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Precedentes dos tribunais norte-americanos determinantes para o

5. REPRESENTATIVIDADE ADEQUADA NAS AÇÕES COLETIVAS

5.2. A R EPRESENTATIVIDADE A DEQUADA NO S ISTEMA N ORTE A MERICANO

5.2.1. Precedentes dos tribunais norte-americanos determinantes para o

A jurisprudência norte-americana, particularmente os precedentes da Suprema Corte, foi gradativamente reconhecendo a vinculação intrínseca entre a representatividade adequada e a própria natureza representativa das Class Actions, conferindo ao requisito importância capital e permitindo a sua verificação e revisão por parte do juiz a qualquer tempo, inclusive após o trânsito em julgado da demanda – já que, ausente a representatividade adequada, haveria afronta direta à garantia constitucional do due

process of law, que impediria a submissão, daquele que foi mal representado, aos efeitos da decisão.

Foi o que aconteceu no caso Hansberry v. Lee, considerado como primeiro precedente importante da representatividade adequada entre as cortes norte-americanas,

339 Como assinalado por Jack H. Fridenthal, Mary Key Kane e Arthur R. Miller: “This requirement (adequacy of representation) has a due process dimension to it. Because consideration of efficiency and judicial economy have led to a relaxation in the class section context of the ordinary of the ordinary guarantee of a right to be present in the courtroom when one´s rights or liabilities are adjudicated, courts are specially careful to ensure that the absent members have a suitable surrogate. Unless great care in taken to ensure adequacy of representation, an absent class member can avoid being bound by the judgment by attacking it is as being constitutionally flawed. If that occurs, then the efficiencies and the economies sought by permitting the class action in the first instance will be nullified” (tradução livre: esse requisito (representatividade adequada) tem em si uma dimensão do devido processo legal. Porque considerando que a eficiência e a economia judicial levaram a um relaxamento nos processos coletivos das regras que garantem no processo comum o direito de estar presente na corte quando seu direito ou responsabilidade está sendo discutido, os tribunais têm tomado especial cuidado para assegurar que os membros ausentes tenham um substituto adequado. A menos que um grande cuidado seja tomado para assegurar a representatividade adequada, um membro da classe pode evitar ser vinculado pelo julgamento alegando uma falha constitucional. Se isso ocorrer, então a eficiência e a economia ganhas ao permitir a ação de classe serão perdidas.). FRIDENTHAL, Jack H.; KANE, Mary Key; MILLER, Arthur R. Civil Procedure. 2. ed. West Publishing Co., 1993, p. 730-731.

nos idos da década de 1940340. Nesse caso, o autor (Hansberry) era um afro-americano que comprara um terreno em um loteamento que teria uma vedação estatutária à alienação de lotes a pessoas negras. Com base nessa vedação, parte dos moradores ingressou com uma demanda assinalando que esse assunto já teria sido debatido em Class Action anteriormente ajuizada (Burke v. Kleiman) em que se decidiu pela existência e validade da vedação em questão.

Entretanto, o senhor Hansberry trouxe aos autos da demanda, em que figurava como réu, a alegação de que a vedação somente seria válida se subscrita por 95% dos proprietários de terrenos daquele loteamento, tendo ficado demonstrado que ela fora subscrita apenas por 54% dos proprietários – o que não teria sido objeto de discussão em

Burke v. Kleiman. Tendo o réu perdido em todas as instâncias ordinárias, por ter sido considerado que o primeiro precedente seria vinculante ao antigo proprietário do imóvel e, por conseguinte, a ele, levou o caso à Suprema Corte dos Estados Unidos, que reverteu as decisões anteriores.

O fundamento da reversão é o que efetivamente suscitou interesse. A Suprema Corte entendeu que o caso usado como paradigma para julgar a questão (Burke v. Kleiman) não poderia ter sido tratado como Class Action desde sua gênese, uma vez que, se apenas pouco mais da metade dos proprietários de lotes (54%) tinha subscrito a vedação, o representante (senhor Burke) poderia, no máximo, ser um representante adequado para essa parcela dos representados – quanto aos demais, ou seja, os outros 46% dos proprietários de lotes, haveria conflito de interesses. A revisão da representatividade adequada no caso paradigma levou à reversão do julgado na ação proposta contra o senhor Hansberry, por se ter entendido que o julgado naquela ação não lhe poderia afetar, já que isso implicaria em séria violação de suas garantias constitucionais. Tal violação consitiria no fato de que tanto ele quanto os demais, atuais e futuros, proprietários de loteamentos não haviam sido cientificados da existência da ação coletiva, tampouco lhes teria sido oportunizado o direito de defesa341.

