• Nenhum resultado encontrado

2. A DEFESA DOS INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS EM JUÍZO:

2.2. O RDENAMENTOS J URÍDICOS DO S ISTEMA DE C IVIL L AW

2.2.2. A evolução da tutela coletiva em outros ordenamentos de Civil Law e o

2.2.2.4. Argentina

A legislação sobre a tutela dos interesses transindividuais na Argentina é, em sua maior parte, anterior à elaboração do projeto que veio a dar origem ao Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero-América. Tais normas se desenvolveram sobremaneira no decorrer das últimas duas décadas, o que torna o ordenamento jurídico desse país especialmente interessante para a análise da evolução do processo coletivo na América Latina – em comparação com o Brasil, que já foi analisado.

A reforma constitucional argentina, levada a cabo no ano de 1994, reconheceu expressamente a existência e a possibilidade de tutela dos direitos difusos ou de incidência coletiva. O artigo 43 da Constituição Argentina passou a prever o que se chamou de “amparo coletivo” – um tipo de ação contra qualquer forma de discriminação, ou então ações tendentes à tutela dos direitos ao meio ambiente, do consumidor e todos os demais de incidência coletiva em geral, fazendo constar em seu texto, ainda, os legitimados para a propositura desse tipo de ação, no caso, o próprio prejudicado, o defensor do povo e as associações que se propusessem a esse fins108.

107 GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; MULLENIX, Linda. Os processos coletivos nos

países de Civil Law e Common Law...Op. cit.,58-84

108 Artículo 43- “Toda persona puede interponer acción expedita y rápida de amparo, siempre que no exista otro medio judicial más idóneo, contra todo acto u omisión de autoridades públicas o de particulares, que en forma actual o inminente lesione, restrinja, altere o amenace, con arbitrariedad o ilegalidad manifiesta,

Conquanto a jurisprudência, o Código Civil e o Código Comercial da Nação de 1993 já contemplassem a possibilidade da defesa dos direitos difusos109, a inclusão deles na Constituição foi um marco para o efetivo desenvolvimento da disciplina no direito argentino. O detalhado dispositivo constitucional passou a figurar como um guia para a positivação e efetivação da tutela dos interesses difusos e coletivos nos ordenamentos jurídicos de cada uma das vinte e três províncias da Argentina110, cada uma delas com grande autonomia administrativa e legislativa.

Por um lado, essa autonomia entre as províncias possibilitou o atendimento das necessidades regionais, a partir da positivação de regras específicas. Entretanto, por outro lado, gerou uma grande disparidade de tratamento a diversas matérias legais – entre elas os direitos coletivos – tendo como resultado o fato que algumas províncias têm regramentos extremamente detalhados sobre o tema e outras sequer mencionam a possibilidade de sua tutela. Em algumas delas estão positivadas a tutela inibitória e a tutela ressarcitória por meio das ações coletivas. Outras contam com normas viabilizando a tutela dos direitos individuais homogêneos, enquanto algumas não fazem menção sobre o tema.

O arcabouço legislativo da tutela dos interesses transindividuais na Argentina está positivado, além da Constituição, na Lei de Defesa do Consumidor (Ley Nacional 24.240 de 1994) e na Lei de Política Nacional Ambiental (Ley Nacional 25.675 de 2002) – ambas aplicáveis a todas as províncias, indistintamente. Ainda que não fale expressamente da possibilidade de tutela dos interesses individuais homogêneos, o artigo 52 da Lei de Defesa

derechos y garantías reconocidos por esta Constitución, un tratado o una ley. En el caso, el juez podrá declarar la inconstitucionalidad de la norma en que se funde el acto u omisión lesiva.

Podrán interponer esta acción contra cualquier forma de discriminación y en lo relativo a los derechos que protegen al ambiente, a la competencia, al usuario y al consumidor, así como a los derechos de incidencia colectiva en general, el afectado, el defensor del pueblo y las asociaciones que propendan a esos fines, registradas conforme a la ley, la que determinará los requisitos y formas de su organización. […]”. (tradução livre: Qualquer pessoa pode ingressar com ação de amparo, sempre que não exista outro meio judicial mais idôneo, contra todo ato ou omissão de autoridades públicas ou particulares, que de forma atual ou iminente, restrinja, altere ou ameace com arbitrariedade ou ilegalidade manifesta, direitos e garantias reconhecidos por esta Constituição, um tratado ou uma lei. No caso, o juiz poderá declarar a inconstitucionalidade da norma em que se funde o ato ou omissão lesiva.

