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Os legitimados ativos ligados ao poder do Estado: Ministério Público,

4. A LEGITIMIDADE AD CAUSAM NOS PROCESSOS COLETIVOS

4.4. O S L EGITIMADOS A TIVOS PARA T UTELA DOS I NTERESSES T RANSINDIVIDUAIS EM

4.4.1. Os legitimados ativos ligados ao poder do Estado: Ministério Público,

É perceptível que a cultura jurídica brasileira – como reflexo da realidade social e de fatores históricos, políticos e econômicos – ainda hoje conserva uma relação íntima com o poder do Estado. Essa ligação se faz notar no microssistema dos processos coletivos em diversos pontos, entre eles no rol dos legitimados ativos para a propositura de ações em defesa dos interesses transindividuais, em que a grande maioria dos entes legitimados estão intimamente ligados ao Estado.

E também em virtude dessa cultura que valoriza a atuação estatal, são os entes legitimados ligados ao poder do Estado que, hoje, são responsáveis pela propositura da grande maioria das demandas em defesa de todos os direitos transindividuais. Particularmente destacada a atuação do Ministério Público.

O Ministério Público, entidade à qual a Constituição Federal atribui a competência para a “[...] defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (artigo 127 da Constituição Federal de 88), foi incluído em todas as leis que tratam da defesa dos interesses da coletividade em juízo como legitimado para a defesa de tais direitos265.

Esse fato, aliado a determinados poderes que somente foram atribuídos a ele – como a promoção de inquérito civil266 –, tornou o Parquet o legitimado ativo mais atuante na defesa dos direitos coletivos entre todos os colegitimados. Ilustram essa afirmação os números apresentados em relatório pelo Ministério Público de São Paulo acerca dos inquéritos civis instaurados e, posteriormente, das ações civis públicas propostas em defesa dos interesses da coletividade267:

265 Artigo 5º da Lei 7.347/1985; art. 82º da Lei 8.078/1990; art. 1º da Lei 7.913/1989; art. 29º da Lei

8.884/1994; art. 210º da Lei 8.069/1990, art. 7º e 17º da Lei 8.429/1992; art.81º I da Lei 10.741/2003 e artigo 129º, incs. III e V da Constituição Federal.

266 LEONEL, Ricardo Barros. Manual do Processo Coletivo...Op. cit., p. 174.

267 O relatório completo pode ser acessado no endereço eletrônico do Ministério Público de São Paulo

Fonte: Ministério Público de São Paulo, 2011

Parte da doutrina brasileira considera que essa marcante atuação do Ministério Público deve-se ao fato de que essa instituição estaria mais bem preparada e aparelhada para a defesa dos direitos da coletividade – particularmente daqueles direitos difusos e coletivos, cuja identificação e delimitação da titularidade são altamente problemáticas ou, mesmo, impossíveis268. Por outro lado, outra parte da doutrina teceu duras críticas à grande amplitude que se deu à atuação do Ministério Público na seara da defesa dos interesses transindividuais.

Algumas dessas críticas foram elaboradas por doutrinadores que formularam boa parte da doutrina acerca dos direitos coletivos, entre eles Mauro Cappelletti. O estudioso italiano apresentava resistência à atuação do Ministério Público por considerar a entidade muito próxima do poder executivo – que, por vezes, é quem perpetra os danos aos interesses da coletividade –, a similitude das funções do parquet com as funções jurisdicionais e, por fim, a falta de especialização, estrutura e preparo técnico para a defesa dos interesses coletivos, bem como uma mentalidade anacrônica e pouco progressista269. Tais ponderações, entretanto, coadunavam-se com as características do Ministério Público italiano na década de 1970, com relação ao Brasil, o próprio autor reconheceu que o

pdf , consultado em 12set.2012) e apresenta dados como a taxa de sucesso do Parquet paulista nas ações civis públicas propostas e os temas mais tratados nas referidas ações.

