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A responsabilidade dos herdeiros pelos encargos da herança

Capítulo I: A SUCESSÃO TRIBUTÁRIA EM GERAL

2. A Sucessão no direito sucessório

2.3. A responsabilidade dos herdeiros pelos encargos da herança

Da responsabilidade dos herdeiros na satisfação do passivo da herança, se distinguem os legatários.

Os sucessores tomarão a designação de herdeiros quando sucedam na totalidade ou numa quota do património do falecido e de legatários quando sucedem em bens ou valores

determinados66. Daqui resulta que, o primeiro será um sucessor pessoal e a título universal, uma

vez que o seu direito, possivelmente, se estenderá a toda a herança, enquanto o segundo é um sucessor a título singular ou particular, na medida em que é chamado em certos bens ou valores,

com exclusão dos restantes, qualificado assim como mero adquirente ou transmissário67. Ora,

como veremos, os primeiros irão assumir um papel essencial relativamente à responsabilidade pelos encargos da herança e, de modo geral, os herdeiros têm um papel dinâmico ao que à

sucessão diz respeito, já que, por exemplo, só eles podem exigir a partilha68.

Assim sendo, com a morte do autor, abre-se a sucessão. A ela são chamados os sucessores, tendo em conta três critérios essenciais: gozarem de preferência, sobreviverem e terem

capacidade sucessória69. Serão chamados, por isso, primeiro, os sucessores legitimários, que

sucedem na quota indisponível (será de metade ou dois terços da massa patrimonial). Posteriormente, caso o autor da sucessão tenha disposto assim, válida e eficazmente, os sucessores contratuais e depois os testamentários. Ambos sucedem na quota disponível (o

64 Cf. CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral…, op.cit., pág. 109.

65 Cf. F.M. PEREIRA COELHO, Direito das Sucessões, J.Abrantes, Coimbra, 1992, pág. 22 e ss.

66 Cf. Art. 2013.º do CC. É também havido como herdeiro o que sucede no remanescente dos bens do falecido, não havendo especificação deste;

e como legatário o usufrutuário, ainda que o seu direito incida sobre a totalidade do património.

67 Cf. RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, Lições de…, op.cit., vol. I, pág. 21 e F.M. PEREIRA COELHO, Direito das…,op.cit., págs. 21 e ss. 68 Cf. Art. 2101.º, n.º 1 do CC.

69 Tem capacidade sucessória o Estado e todas as pessoas nascidas ou concebidas ao tempo da abertura da sucessão. Tem ainda capacidade para

suceder, a título contratual ou testamentário, os nascituros não concebidos, que sejam filhos de pessoa determinada, viva ao tempo da abertura da sucessão; e as pessoas coletivas e as sociedades. Por outro lado, carecem de capacidade os considerandos indignos por lei – com possibilidade de reabilitação nos termos do art. 2038.º do CC -, nos termos e para os efeitos dos arts. 2034.º a 2038.º do CC. Veja-se ainda os casos de deserdação do art. 2166.º do CC.

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restante: metade ou um terço). Caso haja remanescente da quota disponível, por o testador não ter disposto de todo ou inválida e ineficazmente, são chamados os sucessores legítimos segundo

a ordem do artigo 2133.º do CC70.

Logo na aceitação da herança71, (que caduca em 10 anos) a escolha por uma das espécies

de aceitação irá ter influência aquando da reclamação dos créditos pelos credores da herança.

Isto é, os herdeiros podem aceitar pura e simplesmente ou a benefício do inventário7273. Ora, se no

primeiro caso cabe aos próprios herdeiros, perante os credores do falecido, o ónus de provar que não existem mais bens deixados para a satisfação dos débitos da herança, no segundo caso, há

uma limitação aos bens inventariados, tendo os credores de provar a existência de outros bens74.

E repare-se, ainda, que aqui falamos em herdeiros, uma vez que os legatários não são responsáveis pelos encargos da herança; a ser a estes impostos, serão somente encargos do

próprio legado, não da herança75. O herdeiro, quando aceita a herança (expressa ou tacitamente76),

promove a transmissão dos direitos – o ativo -, mas também as obrigações – o passivo – que o

de cujos tinha à data da sucessão77, sendo responsáveis perante os credores da herança e

legatários.

Como refere CARVALHO FERNANDES “[a] liquidação da herança implica a satisfação – até

onde for possível – das dívidas do autor da sucessão e de outros encargos que a oneram”78. Daí

70 Sobre uma melhor compreensão da hierarquia das designações sucessórias, Cf. RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, Lições de…, op.cit., vol I,

págs. 134 a 150.

71 Obviamente que os sucessores – herdeiros ou legatários – podem repudiar à sucessão, havendo direito de representação pelos seus descendentes

(Arts.2039.º e ss. do CC), a substituição direta no âmbito da sucessão testamentária nos termos do art. 2179.º e ss. Do CC, o direito de acrescer a outros herdeiros instituídos em partes iguais ou numa quota de bens (Arts. 2301.º e ss do CC) ou sub-rogação dos credores (Art. 2067.º do CC). Sobre a vocação indireta, Cf. CRISTINA ARAÚJO DIAS, Lições de Direito das Sucessões, 2.ª ed., Almedina, 2012, pág. 93 a 112.

72 Cf. Art. 2052.º do CC.

73 O Regime Jurídico do Processo de Inventário vem regulado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março. 74 Cf. Art. 2071.º do CC.

75 Cf. Arts. 2244.º, 2224.º, n.º 2 e 2276.º do CC e ainda, neste sentido, Cf. LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, Lições de Direito…op. Cit., pág. 332. 76 Cf. Art. 2056.º e 2057.º do CC.

