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A representatividade adequada como forma de garantir a efetivação dos

6. CONTROLE OPE JUDICIS DA REPRESENTATIVIDADE ADEQUADA DAS

6.1. P OSSIBILIDADE E NECESSIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL DA

6.1.1. A representatividade adequada como forma de garantir a efetivação dos

O direito constitucional é o primeiro, tanto na ordem topológica, quanto na ordem lógica, dos ramos do direito394 - regendo, em última análise, as relações jurídicas de direito público e, também, as de direito privado. Tendo sido reconhecido, desde o direito romano, escopo e orientação eminentemente publicistas do processo civil – acentuando-se que a relação jurídica processual tem sempre, em um de seus polos, o próprio Estado no exercício de função jurisdicional –, é inevitável se remeter à Constituição como fonte dos

394 GRINOVER, Ada Pellegrini. As Garantias Constitucionais do Direito de Ação. São Paulo: RT, 1973,

princípios gerais que informam todo o direito processual395. Isso porque, como destaca Liebman:

O direito processual, em qualquer de seus ramos (civil, penal, administrativo, tributário), disciplina uma atividade que se situa no ponto de encontro de problemas fundamentais da sociedade e do Estado: trata-se da atividade consistente em fazer justiça e assegurar a integridade e a vitalidade da ordem jurídica, concorrendo assim para definir e assegurar a personalidade dos indivíduos em suas relações recíprocas e perante o poder social, na medida em que lhes oferece meios jurídicos para a defesa de seus direitos e interesses e da sua liberdade396.

Reforça essa premissa ao ressaltar que o processo só se preenche de total significado ao ser estudado sob os auspícios do direito constitucional,

[...] portador do indispensável aparato de garantias e modos de exercício da promessa de justiça contida na Constituição para a defesa dos direitos fundamentais do homem, no rigor da necessária disciplina de uma função pública397.

Nesse sentido, o estudo do processo civil em conjunto com as orientações constitucionais seria o caminho para transformar o processo de simples instrumento de justiça em garantia de liberdade – assumindo um raciocínio próprio da ideologia liberal e, primordialmente, voltado ao processo individual. No entanto, com muito mais razão, tal visão deve ser aplicada ao âmbito dos processos coletivos.

Nesse tipo de processo, não apenas o valor liberdade, apontado pelo estudioso italiano – próprio da primeira geração de direitos fundamentais – está em jogo. Os processos que objetivam a tutela jurisdicional de interesses transindividuais trazem a juízo também os direitos fundamentais de segunda e terceira gerações – os direitos sociais e os direitos de solidariedade, respectivamente – e veiculam pretensões que exigem mais do que a garantia da igualdade jurídica, cobrando que se possibilite às partes também as igualdades técnica e econômica, ou, ao menos, que se mitigue a vulnerabilidade de uma das partes398.

Assim sendo, é forçoso reconhecer que as discussões que cercam a matéria dos processos coletivos vêm carregadas de questões constitucionais, desde os direitos que serão

395 Ibid., p. 11-13.

396 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. vol 1. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2005,

p. 58.

397 Ibid., p. 59.

398 CAPELLETTI, Mauro. Processo, Ideologia e Sociedade. Vol. I. Tradução e notas de Elício de Cresci

defendidos por essa via – cuja dispersão e importância social justificam sua tutela coletiva – até as adaptações pelas quais devem passar os institutos processuais clássicos para possibilitar efetiva proteção desses interesses.

No que se refere pois, à defesa dos interesses transindividuais, como anteriormente se destacou, está a legitimidade ativa atribuída a determinadas entidades visando à defesa dos direitos de toda uma coletividade que, mesmo não sendo parte da relação jurídica processual, será atingida pelos efeitos da coisa julgada coletiva – nisso consistindo uma das grandes vantagens do processo coletivo: a possibilidade de atingir um grande número de pessoas sem a necessidade do ajuizamento de diversas demandas individuais, tampouco a inconveniência da formação de litisconsórcio unitário399. De outra banda, há que se assegurar que esses ausentes, que terão sua esfera jurídica afetada pela decisão na ação coletiva, sejam defendidos de forma igual ou melhor do que se eles próprios estivessem em juízo.