268 Alinham-se à essa corrente Nelson Nery Júnior, Édis Milaré, Ricardo Barros Leonel, entre outros. Este

último, sobre o tema, atesta que “O Ministério Público, de todos os legitimados, é a instituição que possui maiores condições concretas para a proteção dos interesses metaindividuais, seja por sua estrutura e independência, seja pelos poderes que para tal escopo lhe foram conferidos pelo legislador, como o poder de requisição, de notificação, e por dispor do procedimento investigatório denominado “inquérito civil”, que não são reservados aos demais habilitados. Ver LEONEL, Ricardo de Barros. Manual de Processo

Coletivo...Op. cit., p. 174.

269 CAPPELLETTI, Mauro. Formazioni sociali e interessi di gruppo davanti alla giustizia civile. Rivista di

Ministério Público pátrio difere estruturalmente do órgão italiano e, com isso, estaria habilitado a atuar na defesa dos interesses difusos e coletivos270.

Embora a legitimidade do Ministério Público na defesa dos interesses difusos e coletivos tenha se pacificado na doutrina pátria, é certo que a atuação do parquet em processos que discutam interesses individuais homogêneos continua provocando o debate do tema por estudiosos. O cerne dessas discussões se encontra no fato de que os interesses individuais homogêneos são, em sua origem, de titularidade conhecida e delimitada, existindo, por sua dispersão e origem comum, a possibilidade de tutelá-los coletivamente. Tendo isso em vista, é indagado se o Ministério Público, como órgão que atua nos interesses de toda a sociedade, teria legitimidade para atuar em substituição processual para o resguardo de direitos individuais.

O artigo 129, III, da Constituição Federal atribuiu ao Ministério Público a legitimidade para “[...] promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. O texto constitucional não faz menção à tutela dos interesses individuais homogêneos, e nem poderia, uma vez que esse conceito só veio a ser desenvolvido posteriormente, quando foi positivado em 1990, no Código de Defesa do Consumidor. Daí decorreria que, em um primeiro momento, estaria excluída a legitimidade do parquet para a propositura de demandas relativas a direitos individuais disponíveis271.

Após a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, a doutrina e a jurisprudência passaram a interpretar conjuntamente os incisos III e IX272 do artigo 129 da Constituição, justificando que o Ministério Público teria legitimidade para atuar na defesa dos interesses individuais homogêneos desde que a discussão envolvesse relevante

270 O Ministério Público brasileiro foi dotado de uma série de garantias pela Constituição de 1988, alçando

seus membros à mesma escala de importância dos magistrados, especialmente no que se refere ao arcabouço necessário para o exercício de suas funções de forma autônoma – tanto em relação ao poder Executivo quanto ao Judiciário. Essas características levaram o doutrinador italiano Mauro Cappelletti pontuar que “muito me alegra saber que tais razões de escasso êxito dessa solução na Europa não se aplicam ao Ministério Público brasileiro, sobretudo que sua independência foi assegurada pela Constituição, e em consequência também do fato de que algumas cidades do Brasil se criaramseções especializadas em matéria de interesses difusos, nos quadros do Ministério Público” (CAPPELLETTI, Mauro. O acesso dos consumidores à justiça. Revista de Processo, São Paulo, n. 62/208, abr./jun.1991, p. 53-63).

271 GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; NERY JUNIOR, Nelson. Código Brasileiro de

Defesa do Consumidor comentado pelos autores...Op. cit., p. 86.

272 Artigo 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] IX. exercer outras funções que lhe

forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

interesse social, compatível com a finalidade da instituição273. Essa posição se consolidou na jurisprudência pátria, tendo restado viva, apenas, a discussão acerca do que viria a ser “interesse social relevante”.

Em princípio esse interesse era identificado nos julgados do Superior Tribunal de Justiça em temas reconhecidamente sociais, como os concernentes à educação (mensalidades escolares, por exemplo). Com o tempo, os mais diversos temas passaram a ser considerados como relevantes socialmente: desde a análise acerca da abusividade de cláusula em contratos de arrendamento mercantil, passando pelos direitos dos adquirentes de títulos de capitalização lesados pela atuação irregular da sociedade de capitalização no mercado financeiro, até a defesa de inquilinos contra imobiliárias que cobravam a chamada “Taxa Imobiliária”274.