Poderão ingressar com essa ação contra qualquer forma de discriminação e no que foi relativo a direitos que protegem o ambiente, a competência, ao usuário e ao consumidor, assim como os direitos de incidência coletiva em geral, o afetado, o defensor do poro e as associações que tenham esses fins, registradas conforme a lei, que determinará os requisitos e formas de sua organização.) .

109 BERIZONCE, Roberto; GRINOVER, Ada Pellegrini; SOSA, Angel Landoni. Exposição de Motivos do

Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América. PUC SP, Outubro de 2004, disponível em http://www.pucsp.br/tutelacoletiva/download/codigomodelo_exposicaodemotivos_2_28_2_2005.pdf. Acessado em 23mai.2010.

110 ARGENTINA. Portal Oficial del Gobierno. Disponível em: http://www.argentina.gov.ar/argentina/

do Consumidor dispõe acerca do direito dos consumidores à indenização e, mais do que isso, estabelece punitive damages – que consistem em uma penalidade aplicada aos réus para desencorajar condutas atentatórias ao direito do consumidor111. Na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, os artigos 30 e 31 garantem a possibilidade de veicular pleito de ressarcimento de danos coletivos e individuais pela via coletiva, além de assegurarem o direito de qualquer cidadão ingressar com uma ação para fazer cessar os atos danosos ao meio ambiente.

Essas duas leis de incidência nacional, entretanto, limitam-se ao âmbito de seus temas – proteção do consumidor e do meio-ambiente –, de modo que o país, até o presente momento, carece de um sistema próprio para a defesa de todos os direitos transindividuais.

No que diz respeito às diferenças regionais, as províncias de Catamarca e Rio Negro são descritas como as que têm os sistemas mais desenvolvidos de tutela dos interesses transindividuais. Na província da Catamarca, a lei local nº. 5034/2001 prevê uma ação para prevenção dos danos coletivos (inibitória) e ações voltadas à reparação em espécie e reparação pecuniária. Não há, entretanto, previsão da possibilidade de tutela dos direitos individuais homogêneos, limitando-se a lei a falar nos interesses difusos e coletivos. Na província de Rio Negro chama atenção justamente o oposto: o Código Processual Civil e Comercial positivou, desde 2007, a possibilidade da tutela dos direitos individuais homogêneos112.

A falta de uniformidade entre as legislações das províncias, a aprovação do Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero-América e o aumento de decisões dos tribunais a respeito dos direitos transindividuais aqueceram, na Argentina, as discussões referentes à positivação de um sistema normativo completo sobre os processos coletivos. Ainda que se tenha por assente na doutrina argentina que o modelo proposto a todos os

111 Artículo 52 bis: Daño Punitivo. Al provedor que no cumpla sus obligaciones legales o contractuales con el consumidor, a instancia del damnificado, el juez podrá aplicar una multa civil a favor del consumidor, la que se graduará en función de la gravedad del hecho y demás circunstancias del caso, independientemente de otras indemnizaciones que correspondan. Cuando más de un proveedor sea responsable del incumplimiento responderán todos solidariamente ante el consumidor, sin perjuicio de las acciones de regreso que les correspondan. La multa civil que se imponga no podrá superar el máximo de la sanción de multa prevista en el artículo 47, inciso b) de esta ley. (tradução livre: Dano punitivo. Ao provedor que não cumprir suas obrigações legais ou contratuais com o consumidor, a pedido do prejudicado, o juiz poderá aplicar uma multa civil a favor do consumidor, que será graduada em função da gravidade do feito e demais circunstâncias do caso, independentemente de outras indenizações que corresponda. Quando mais de um provedor for rresponsável pelo descumprimento, responderão todos solidariamente ante o consumidor, sem prejuído das ações de regresso que couberem. A multa não poderá ultrapassar o quanto fixado no artigo 47, inciso b dessa lei).

112 GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; MULLENIX, Linda. Os processos coletivos nos

países ibero-americanos não pode ser incorporado sem reservas ao país, a iniciativa foi considerada positiva e os clamores sociais por uma legislação que facilite e universalize a tutela dos direitos coletivos se fizeram sentir na jurisprudência113.