E isso seria decorrência lógica das garantias e princípios constitucionais sobre os quais se assenta o processo civil brasileiro, destacando-se a garantia ao devido processo legal (artigo 5º, LIV da Constituição Federal de 88)400, que se consubstancia no princípio do pleno e efetivo contraditório e na possibilidade da ampla defesa dos litigantes nos processos judiciais e administrativos (artigo 5º, LV da Constituição Federal de 88)401. Esses princípios e garantias, em última análise, estão ligados ao direito inviolável à segurança – previsto no caput do artigo 5º e em diversos outros dispositivos da Constituição – que, em sua vertente da “segurança jurídica”, por sua vez, está ligado à própria ideia de realização da justiça402.

399 Conforme discutido no primeiro capítulo deste estudo, as ações coletivas foram desenvolvidas justamente

para lidar com os casos que a necessidade de formação do litisconsórcio (que, de acordo com as regras da Inglaterra do início do século XII, era obrigatório) inviabilizava a judicialização do conflito.

400LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

401LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o

contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

402 Como assinala José Afonso da Silva, “[...] o caput do artigo 5º fala em ‘inviolabilidade do direito à

segurança’, o que, no entanto, não impede que seja ele considerado um conjunto de garantias – natureza que, aliás, se acha ínsita no termo ‘segurança’. Efetivamente, esse conjunto de direitos aparelha situações, proibições, limitações e procedimentos destinados a assegurar o exercício e o gozo de algum direito fundamental (intimidade, liberdade pessoal ou incolumidade física ou moral): segurança das relações jurídicas (Art. 5º, XXXVI), segurança do domicílio (artigo 5º, XI), segurança das comunicações pessoais (artigo 5º,IV) e segurança em matéria penal e processual penal (art. 5º, XXXVII – XLVII)”, ver: SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 3.ed. Malheiros: São Paulo, 2007, p. 72. Em outras palavras, a garantia desse direito fundamental à segurança, em sua vertente da segurança jurídica, pode ser observada em outros dispositivos constitucionais, a exemplo da coisa julgada, respeito aos direitos adquiridos, respeito ao ato jurídico perfeito, prévia lei para a configuração de crimes e transgressões e cominação de penas, independência do Poder Judiciário, vedação de tribunais de exceção.

Cabe discorrer brevemente sobre essas garantias, para verificar de que forma a aferição da representatividade adequada dos legitimados ativos, pelos juízes brasileiros, nos processos coletivos, pode assegurar a efetivação de cada uma dessas garantias e, por conseguinte, dos direitos fundamentais.

A garantia constitucional do contraditório é a que se relaciona de forma mais profunda com o tema da representatividade adequada nas ações coletivas brasileiras, significa, nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco, que “[...] a lei deve instituir meios para a participação dos litigantes no processo e o juiz deve franquear-lhes esses meios. (...) A garantia deste resolve-se, portanto, em um direito das partes e uma série de deveres do juiz”403.

O processo, conforme ressaltado acima, não pode ser visto como um meio para que as partes resolvam suas controvérsias – não se limitando, pois, a uma perspectiva unicamente privatista. Se assim fosse, os atos que informam o processo poderiam ser equiparados aos atos de vontade – tais quais os negócios jurídicos – cuja força vinculante está calcada na vontade manifestada livremente pelas partes404. A relação jurídica processual, no entanto, tem como escopo o exercício da função jurisdicional, o que transforma o processo em um veículo para a efetivação da justiça.

Os atos processuais, em especial aqueles que emanam da autoridade jurisdicional – o juiz –, tal como os atos praticados pelo poder legislativo e executivo, devem ser vistos como atos de poder. Tais atos, quando praticados pelos integrantes do poder legislativo e executivo, no entanto, retiram a legitimidade dos poderes conferidos pelo povo aos integrantes dos cargos que os compõem , por meio da eleição de seus representantes, como ocorre nos regimes democráticos de uma forma geral. Os juízes, por sua vez, não ocupam cargo eletivo de acordo com nosso sistema jurídico, de modo que a legitimação dos seus atos – em especial das decisões prolatadas nos processos que conduzem – deve ser retirada de outra fonte405.