Observou-se, portanto, uma ampliação considerável dos temas considerados de relevante interesse social, sendo que vários deles são notadamente interesses individuais disponíveis, que poderiam ser pleiteados por cada um dos interessados ou, mesmo, pelas associações de defesa cuja pertinência temática se enquadrasse à situação. A tendência ampliativa se fez sentir de forma tão marcante que já existem julgados do Superior Tribunal de Justiça admitindo que o simples fato de ser possível a tutela pela via coletiva já denota a relevância social do direito discutido275, o que, na prática, equivale a dizer que todos os direitos individuais homogêneos podem ser tutelados pelo Ministério Público.

Não se pretende diminuir os méritos do parquet na defesa dos interesses transindividuais de uma forma geral, reconhecendo-se que a atuação da entidade é de importância fundamental para o sistema de tutela dos direitos coletivos. Entretanto, a cultura paternalista característica da sociedade brasileira, aliada à ampliação desmedida da legitimidade para atuação do Ministério Público nas ações coletivas, pode acabar trazendo

273 Orientação anotada no REsp nº 168.859, de relatoria do Min. Ruy Rosado de Aguiar, publicado no Diário

de Justiça de 22.08.1999. Ver, ainda, sobre o tema GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; NERY JUNIOR, Nelson. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores...Op. cit., p. 86-87.

274 Nos comentários ao Código de Defesa do Consumidor, os autores do anteprojeto fazem referência a

diversos julgados do Superior Tribunal de Justiça em que o Ministério Público foi considerado legítimo para a defesa dos interesses individuais homogêneos. Esses três temas citados, especificamente, estão nos Recursos Especiais nº 457.579/DF (julg. 10.02.2003); nº311.492/SP (julg. 06.05.2002) e Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 114.908/SP (julg. 20.05.2002). Para os demais temas, ver GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; NERY JUNIOR, Nelson. Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor comentado pelos autores...Op. cit., p. 88.

275 Ver Recurso Especial nº 586.307/MT, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 30.09.2004, p. 223 e Recurso

efeitos deletérios para o fortalecimento da sociedade civil enquanto responsável pela tutela dos seus próprios interesses.

E esse característico fortalecimento de entidades ligadas ao poder do Estado na tutela coletiva volta a se fazer notar quando da atribuição de legitimidade também à Defensoria Pública. Esta é um órgão público cuja criação foi pautada pela menção, no texto constitucional, à indispensabilidade do advogado para a administração da justiça (artigo 133 da Constituição Federal de 1988). Ora, assim é, e apenas em raras situações se dispensa a figura do advogado para que se acesse a justiça, sendo assim, cabe ao Estado garantir que aqueles que não tenham condições de contratar um advogado privado não sejam impedidos de acessar os tribunais brasileiros. Com essa finalidade foram criadas as Defensorias Públicas como “[...] instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV”276 (artigo 134 da Constituição Federal de 1988).

No ano de 2007277, uma reforma legislativa incluiu na Lei da Ação Civil Pública a legitimidade ativa da Defensoria Pública para a propositura de ações visando a tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Essa atribuição suscitou, à época, diversas discussões a respeito da possibilidade dessa instituição atuar na defesa dos interesses transindividuais.

De um lado o Ministério Público contestou a legitimidade da Defensoria Pública por entender que haveria, por parte deste último órgão, usurpação de competência exclusiva do parquet para a propositura de demandas coletivas, competência esta atribuída pela Constituição Federal. Com base nisso, a CONAMP (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade278 contra a lei que atribui a legitimidade ativa à Defensoria Pública (Lei nº 11.448/2007)279.

A referida Ação Direta de Inconstitucionalidade não foi julgada até o presente momento. A orientação maciça da doutrina e da jurisprudência, no entanto, moldou-se, nesse tocante, nos termos do parecer elaborado por Ada Pellegrini Grinover a pedido da Associação Nacional de Defensores Públicos280. Segundo a doutrinadora, a Constituição

276 Art. 5º, inciso LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem

insuficiência de recursos.

