcionais, que normalmente formam parte de um passado mítico e distante, representam outros atores em práticas sociais que não são ficcionais.

A Conotação consiste em uma única determinação, por Nomeação ou Identificação Física, que corresponde a uma Classificação ou a uma Funcionalização. Ao identificar fisicamente ou nomear alguém, as qualidades associadas a essa identificação e partilhadas culturalmente são projetadas ou transferidas ao ator social representado.

A Destilação é a última das formas de Sobredeterminação apontadas por van Leeuwen. Consiste na combinação de Generalização com Abstração, como uma forma de vincular atores sociais a várias práticas sociais e, ao mesmo tempo, abstrair as características que esses atores possuem em comum.

Mediante a comparação dos três quadros de trabalho desenvolvidos por van Leeuwen (1993a; 1993b; 1996) e apresentados acima, percebe-se que o autor foi incorporando, na rede de sistemas, categorias de análise mais específicas. O quadro apresentado como A recontextualização dos participantes, na tese de van Leeuwen (1993b), é o mais completo enquanto descrição de categorias e subcategorias. Os desdobramentos da Indeterminação, da Objetivação e da Abstração, presentes nesse trabalho, não estão incluídos na rede de sistemas de 1996, embora seja feita sua descrição no corpo do texto. A última versão da rede de sistemas, tal como apresentada na recente republicação da teoria (VAN LEEUWEN, 2008), não guarda diferenças em relação a sua versão anterior (1996).