403 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 5.ed. São Paulo: Malheiros,

2005, p. 234. Tal ideia se coaduna com o raciocínio desenvolvido por Ada Pellegrini Grinover de que “[...] a relação jurídica que se forma no processo é autônoma, diversa da de direito material: seus sujeitos são o juiz, o autor e o réu, em uma relação de natureza triangular” (GRINOVER, Ada Pellegrini. As Garantias

Constitucionais do Direito de Ação. São Paulo: RT, 1973, p.11). No mesmo sentido, ver MELLO, Marcos

Bernardes. Teoria do Fato Jurídico – plano da eficácia. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.245-246.

404 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil...Op. cit., p. 234-235.

405 Conquanto exista uma série de teorias acerca da legitimação dos atos de poder, escolhe-se aqui referir-se à

teoria de Niklas Luhmann, que desenvolveu a teoria da legitimação pelo procedimento, uma vez que foi ela que deu esteio ao raciocínio do professor Cândido Rangel Dinamarco. Tais teorias não serão esmiuçadas aqui por estarem além do escopo desta dissertação. Para Luhmann, a legitimação de uma estrutura jurídica –

Nas lições de Cândido Rangel Dinamarco, no entanto, a participação efetiva no processo, franqueada aos litigantes – como aqueles que têm interesse na resolução da controvérsia e terão suas esferas jurídicas atingidas pela decisão –, tanto nos processos judiciais quanto nos administrativos, é o que legitima tais atos de poder. O deslocamento da participação efetiva para o ponto central da legitimação, em detrimento do procedimento em si, coaduna-se com as ideias de instrumentalidade do processo e do abandono às formas estanques do ponto de vista procedimental. Assim, a força vinculante dos atos de poder – entre eles as decisões prolatadas no curso do processo – advém da participação ativa dos possíveis afetados pelo comando jurisdicional de acordo com regras previamente estabelecidas.

Em outras palavras, é possível dizer que, em última instância, uma sentença somente será legítima se tiver sido garantida a adequada e efetiva participação dos sujeitos que terão suas esferas jurídicas afetadas, ou se a sentença for prolatada em um processo informado pelo efetivo contraditório e pela ampla defesa406. Bem por isso, sustenta-se que o efetivo contraditório não é apenas uma garantia das partes, mas, também, da jurisdição como um todo. Nesse sentido, Ada Pellegrini Grinover:

[...] se, de um lado, é interesse dos litigantes a efetiva e plena possibilidade de sustentarem suas razões, de produzirem suas provas, de influírem concretamente sobre a formação do convencimento do juiz, do outro lado essa efetiva e plena possibilidade constitui a própria garantia de regularidade do processo, da imparcialidade do juiz, da justiça das decisões407.

Em vista disso, é possível afirmar que o contraditório se efetiva através da certeza de que as partes tenham ciência dos atos praticados no processo e possam a eles reagir, de forma paritária, contrapondo provas e argumentos, com o objetivo de influir na formação

qualquer que seja ela – reside na prontidão para aceitação de suas decisões pela sociedade. Assim, as decisões emanadas pelos poderes do Estado – identificados em sua obra como judiciário, legislativo e administrativo – retirariam a legitimação do procedimento que a elas deu origem. No que toca especificamente à legitimação das decisões prolatadas em processos, o autor expõe que é a adstrição às regras procedimentais que conduz à uma decisão legítima. E, conquanto não negue que a participação das partes seja importante para a legitimação das decisões, a coloca como coadjuvante do protagonismo do procedimento em si. Para ele é o procedimento que evoca a participação das partes e esta contribui para a aceitação da decisão. Ver, sobre o tema LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Série Pensamento Político. Brasília: Ed. Universidade Brasiliense, 1980.

406 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil...Op. cit., p. 234-235.