277 Lei 11.448/2007.

278 Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3943, Ministra Relatora Carmen Lúcia.

279 GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; NERY JUNIOR, Nelson. Código Brasileiro de

Defesa do Consumidor comentado pelos autores... Op. cit., p. 90.

280 Confira-se, a respeito, a opinião de Aluísio Gonçalves de Castro Mendes em “O anteprojeto de Código

Federal não atribuiu ao Ministério Público competência exclusiva para a propositura de ações em defesa de direitos transindividuais, de modo que a legitimação da Defensoria Pública viria apenas acrescentar e ampliar o acesso à justiça. Destaca, ademais, que a legitimidade dessa entidade já vinha sendo admitida antes mesmo da positivação na Lei nº 11.448/2007, por meio da interpretação conjunta do artigo 82, inciso III do Código de Defesa do Consumidor e do artigo 21 da Lei da Ação Civil Pública281.

Foi também levantado como possível óbice à legitimidade da Defensoria Pública o enquadramento funcional atribuído pela Constituição Federal à instituição, qual seja: a instrução jurídica e a defesa dos necessitados (artigo 134 da Constituição Federal de 88). O próprio artigo se ocupa de qualificar quem seriam os necessitados, remetendo à definição do artigo 5º, LXXIV do próprio texto constitucional, que fala especificamente em “insuficiência de recursos”. O desafio era de compatibilizar a tutela dos interesses transindividuais – cuja titularidade nem sempre pode ser individualizada – com a finalidade institucional de auxiliar quem não tenha recursos suficientes para fazê-lo. Com relação a isso, cabe reproduzir brevemente a opinião de Ada Pellegrini Grinover que tratou da questão no parecer supracitado, esclarecendo que além de não existir no texto constitucional uma limitação às atribuições da Defensoria Pública – não havendo que se falar que a instituição atua exclusivamente na defesa de quem não tenha recursos para fazê- lo – há, ainda, que se considerar que necessitados não são apenas aqueles que não tenham recursos financeiros para acessar a justiça:

Quando se pensa em assistência judiciária, logo se pensa na assistência aos necessitados, aos economicamente fracos, aos minus habentes. Este é, sem dúvida, o primeiro aspecto da assistência judiciária: o mais premente, talvez, mas não o único.

Isso porque existem os que são necessitados no plano econômico, mas também os necessitados do ponto de vista organizacional. Ou seja, todos aqueles que são socialmente vulneráveis: os consumidores, os usuários de serviços públicos, os

Aluisio Gonçalves de Castro Mendes. In: SOUZA, José Augusto Garcia (coord). A Defensoria Pública e os

processos coletivos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 51; FERRARESI, Eurico. Ação popular, Ação Civil Pública e mandado de segurança coletivo. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 205-210; e “A reiterada

legitimidade da Defensoria Pública para o ajuizamento de ações coletivas”, MANCUSO, Rodolfo de Camargo; BEGA, Carolina Brambila. In: MILARÉ, Edis (coord). A Ação Civil Publica após 25 anos. São Paulo: RT, 2010, p. 733; entre outros.

281 No mesmo parecer, Ada Pellegrini Grinover tece críticas severas à atitude dos integrantes do Ministério

Público, chegando a afirmar que “[...] fica claro, assim, que o verdadeiro intuito da requerente, ao propor a presente ADIn, é simplesmente o de evitar a concorrência com a Defensoria Pública, como se no manejo de tão importante instrumento de acesso à justiça e de exercício da cidadania pudesse haver reserva de mercado”. Ver GRINOVER, Ada Pellegrini. Legitimidade da Defensoria Pública para Ação Civil Pública.

usuários de planos de saúde, os que queiram implementar ou contestar políticas públicas, como as atinentes à saúde, à moradia, ao saneamento básico, ao meio ambiente, etc.