Assim, antes mesmo da reforma da Rule 23 que, no ano de 1966 sistematizou de forma mais detalhada o sistema das ações coletivas e inseriu a representatividade adequada como requisito para a certificação da Class Action, a jurisprudência norte-americana já

340 PASCHOAL, Maximilian Fierro. A representatividade adequada na ação coletiva brasileira…Op. Cit., p. 119.

341 LEE ANDERSON. Preserving adequacy of representation when dropping claims in class action.

vinha tratando o instituto dessa forma342, deixando claro que os casos de collateral attack – quando há impugnação sobre a adequação do representante e acerca da extensão dos efeitos da coisa julgada após o trânsito em julgado – não só são possíveis, como têm o condão de alterar a certificação e, por conseguinte, a extensão dos efeitos da decisão prolatada e transitada em julgado. É um requisito de tal forma importante que pode ser revisto perpetuamente.

Essa orientação aparece novamente no caso Gonzales v. Cassidy, datado de 1973, proposta em benefício de taxistas envolvidos em acidentes e que perdiam sua habilitação por ausência de seguro, o autor de uma demanda anterior teve sua representatividade adequada questionada, pela via do collateral atack. A United States Court of Appels – Fifth

Circuit, em sua decisão, deixou claro que a adequação do representante da classe poderia ser verificada partindo da resposta de duas perguntas: (i) O tribunal que primeiro apreciou a questão verificou de forma correta se o representante teria condições de representar adequadamente a classe?; e (ii) Após o encerramento da demanda, é possível aferir que o representante efetivamente protegeu os interesses da classe343? No caso, entendeu-se que o representante não seria adequado já que, muito embora esse requisito tenha sido aferido no início da demanda – portanto, respondida afirmativamente a primeira pergunta –, não defendeu com o vigor e a tenacidade desejáveis os interesses da classe (deixando de responder a segunda questão), limitando-se a defender com mais cuidado os direitos daqueles que estavam em situação análoga à sua344.

A identidade de interesses entre os representantes e representados – na maioria das vezes identificada pelo fato de que o representante também teve um direito seu violado e busca a reparação em juízo345 –, especialmente quando coexistem em uma mesma

342 PASCHOAL, Maximilian Fierro. A representatividade adequada na ação coletiva brasileira…Op. cit.,

p. 122.

343 Tradução livre do trecho que constou na decisão do tribunal. No original: “(1) Did the trial court in the first suit correctly determine, initially, that the representative would adequately represent the class? and (2) Does it appear, after the termination of the suit, that the class representative adequately protected the interest of the class?” Disponível em: http://openjurist.org/474/f2d/67/gonzales-v-w-cassidy-iii. Acessado em 18jun.2011.

344 FORNACIARI, Flávia Hellmeister Clito. Representatividade adequada nas ações coletivas

brasileiras...Op. cit., p. 57.

345 Embora existam julgados, como bem apontado por Maximilian Fierro Paschoal, que tenham reconhecido

a representatividade adequada de pessoas não integrantes da classe representada, como o julgado em Kagan

v. Gibraltar Savings and Loans Association, em que uma consumidora, cujos danos causados pela empresa já tinham sido integralmente reparados, apresentou-se em juízo como representante da classe cujos integrantes tivessem sofrido o mesmo tipo de dano, tendo sido a ação certificada e sua representatividade adequada reconhecida. A orientação majoritária da doutrina americana, no entanto, indica que o autor, e também representante, da classe deve ser titular dos direitos que pleiteará em juízo. (PASCHOAL, Maximilian Fierro.

coletividade interesses diversos em relação a um mesmo fato foi o que se observou no supracitado caso Hansberry v. Lee e que se repetiu outras vezes ao longo dos anos, como, por exemplo, no caso Johnson v. Uncle Ben´s – Class Action sobre discriminação feita pela empresa ré na contratação de empregados negros e latinos, em que se decidiu que a solução dada ao caso só atingiria os empregados negros, já que o representante não teria defendido de forma adequada os interesses dos latinos346 –, e, ainda, no caso que ficou conhecido como “Agente Laranja”347, apontado como primeira Class Action para a reparação de danos individuais em larguíssima escala certificada pelos tribunais norte-americanos348.