407 Ver “Defesa, contraditório e par conditio na ótica do processo de estrutura cooperatória” (GRINOVER,

Ada Pellegrini. In: O processo constitucional em marcha. Série estudos jurídicos 2. São Paulo: Editora Max Limonad, 1985, p. 15-17.

da convicção do juiz408. O juiz – dentro da concepção de que o contraditório interessa sobremaneira ao Estado –, deixa de ter um papel passivo, de espectador da dinâmica argumentativa e probatória entre as partes, passando a agir para assegurar a igualdade substancial entre os litigantes.

No processo individual, estes últimos serão, ordinariamente, as pessoas que participaram da relação jurídica de direito material que ora se discute em juízo – pois são elas que detêm maior conhecimento dos fatos a alegar e dos meios de prova disponíveis para fundamentar seus pedidos ou sua defesa. Ademais, são estes integrantes da relação jurídica processual que, ao final, sofrerão os reflexos da decisão em suas esferas jurídicas. No mais, como bem pontuado pelo professor Cândido Rangel Dinamarco:

[...] a realidade mostra que o interesse pessoal é sempre a mais eficiente mola da defesa dos direitos e da sua efetividade. Quem vem a juízo postular ou resistir é movido pela aspiração ao bem litigioso, seja para obtê-lo (autor, demandante) seja para manter o status quo ante (réu, demandado)409.

O contraditório, portanto, é praticado pelos indivíduos que têm interesse no resultado do processo e que serão os únicos cujas esferas jurídicas serão atingidas pelo provimento jurisdicional. É ele que, analisado em conjunto com a ideia de ampla defesa, garante não apenas que as partes sejam ouvidas em todos os seus argumentos e tenham todas as suas provas devidamente analisadas, mas, também, que disso resultará um provimento jurisdicional justo, legítimo e apto a eliminar os conflitos sociais. Se assim é, como compatibilizar essa ideia com a legitimidade extraordinária, prevista pelas leis que dispõem sobre os processos coletivos?

A ampla defesa, no mesmo sentido, está intimamente ligada ao contraditório tanto da perspectiva topológica – vez que estão previstos no mesmo inciso da Constituição – quanto do ponto de vista conceitual, já que não é possível pensar em contraditório efetivo sem uma defesa ampla e integral das partes410. Em um primeiro momento, partindo de uma perspectiva histórica, uma nota que diferenciava a ampla defesa do contraditório – e que,

408 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 3.ed. São Paulo:

RT,1996, p.133. Nesse sentido ver, também, “O conteúdo da garantia do contraditório” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p.21). O professor Cândido Rangel Dinamarco resume essa ideia asseverando que o contraditório, a garantia de que as partes efetivamente participarão do processo, depende de lhes oferecer “ao longo de todo o procedimento, oportunidades para participar pedindo, participar alegando e participar provando” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil... Op. cit., p. 235.)

409 Ibid., p.235.

410 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 3.ed. Malheiros: São Paulo, 2007, p.

portanto, justificava sua previsão de forma autônoma – era o fato de essa estar mais ligada à figura do réu, o qual reage à pretensão autoral e que, portanto, deveria ter acesso a todos os meios de defesa garantidos pela lei para fundamentar essa reação. Atualmente, entretanto, a ampla defesa é entendida de forma mais abrangente, tendente a beneficiar todos os participantes da relação jurídica processual – autor, réus, intervenientes e terceiros interessados –, visando assegurar que todos os meios de defesa disponíveis na legislação, ou ao menos aqueles idôneos, para a defesa de seus interesses lhes sejam facultados411.

Partindo dessa definição de contraditório e ampla defesa, é possível dizer que os dois preenchem de conteúdo a garantia constitucional do devido processo legal, que veicula o ideário do processo équo e justo412 e atua tanto como uma proteção do indivíduo contra o Estado-persecutor (que, aliás, foi o contexto em que a garantia surgiu, no texto da Magna Carta413) quanto como uma garantia de paridade de armas com os particulares nos processos entre entes privados.

Bem por isso, a positivação da garantia do devido processo legal e sua consecução são caracteres basilares do Estado Democrático de Direito. Isso porque ela se prestará a assegurar a incolumidade das esferas jurídicas dos indivíduos414 – no sentido de que as posições jurídicas de uma só pessoa poderão ser tangenciadas por uma decisão prolatada em processo conduzido e informado segundo essas garantias ou, no mínimo, no âmbito extraprocessual, pelo exercício do autorregramento da vontade415. Tanto isso é verdade que a cláusula do devido processo legal somente veio a ser prevista, no Brasil, na Constituição Federal de 1988, muito embora, como anteriormente se assinalou, exista como conceito desde 1215 em outros ordenamentos jurídicos.

