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Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero-América

2. A DEFESA DOS INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS EM JUÍZO:

2.2. O RDENAMENTOS J URÍDICOS DO S ISTEMA DE C IVIL L AW

2.2.2. A evolução da tutela coletiva em outros ordenamentos de Civil Law e o

2.2.2.5. Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero-América

A ideia da elaboração de um Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero- América surgiu em Roma no ano de 2002, partindo da proposta do jurista brasileiro Antonio Gidi. A partir desse momento formou-se um grupo de juristas ibero-americanos que elaboraria a primeira versão do anteprojeto – ao autor da proposta juntaram-se os professores Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe. Após intensas discussões e aportes de diversos estudiosos ibero-americanos do tema da tutela dos interesses transindividuais, o Código Modelo foi aprovado dois anos depois, em 2004, durante as Jornadas do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual realizadas em Caracas114.

Seu texto teve como inspiração as legislações já vigentes nos países da comunidade ibero-americana, contudo buscou aperfeiçoar e harmonizar as regras existentes – além de trazer à baila a experiência e alguns institutos das Class Actions norte-americanas – tendo, entretanto, se afastado de todos esses modelos para a consolidação de um sistema original, adequado às diversas realidades dos países ibero-americanos. Dois traços característicos de ordenamentos jurídicos nacionais foram aproveitados e positivados no código modelo: (i) a divisão e a terminologia empregadas no direito brasileiro para identificar cada uma das categorias dos direitos transindividuais e (ii) os requisitos de predominância das questões comuns sobre as individuais e da utilidade da tutela pela via coletiva no caso concreto115.

Com isso foi possível criar um repositório normativo que fosse passível de utilização por todos esses países, já que se pautou pela eliminação de caracteres

113 Possível fazer referência a dois casos importantes da jurisprudência Argentina: o Caso Halabi (ação de

amparo nº 270. XLII), em que a Corte Suprema de Justiça da Nação (CSJN) reconhece a possibilidade da tutela coletiva dos interesses individuais homogêneos; e o Caso Viceconte, em que se discute a implementação de uma política pública de vacinação e expõe o bem sucedido - case menagement - pelo juiz, que ficou responsável por acompanhar a execução do julgado. Ver: CELS. Amparo colectivo por derecho a

la salud – Caso Viceconte. Disponível em: http://www.cels.org.ar/documentos/index.php?info=detalleDoc&

ids=3&lang=es&ss=&idc=601. Acessado em 25abr.2010. Fallo H.270.XLII, de 24/09/2009, ver: http://www.csjn.gov.ar/documentos/verdoc.jsp. Acessado em 25 de abril de 2010.

114 A comissão revisora foi integrada por juristas como Aluísio de Castro Mendes, Aníbal Quiroga León,

Enrique M. Falcón, José Luiz Vázquez Sotelo, Ramiro Bejarano Guzmán, Roberto Beizonce e Sérgio Artavia. A versão final do projeto foi revisada pelo professor uruguaio Angel Landoni Sosa. GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; MULLENIX, Linda. Os processos coletivos nos países de Civil Law

e Common Law...Op. cit., p. 25.

eminentemente nacionais116. No entanto, esse Código não pretende, de maneira alguma, ser incorporado sem reservas por todos os países, mas poderá e deverá ser adaptado a cada um dos ordenamentos jurídicos nacionais, levando em consideração as peculiaridades locais e buscando maior uniformidade no tratamento da tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos na Ibero-América.

O novo Código foi essencial ao desenvolvimento dos sistemas de defesa de direitos transindividuais nos países de Civil Law, notadamente nos países latino-americanos, tendo influenciado o aperfeiçoamento dos ordenamentos jurídicos de países como Colômbia, Argentina117 e Venezuela. Incentivou a reflexão sobre o sistema espanhol, ainda pouco desenvolvido, e o debate acerca de uma segmentação mais adequada dos tipos de direitos difusos em Portugal – já que, nesse país, os direitos individuais homogêneos não estão bem delimitados. Por fim, e certamente constituindo uma das melhores contribuições do projeto para o tema em comento, o Código Modelo promoveu o contato entre os estudiosos do tema em todos os países, alinhando-os em um esforço conjunto para a democratização da justiça por meio da promoção das ações coletivas118.

Dentro desse contexto, da evolução dos meios de tutela dos interesses transindividuais, o Brasil ocupa lugar de destaque por ter desenvolvido um sofisticado microssistema para esse fim. Em nossa legislação foi atribuída legitimidade ativa para propositura de ações voltadas às defesa da coletiva à diversas entidades – algumas delas ligadas ao poder do Estado e outras representantes da sociedade civil. Essas últimas, as associações, serão analisadas de forma pormenorizada no próximo capítulo, desde sua estruturação até os motivos pelos quais foram eleitas como representantes da sociedade junto ao poder judiciário. Isso para que seja possível discutir que características essas entidades devem apresentar para que sejam consideradas efetivas representantes da coletividade – e se é possível em nosso sistema legal exigir tais características para que se atribua legitimidade ativa à associação.

116 GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; MULLENIX, Linda. Os processos coletivos nos

países de Civil Law e Common Law...Op. cit., p. 26.

117 Sobre o tema, ver “Algunas reflexiones sobre la aplicación de Anteproyecto de Código Modelo de

Procesos Colectivos para Iberoamérica en la República Argentina” (BERMEJO, Patricia. In: GIDI, Antonio; e MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer. La tutela de los derechos difusos, colectivos e individuales

homogéneos: hácia un codigo modelo para Iberoamérica. México: Porrúa, 2003. A autora tece algumas

críticas acerca da compatibilização dos termos do Código Modelo que, à época ainda era um projeto, mas considera que o Código supranacional constituirá uma excelente fonte de princípios para a uniformização da legislação sobre processos coletivos na Ibero-América.

118 GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; MULLENIX, Linda. Os processos coletivos nos

países de Civil Law e Common Law...Op. cit., p. 28-35 e PASCHOAL, Maximilian Fierro. A representatividade adequada na ação coletiva brasileira...Op. cit., 2006, p. 254.

Sabe-se que em diversos ordenamentos jurídicos a aferição da representatividade adequada e os requisitos a serem verificados estão legalmente previstos, o que não acontece no Brasil. Assim, partindo dos elementos que cercam o conceito de associação e, posteriormente, dos critérios que cercam à atribuição de legitimidade ativa para essas entidades atuarem em defesa dos interesses transindividuais em nosso país, que será analisada a possibilidade de aferição da representatividade adequada pelos juízes brasileiros, bem como a forma como isso tem sido feito por nossos tribunais.