77 Como repara JOÃO GOMES DA SILVA, nem todas as obrigações se transmitem com a morte do autor da sucessão. Há contratos, principalmente

os duradouros, bilaterais com forte carácter pessoal, em que só o próprio autor podia dar cumprimento a essa obrigação: pense-se “[num] contrato de sociedade, relativamente ao sócio; (…) [numa] parceria pecuária, relativamente ao parceiro pensador; (…) e na empreitada quando sejam tomadas e conta as qualidades pessoais do empreiteiro”, Cf. JOÃO GOMES DA SILVA, Herança e Sucessão por Morte, A sujeição do património do de cuius a um regime unitário no Livro V do Código Civil, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2002, págs. 101 e 102. É também o que resulta do art. 2025.º, n.º 1 do CC quando é referido que não constitui objeto da sucessão as relações jurídicas que devam extinguir-se por morte do respetivo titular em razão da sua natureza (ou por força da lei).

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há que identificar os encargos da herança e a determinação dos bens que asseguram a sua

satisfação. A lei estipula que a herança responde pelas seguintes dívidas e pela ordem79:

1º. Despesas com o funeral e os sufrágios do falecido80;

2º. Encargos com a testamentaria81;

3º. Encargos com a administração82 e liquidação do património hereditário;

4º. Dívidas do autor da sucessão;

5º. Cumprimentos dos legados.

Daqui resulta que, os herdeiros, perante os credores da herança e legatários, terão de

satisfazer os créditos dos primeiros, por preferentes, e só depois dos segundos83, podendo os

legados serem cumpridos parcialmente por insuficiência do património do falecido84. Mas nunca

os herdeiros (nem os legatários) podem responder com os seus próprios bens perante credores

da herança ou legatários, na medida em que os herdeiros não podem sofrer damnum no seu

próprio património, quando na aceitação tudo que esperam é obter lucro85. Daí a responsabilidade

dos herdeiros face aos credores da herança e legatário ser uma responsabilidade limitada até às

forças da herança86: intra vires hereditatis87.

Desde a abertura da sucessão até à efetiva partilha, o cabeça-de-casal assume aqui o

encargo de administrar a herança. O cargo será deferido, pela ordem88, ao cônjuge sobrevivo, não

separado judicialmente de pessoas e bens, se for herdeiro ou tiver meação nos bens do casal; ao testamenteiro, salvo declaração do testador em contrário; aos parentes que sejam herdeiros

79 Para aprofundamento de cada dívida/despesa enunciadas, Cf. RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, vol. II, 3.ª

ed.ren., Coimbra Editora, 2002, págs. 73 a 77.

80 O crédito por despesas do funeral do devedor, conforme a sua condição e costume da terra, goza de privilégio mobiliário geral, nos termos do

art. 737.º, n.º 1, al. a) do CC.

81 Sobre a testamentaria, arts. 2320.º e ss do CC. 82 A cargo do cabeça-de-casal, art. 2079.º e ss do CC.

83 Em último lugar na ordem de preferentes ficam os credores do herdeiro, é o que resulta do art. 2070.º, n.º 1 do CC.

84 O art. 2278.º do CC assim o prevê e, neste sentido, excetua somente os legados remuneratórios por estes serem considerados como dívidas da

herança: “Se os bens da herança não chegarem para cobrir os legados, são estes pagos rateadamente; excetuam-se os legados remuneratórios, os quais são considerados como dívida da herança”.

85 Cf. PAULA DOMÍNGUEZ TRISTÁN, “El heredero a beneficio de inventario: orden y modos de pago a acreedores, legatarios y fideicomisarios, in

Stvdia Ivrica 88, O Direito das Sucessões: do Direito Romano ao Direito actual, Colloquia -16, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, págs. 83 e 84.

86 É o que resulta do art. 2071.º do CC. Do mesmo artigo resulta também que a responsabilidade pelas dívidas irá sofrer influência conforme o(s)

herdeiro(s) opte(m) por uma ou outra modalidade na aceitação. Na opção do n.º 2 a responsabilidade dita limitada poderá ser sacrificada pela insuficiência da prova, cujo ónus cabe aos herdeiros. Este tema, aliás, será amplamente discutido aquando abordarmos a responsabilidade dos herdeiros face à dívidas tributárias, na medida em que, esta é, obviamente, também limitada pelas forças da herança.

87 Cf. JOÃO GOMES DA SILVA, Herança e Sucessão…,op.cit.,pág. 139.

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legais; aos herdeiros testamentários. Tendo em conta que entre os parentes que sejam herdeiros legais, preferem os mais próximos em grau; de entre os herdeiros legais do mesmo grau de parentesco, ou de entre os herdeiros testamentários, preferem os que viviam com o falecido há pelo menos um ano à data da morte; e em igualdade de circunstâncias, prefere o herdeiro mais

velho89.

Quando todo o património é distribuído em legados, o cargo de cabeça-de-casal caberá, em substituição dos herdeiros, ao legatário mais beneficiado, sendo que, em igualdade de

circunstâncias, preferirá o mais velho90.

Neste ponto, há que ter em conta qual o âmbito da herança, uma vez que a lei faz subsumir no ativo da herança bens ou valores que, à partida, não eram considerados no património do de

cujos e que respondem pelos encargos91. São eles, (a) os bens sub-rogados no lugar de bens da

herança por meio de troca direta, (b) o preço dos alienados, (c) os bens adquiridos com dinheiro ou valores da herança, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente

mencionada no documento de aquisição e (d) os frutos percebidos até à partilha92.