Nota-se que, partindo de uma breve disposição da Regra 23, que arrola entre os requisitos para certificação a necessidade de comprovação de que a parte representará adequadamente os interesses dos membros da classe, foi a jurisprudência das cortes

346 Foi também a United States Court os Appeals – Fifth Circuit que apreciou o caso em questão, tendo

anotado que, muito embora tivesse sido certificada a Class Action em um primeiro momento, reconhecida a representatividade adequada do autor, no decorrer da demanda percebeu-se que a defesa dele em relação aos integrantes latinos da classe deixava a desejar, pelo que estes últimos tiveram suas garantias constitucionais violadas. Nas palavras utilizadas pelo próprio órgão julgador: “The district court originally, and at the time

quite correctly, determined that plaintiff would adequately represent the certified class of blacks and Maexican-Americans. At trial, however, representation of the class of Mexican-Americans was not adequate. The trust of plantiffs´ direct case concerned the situation involving black employees. Although this may well have been necessary on the issue of promotion considering the small number of Mexican-Americans employed by Uncle Ben´s, plantiffs´ preoccupation with the issue of black promotion seemingly led them to omit to introduce into evidence the number of Mexican-Americans hired by Uncle Ben´s. (…) To remedy the trial court´s failure in this respect we now hold that dismissal s all claims regarding Mexican-Americans is without prejudice. This judgment does not have res judicata effect against them (…)” (tradução livre: O tribunal distrital originalmente, e naquela época corretamente, determinou que o autor defenderia adequadamente os interesses de afro-americanos e mexicanos. No julgamento, entretanto, a representação da classe dos mexicanos não foi adequada. O representante dos autores dirigiu sua defesa para os afro- americanos. E conquanto isso possa ter sido necessário, dado o pequeno número de mexicanos empregados pela Uncle Ben´s, a preocupação do autor com as questões referentes à promoção dos direitos dos negros levou à omissão das questões e dos números referentes aos mexicanos contratados pela Uncle Ben´s. (...) Para remediar a falha do tribunal nesse tocante nós rejeitamos os pleitos dos mexicanos sem prejuízo. Essa decisão não tem efeitos e não faz coisa julgada contra eles (...). , disponível no website http://openjurist.org/628/f2d/419/johnson-v-uncle-bens-inc. Acessado em 18.jun.2011.

347 O caso do “Agente Laranja” envolvia os veteranos da guerra do Vietnã, que foram expostos a um

determinado composto químico durante a batalha, tendo sido demonstrado, posteriormente, que esse composto causava severos danos à saúde. Foi proposta a Class Action, tendo sido notificados pelos mais diversos meios de comunicação (jornais, rádio, televisão), todos os veteranos da guerra do Vietnã no período em que o composto químico fora utilizado. Terminada a fase de certificação, foi celebrado o acordo, tendo sido destinada uma parcela para a indenização dos veteranos doentes ou para as famílias dos falecidos em razão da exposição ao agente laranja, uma parcela para indenizar os veteranos que tivessem exercido o opt

out e uma parcela que seria destinada ao tratamento de todos os veteranos de guerra. Anos depois, um veterano de guerra ingressa com demanda, veiculando pretensão indenizatória por danos à sua saúde causados pelo agente laranja e a corte do Second Circuit entende que ele não estaria vinculado ao acordo firmado anteriormente, pois os direitos daqueles que ainda não haviam desenvolvido doenças em virtude de exposição ao produto tóxico não foram adequadamente representados. Na suprema corte houve empate entre os juízes votantes, o que permitiu o processamento do caso regularmente, não estando o autor vinculado ao acordo realizado anteriormente, ver PASCHOAL, Maximilian Fierro. A representatividade adequada na

ação coletiva brasileira…Op. cit., 134-135.

348 HENSLER, Deborah (et. alli). Class Action Dilemmas – pursuing public goals for private gain. Santa

americanas que preencheram o conceito de representante adequado. Isso se deu não apenas porque o sistema de Common Law tem como fundamento a força vinculante dos precedentes, mas também porque, como já se destacou, a representatividade adequada só pode ser aferida em cada caso concreto, sendo inviável predeterminar e positivar todas as suas possibilidades.

