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Os conselhos enquanto órgãos de controle social das políticas públicas têm se utilizado de instrumentos normativos como as resoluções para regulamentar e estabelecer parâmetros para as políticas sociais. Compostos por representantes do Governo Federal e da sociedade civil, esses órgãos têm sido fundamentais para a instituição de marcos legais que buscam combater à violência LGBTfóbica no Brasil, tendo em vista as dificuldades de avanço dessa agenda no Poder Legislativo, que não tem aprovado propostas de leis que objetivem combater esse tipo de violência (SANTOS, 2018).

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Nesse contexto, merece destaque o Conselho Nacional de Combate à Discrimi- nação e Promoção dos Direitos LGBT (CNCD/LGBT), criado pelo Decreto 7.388/2010. De natureza consultiva e deliberativa, tem por finalidade formular e propor diretrizes de ação governamental, em âmbito nacional, voltadas para o combate à discriminação e para a promoção e defesa dos direitos da população LGBT (FEITOSA; SANTOS, 2016). Ao longo da sua atuação, o CNCD/LGBT tem instituído diversas resoluções com vistas ao cumpri- mento dos seus objetivos.

Outro importante órgão de controle social que tem contribuído para o enfrentamen- to da violência LGBTfóbica no Brasil é o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), instituído pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei 8742/1993, cuja finalidade é promover o controle social da política pública de assistência social e contribuir para o seu permanente aperfeiçoamento de acordo com as necessidades da população brasileira.

Esses dois órgãos, CNCD/LGBT e CNAS, publicaram no dia 21 de setembro de 2018, a Resolução Conjunta n° 01, estabelecendo um conjunto de normas com vistas à qualificação do atendimento socioassitencial da população LGBT no SUAS. A referida resolução foi amplamente debatida nos dois conselhos ao longo do primeiro semestre de 2018 e é resultado dos esforços que estão sendo realizados, sobretudo pelo Movimento LGBT, para garantir um atendimento adequado da população LGBT nos serviços, progra- mas e ações da rede socioassistencial.

Apesar de muito recente, a Resolução Conjunta CNCD/LGBT e CNAS N° 01/2018 pode ser considerada um dos principais instrumentos normativos em termos de promoção do acesso da população LGBT brasileira a uma política social. No seu artigo 5º, ela esta- belece que a União, o Distrito Federal, os estados e os municípios devem atuar com base nas seguintes diretrizes no âmbito do SUAS:

I - Reconhecimento das famílias compostas por membros e/ou res- ponsáveis LGBT, sejam os laços formalizados ou não, no eixo da Matri- cialidade Sociofamiliar;

II - Prevenção e combate ao preconceito relacionado à identidade de gênero e à orientação sexual por meio da realização de atividades, campanhas e outras iniciativas de comunicação;

III - Promoção de uma cultura de respeito e de não violência por meio de debates, oficinas e seminários que discutam as demandas da po- pulação LGBT;

IV - Qualificação do atendimento e do acompanhamento individual e familiar por meio do fortalecimento da capacitação dos profissionais

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que atuam no SUAS, na lógica da Política Nacional de Educação Per- manente do SUAS- PNEP/SUAS, para tratar da temática LGBT; V - Realização de pesquisas e diagnósticos sobre o público LGBT; VI - Adoção de formas de tratamento adequadas às identidades de gênero de mulheres transexuais/travestis e homens trans;

VII - Observância das particularidades das identidades LGBT na ela- boração de metodologias de atendimento e acompanhamento, instru- mentos de registros e cadastros (BRASIL, 2018).

A importância da Resolução nº 01/2018 consiste não apenas no estabelecimento de parâmetros para o atendimento da população LGBT no SUAS, mas, sobretudo, nas próprias ações que o SUAS deve passar a realizar a partir da publicação da normativa, como a realização de pesquisas e diagnósticos sobre usuários/as LGBT. Esse tipo de le- vantamento poderá contribuir com a ampliação do entendimento a respeito das principais necessidades, em termos de políticas públicas, da população LGBT brasileira.

A realização de campanhas de combate à violência LGBTfóbica pelos órgãos e equipamentos da rede socioassistencial também se consubstancia como uma importante medida para o acolhimento da população LGBT no SUAS, tendo em vista que a violência é um dos principais fatores de afastamento dessa população dos serviços socioassistenciais.

O tratamento dado às crianças e adolescentes LGBT também merece destaque nessa normativa:

Art. 10. Os Serviços Socioassistenciais deverão dirigir especial aten- ção em relação às crianças e adolescentes LGBT, em particular para a trajetória de construção da identidade de mulheres transexuais/tra- vestis e homens trans, comumente cercada por incompreensões, falta de informação, violência e violação de direitos no seio intrafamiliar, que frequentemente ocasionam o rompimento de vínculos familiares e co- munitários dessas pessoas. (BRASIL, 2018).

