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DESAFIOS PARA A GARANTIA DOS DIREITOS SOCIOASSISTENCIAIS DAS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA

Frente a essas problemáticas, vamos identificar as estratégias de organização e protagonismo das pessoas em situação de rua, na busca pela garantia dos seus direitos. Mesmo sendo um fenômeno social muito antigo a situação de pessoas a fazer das ruas seu espaço de sobrevivência e moradia, um dos problemas centrais da atualidade é o não reconhecimento estadual e municipal das legislações específicas para a garantia dos direitos dessas pessoas.

4 Conferir a caracterização de crianças e adolescentes em situação de rua na Resolução Conjunta CNAS/CONANDA nº 1, de 15 de dezembro de 2016 (BRASIL, 2016). Este conceito foi se modificando até o resultado que está nas Diretrizes Nacionais.

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Um dos grandes desafios a enfrentar consiste na baixa adesão à Política Nacional por parte dos entes federados. O Comitê Nacional Intersetorial de Monitoramento da Po- lítica Nacional aponta lentidão na transformação da vida dessas pessoas, realidade que faz com que essas pessoas sejam usuárias da Política de Assistência Social por anos a fio, sem garantia de moradia e de trabalho. Outro desafio é a falta de dados, o que impacta diretamente na marginalização desse público. O acesso aos serviços se constitui mais uma barreira para tal população. Mesmo que alguns profissionais tenham mais habilidade no trato com o público, o acesso aos serviços pode ser dificultado por causa da migração territorial e pela especificidade de cada pessoa ou grupo. O baixo investimento financeiro para a proteção social especial é outro grave complicador. Desde 2013, o financiamento da Assistência está estacionado. Outros desafios, não menos importantes do que os já cita- dos, são: a falta de qualificação profissional; o estigma social perpetrado pela mídia, que assume o modelo da meritocracia e da culpabilização; a violência urbana; e o extermínio desse público, pois tais pessoas não contam com qualquer segurança e ainda são vistas como bandidos.

E por fim o desafio da luta, da capacidade organizativa dessas pessoas. Todos os estados que avançaram na garantia dos direitos das pessoas em situação de rua têm algo em comum: o Movimento de População em Situação de Rua é forte. Em Pernambuco, o passo rumo ao estabelecimento desse movimento foi dado apenas em 2018. Com o apoio da Pastoral do Povo da Rua, nasceu o Movimento Estadual de População de Rua de Pernambuco, que de forma autônoma está trilhando seu caminho de luta pela garantia dos direitos das pessoas em situação de rua. O movimento já está inserido em espaços de mobilização política, como o Fórum de População em Situação de Rua de Pernambuco, e está dialogando nos comitês que pretendem implementar a política nacional, tanto em âmbito estadual quanto municipal.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entender processos que constituem pessoas humanas em situação de rua reflete diretamente na forma como podemos lidar com essas situações que se apresentam no cotidiano de quem trabalha com tal público, pois não entender que as histórias de vida estão marcadas por um acúmulo de vulnerabilidade até se chegar à rua faz com que juízos precipitados e atitudes desumanas sejam adotados. As pessoas têm sempre uma história para contar sobre si mesmas. Com pessoas em situação de rua não é diferente, não são as benesses sociais ou o direito aos bens que transformam a vida de uma pessoa ao ponto de repensar possibilidades de saída das ruas, mas a relação que se estabelece com o mundo que se vive e com a história de vida que se delineia de forma contínua, mas nunca linearmente.

À medida que adentramos na especificidade da população em situação de rua, os desafios para efetivação das políticas públicas parecem se tornar mais distante, se tomar- mos como base cada serviço, cada profissional que atua no território com esse público. Cabe, então, aos que entendem a situação de rua como uma afronta à dignidade humana lutar para efetivar cada direito de uma pessoa usuária como se fosse algo a ser feito para si próprio.

A necessidade de oferta e acesso aos serviços disponibilizados pelos municípios vai sempre incidir de forma direta na promoção da garantia de direitos prevista na PNAS, como as tipificações e as normas operacionais. As referências técnicas ainda são recen- tes, e será preciso muita coesão por parte de quem atua na Assistência Social para que possamos garantir a gama de serviços que foi aqui apresentada.

Parte do material aqui abordado é mais técnico, pois é preciso esmiuçar os deta- lhes que vão ajudar nos desdobramentos do serviço ofertado e na atuação profissional. Conhecer de forma orgânica esses materiais e os outros que virão para a melhoria do atendimento é condição primordial para trabalharmos de forma ética e comprometida com esse público vulnerabilizado.

Entendemos que os serviços serão compostos por pessoas distintas e por públicos distintos, cada qual com seu contexto peculiar de vida. Assim fazer a acolhida e propiciar o bem-estar dessas pessoas pode e deve ser a tônica de cada serviço, pois nem sempre teremos recursos humanos e técnicos ou até mesmo uma rede para dar conta da demanda que chega ao serviço.

Os desafios são muito grandes, mas a capacidade de resistência das pessoas em situação de rua e de vários militantes que atuam nessa área também é imensa. É fundamental entender que a garantia dos direitos socioassistenciais não se dará de forma

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isolada ou enfrentando apenas um desses vários desafios. Eles precisam ser enfrenta- dos de forma articulada, incluindo todos os atores possíveis, produzindo dados a partir da inserção no CadÚnico, contrapondo o discurso midiático para modifica-lo, construindo estratégias para incidência na elaboração do orçamento público, aprofundando a reflexão sobre o modelo de atuação e avançando na articulação e interação entre os municípios.

Utilizando-se os instrumentos que já temos, como o Fórum da População em Si- tuação de Rua de Pernambuco e os comitês estadual e municipais, de forma assertiva e reflexiva, poderemos pensar em novos rumos coletivos para essa luta, buscando incluir os órgãos das políticas que ainda não estão envolvidos, pois, como diz a música do educador social e músico recifense Marcelo Pianinho, consagrada pelo Grupo Raízes de Quilombo: “cadê você meu amigo, venha cumprir seu papel, venha lutar com a gente, liberdade e direitos não caem do céu”.

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ASSISTÊNCIA SOCIAL