Desta feita, pela aplicação das garantias constitucionais ao processo, este somente será justo e équo se for observada a garantia do devido processo legal. Com relação à sentença prolatada em uma determinada ação, ela somente será dotada de legitimação pela

participação nos termos explicitados acima – ou, seja, se efetivamente forem observados o

411 Ibid., p. 75.

412 Sobre o processo équo é justo, assinala o doutrinador italiano Luigi Paolo Comoglio que ele se observa

quando cumpridas determinadas garantias – previstas hoje no artigo 111 da Constituição Italiana –, quais sejam: (i) a jurisdição exercida mediante o justo processo regulado pela lei; (ii) o processo informado pelo contraditório entre as partes, em condição de paridade, diante de juiz imparcial; (iii) a duração razoável do processo assegurada pela lei. (COMOGLIO, Luigi Paolo. Etica e Tecnicadel “Giusto Processo”...Op cit.,p. 39-93).

413 GRINOVER, Ada Pellegrini. As Garantias Constitucionais do Direito de Ação...Op. cit., p. 23-24. 414 BERNARDES DE MELO, Marcos. Teoria do Fato Jurídico – plano da existência...Op. cit., p. 217,

219, 220 e 222.

415 Essas esferas poderão ser afetadas, ainda, por outros atos de poder perpetrados pelo Estado, entre eles a lei

contraditório e a ampla defesa. É dessa combinação de fatores que advém um dos grandes desafios do processo coletivo de uma forma geral e, particularmente, no Brasil.

A legislação brasileira atual optou pela atribuição da legitimidade ativa para a propositura de ações coletivas às entidades ligadas ao poder estatal – Ministério Público e Defensoria Pública, por exemplo – e, também, à sociedade civil – como é o caso das associações. Não havendo previsão da legitimidade ativa individual para a defesa dos interesses transindividuais, como ocorre na legislação norte-americana, abriu-se mão da identidade entre o autor da demanda e a titularidade do direito defendido em juízo. Disso decorre que o legitimado ativo não será o beneficiário direto do provimento jurisdicional, tampouco terá sua esfera jurídica diretamente afetada pelo resultado da demanda.

Por esse motivo, o grande problema que os estudiosos das ações coletivas tiveram que enfrentar foi justamente encontrar um modo de equilibrar os benefícios desse tipo de ação, os quais só se consubstanciam se não se fizer necessária a presença de todos os interessados e com a garantia do devido processo legal, este responsável por assegurar que ninguém seja tolhido de seus direitos sem que tenha a oportunidade de se defender adequadamente em juízo416.

Para equacionar esse dilema, o legislador e, em alguns casos a jurisprudência, preocupou-se em procurar garantir que a defesa perpetrada pelos legitimados ativos eleitos fosse tão completa e vigorosa quanto aquela praticada pelos próprios titulares do direito que, nesse caso, não participam do processo. É o vigor e o rigor técnico da representação417 que terão o condão de assegurar que o contraditório será integral e efetivo, conferindo à sentença coletiva força vinculante, extensível aos terceiros ausentes, nos termos dos artigos 16 da Lei da Ação Civil Pública e 103 do Código de Defesa do Consumidor.

Houve quem defendesse a criação de uma vertente interpretativa da cláusula constitucional do devido processo legal, chegando a se falar em “devido processo legal coletivo” – que decorreria da impossibilidade da aplicação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa de forma ortodoxa ao processo coletivo, devendo esse binômio ser relativizado para que fosse possível acomodar as peculiaridades relativas à tutela dos diretos que emanam dos conflitos da sociedade de massa418. Trata-se, no entanto,

416 Sobre o due process of law e a interpretação desse conceito como a garantia de ser ouvido perante o

tribunal ver capítulo 5 deste estudo, subitem 5.2.