Ao estabelecer atenção especial para crianças e adolescentes LGBT, sobretudo para aqueles/as que estão construindo suas identidades trans, a resolução caminha na direção de enfrentar um grande problema social que é a violência intrafamiliar praticada contra crianças e adolescentes LGBT, em especial aqueles/as que não se identificam com o gênero designado no momento de seu nascimento. Essas crianças e adolescentes estão

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permanentemente expostos a violências que em alguns casos chegam a ser letais5, ne- cessitando, assim, de proteção estatal.

Por fim, há ainda outros avanços que merecem destaque na Resolução n° 01/2018, como diretrizes específicas para a Proteção Social Básica, bem como para a Proteção So- cial Especial de Média e Alta Complexidades, estabelecendo parâmetros que toda a rede socioassistencial deve atender.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O atendimento da população LGBT no SUAS requer a implementação de uma série de medidas como a formação dos/as profissionais, realização de campanhas de combate à violência, respeito às identidades e singularidades dos/as usuários/as LGBT e uma ação integrada entre a Proteção Social Básica e a Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidades, dadas as significativas situações de vulnerabilidade e violências vivenciadas por essa população.

Mesmo sendo adotadas, essas medidas podem encontrar algumas barreiras para efetivação de um adequado acolhimento da população LGBT na rede socioassistencial. Profissionais movidos por determinados valores religiosos e/ou morais podem dificultar a construção de um ambiente aberto, atrativo e acolhedor, onde usuários/as LGBT possam ser atendidos em condições adequadas.

Esse contexto impõe responsabilidades aos/às gestores da política socioassiten- cial, que devem estar atentos a qualquer tipo de atuação profissional contrária aos pre- ceitos, princípios e normas do SUAS. Também cabe aos/às gestores/as da política e dos serviços da rede socioassistencial o acompanhamento de possíveis denúncias de atendi- mentos desrespeitosos, negligentes e violentos.

Iniciativas como o curso A População LGBT e o SUAS são um importante passo para capacitar e sensibilizar os/as profissionais de toda a rede socioassitencial com vistas à efetivação de um atendimento adequado, inerente à própria concepção do SUAS.

A efetivação do atendimento adequado da população LGBT no SUAS contribui para a concretização dos direitos sociais e para o fortalecimento da cidadania dessa popu-

5 Em 29 de dezembro de 2016, o adolescente Itaberlly Lozano foi assassinado a facadas pela sua própria mãe. O assassinato foi motivado pelo fato de o jovem ser gay e ganhou grande repercussão na imprensa nacional: Ver: <https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,corpo- -queimado-em-canavial-e-de-rapaz-morto-pela-mae-por-ser-gay,70001890284>. Outro crime dessa natureza ocorreu em fevereiro de 2014. Alex Medeiros de Moraes, 8 anos de idade, foi agredido até a morte pelo seu pai. No julgamento, o assassino afirmou que o crime foi cometido pelo fato de Alex ser muito “afeminado”: Ver: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/12/homem-que-matou-filho-no-rio-por-ser-afemina- do-vai-juri-popular.html>.

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BRASIL. Conselho Nacional de Assistência Social. Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bis- sexuais, Travestis e Transexuais. Resolução Con- junta Nº 01/2018: estabelece parâmetros para a

qualificação do atendimento socioassistencial da população LGBT no Sistema Único da Assistência Social – SUAS. Brasília, DF, 2018.

BRASIL. Ministério da Saúde. Cadernos de Aten- ção Básica: Saúde Sexual e Saúde Reprodutiva.

Brasília, 2010.

FEITOSA, Cleyton. Notas sobre a trajetória das po- líticas públicas de direitos humanos LGBT no Brasil.

Revista Interdisplicar de Direitos Humanos-RI- DH, Bauru, v. 4, n. 1, p. 115-137, jan./jun. 2016.

FEITOSA, Cleyton; SANTOS, Émerson Silva. Par- ticipação Social da População LGBT: o Conselho Nacional de Combate à Discriminação de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Revista Perspectivas em Políticas Públicas, v. 9, n. 2, p.

175-205, 2016.

MOTT, Luiz; CERQUEIRA, Marcelo. Causa mor- tis: homofobia: violação dos direitos humanos de

homossexuais no Brasil – 2000. Salvador: Editora Grupo Gay da Bahia, 2001.

ONU. Declaração Universal dos Direitos Huma- nos. 1948. Disponível em: <http://www.dudh.org.br/

wp-content/uploads/2014/12/dudh.pdf>.

SANTOS, Émerson Silva. A agenda LGBTI no Con- gresso Nacional: De João A. Mascarenhas à Jean Wyllys. In: RODRIGUES, Alexsandro et al. (Org.).

Quando ousamos existir: Itinerários fotobiográ-

ficos do Movimento LGBTI brasileiro (1978-2018). Tubarão (SC): Editora da FURG; Copiart, 2018. lação que convive cotidianamente num contexto onde desrespeitos, violações e violências são presentes.

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DESAFIOS DA INTERSETORIALIDADE