[...] em razão da própria estruturação da sociedade de massa, uma nova categoria de hipossuficiente, ou seja, a dos carentes organizacionais, a que se referiu Mauro Cappelletti, ligada à questão da vulnerabilidade das pessoas em face das relações sociojurídicas existentes na sociedade contemporânea. [...]

Conforme bem observou Boaventura de Souza Santos, daí surge ´a necessidade de a Defensoria Pública, cada vez mais, desprender-se de um modelo marcadamente individualista de atuação282.

Desta forma, essa interpretação conferida ao conceito de “necessitados”, visando ampliar o acesso à justiça, apazigua a discussão a respeito da defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos pela Defensoria Pública. Sob certo aspecto, dirime também a discussão quanto à necessidade de pertinência temática para essa finalidade – de defesa em juízo dos necessitados – e quanto ao objeto da ação proposta, uma vez que, tal qual acontece com a legitimidade do Ministério Público, sempre se poderá recorrer à caracterização do grupo defendido como “necessitados” do ponto de vista organizacional, dada a dispersão ou a relevância dos direitos defendidos.

Repita-se que se essa legitimação, por um lado, garante que o maior número possível de entidades possa ingressar em juízo para defender os direitos transindividuais, por outro é certo que prejudica o desenvolvimento de uma sociedade civil organizada capaz de, por seus próprios meios e iniciativas, se voltar ao resguardo de seus interesses. Tome-se como exemplo a tutela dos interesses dos consumidores. Estes contam com uma série de associações que podem levar os direitos ameaçados ou violados a juízo, de modo que não deveriam mais ser considerados carentes do ponto de vista organizacional. Ainda assim, não se cogita limitar a legitimidade da Defensoria Pública nessa matéria com base na suposta falta de pertinência temática.

A legitimação conferida aos integrantes da administração pública direta e indireta – os entes políticos e as entidades a eles ligadas – tem um caráter ainda mais específico dentro do espectro da legitimidade para a propositura de ações coletivas. Sabe-se que esses entes estão limitados, no que tange à pertinência temática, pelas características da lide, pela natureza do bem jurídico tutelado, pela amplitude ou ameaça de lesão, pela quantidade e localização dos titulares dos interesses ameaçados, etc. Isso equivale a dizer que a União, ou determinado Estado ou Município, só terá legitimidade para propor uma ação

282 Ibid., p. 302-303. Ver, ainda, “Acesso à justiça e o Código de Defesa do Consumidor” (GRINOVER, Ada

Pellegrini. O Processo em evolução. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996, p. 116-117); SOUZA SANTOS, Boaventura. Introdução à sociologia da administração da Justiça. Revista de Processo, São Paulo, n.37, p. 150, jan/mar.1985.

pretendendo a tutela dos interesses transindividuais se tais interesses guardarem algum nexo de pertinência com o seu âmbito de atuação. Em outras palavras, um determinado município não pode ingressar em juízo pretendendo a tutela de direitos de um grupo de potenciais beneficiários residentes em outro município283.

A rigor, o que se observa na atuação dos entes políticos e das entidades a eles ligadas é a defesa dos interesses de seus moradores – de seus contribuintes, seus eleitores – em caráter coletivo. Assim, se os interesses guardam ligação com diversos municípios, qualquer um deles poderia ingressar com a ação coletiva. O mesmo ocorreria no âmbito dos Estados, restando à União a eventual tutela de interesses cuja dispersão atinja todo o país284.

Conclui-se que, conquanto a legitimação autônoma e concorrente dos órgãos ligados ao poder estatal – no caso a Defensoria Pública, o Ministério Público e a Administração Pública – se dê no melhor interesse de ampliar o acesso à justiça, ela enseja uma concorrência em relação às iniciativas da sociedade civil, o que, em um país paternalista como o Brasil, tem efeitos deletérios na organização da sociedade para a defesa de seus próprios interesses – que é feito, em nossa legislação, pelas associações.

4.4.2. Aspectos da legitimidade das associações para a propositura de ações em defesa