A doutrina norte-americana, partindo dos julgados que abordam o tema da representatividade adequada e observando o comportamento dos juízes e dos tribunais quando da aferição desse requisito no momento da certificação das Class Actions a eles submetidas, listou alguns critérios para a sua verificação. Grande parte dos estudiosos do tema entende justificável verificar a representatividade também do advogado da classe, como destacam Debra Lyn Bassett349 e Antonio Gidi350.

Entretanto, embora com algum nível de divergência, já que não se pode falar em um rol taxativo nesse tema, a professora Linda Mullenix resumiu com sucesso os critérios a serem verificados pelo juiz para aferir a adequação do representante: (1) ausência de conflito de interesses entre o representante da classe e seus membros; (2) o representante da classe fará uma defesa una de todos os interesses; (3) o representante da classe é alguém próximo do conselho da classe; (4) o representante não deve ter pleitos contra o réu diversos daqueles da classe; (5) o representante deve estar familiarizado com o tema da ação; (6) o representante não deve ceder o controle da causa ao conselho da classe; (7) o representante não pode ter idade avançada ou estar em condições de saúde que o impeçam de conduzir bem a ação; (8 e 9) o representante da classe deve ter meios financeiros suficientes para financiar o processo e as verbas dele decorrentes; e (10) o representante deve ter estatura moral para defender a classe, o que inclui a demonstração de honestidade, credibilidade e pureza de motivos351.

349 LYN BASSETT, Debra. When reform is not enough: Assuring more than ´adequate´ representation

in class actions. Georgia: Law Review, vol. 30:927, 2004, p. 927 a 989.

350 GIDI, Antonio. A Class Action como instrumento de tutela coletiva de direitos...Op cit., p.110-112 e

120-124.

351 MULLENIX, Linda. Taking adequacy seriously: the inadequate assessment of adequacy in litigation

and settlement classes. Vanderbilt: Law Rewiew, vol. 57:5:1687, 2004, p. 1704 e 1705. No original: “(1)

The proposed class representative has interests that are in conflict with or antagonistic to other class members; (2) the class representative is subject to a unique defense; (3) the class representative is closely affiliated with class counsel; (4) the class representative has claims against the defendant other than the class claims; (5) the class representative is familiar with the action; (6) the class representative has ceded control over the litigation to class counsel; (7) the class representative is of advanced age, in ill health, or suffering from other disability; (8) the class representative has sufficient finance stake in the outcome of the litigation; (9) the class representative has the ability to finance the litigation; and (10) the class representative in of sufficient moral character to represent a class, including whether the representative displays traits of honesty, credibility and purity of motive.”.

O que se apreende dessa postura da jurisprudência e da doutrina acerca do controle da representatividade adequada nas Class Actions norte-americanas é que, para além da previsão na Regra 23 das Rules of Civil Procedure, a base dessa necessidade está na garantia constitucional do devido processo legal (due process of law) e na promessa que fundamenta o estado democrático de direito, no qual ninguém será tolhido de bens e direitos sem ser ouvido e sem ter tido a oportunidade de se defender perante a justiça. E esse é um dos motivos pelos quais, desde a gênese das ações coletivas nos países de

Common Law, não se observou nenhum movimento ou tendência de flexibilização na aferição desse requisito.

Pelo contrário, em geral, o que se observa é um constante recrudescimento, principalmente diante do atual quadro de afluxo de demandas veiculando danos individuais (Class Actions for Damages), em que a verificação da representatividade adequada tem o condão de garantir a boa defesa dos direitos dos ausentes e, também, de minimizar riscos de colusão e outras condutas abusivas perpetradas pelos representantes que buscam benefícios próprios e não o bom termo do processo e a efetivação dos interesses da coletividade.

E se a Constituição Federal brasileira também prevê, entre suas garantias fundamentais, o respeito ao devido processo legal, e sendo o desenvolvimento de um sistema sólido de defesa dos interesses transindividuais indispensável para efetivar de forma mais ampla e menos custosa o acesso à justiça, torna-se indispensável verificar de que forma nosso sistema tem garantido que os autores de demandas coletivas realmente representem em juízo, da melhor forma possível, os direitos dos integrantes de determinada classe, o que será analisado com maior vagar no próximo capítulo.

5.3. A REPRESENTATIVIDADE ADEQUADA EM OUTROS ORDENAMENTOS