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A Sucessão tributária como universal e mortis causa

Capítulo I: A SUCESSÃO TRIBUTÁRIA EM GERAL

3. Sucessão Tributária

3.3. A Sucessão tributária como universal e mortis causa

Aquando da caracterização da sucessão como conceito civilístico, concluímos que a sucessão universal se contrapõe à sucessão a título particular e que com estrita ligação à primeira estão os herdeiros e à segunda os legatários. Também se adiantou que a successio in singulas res está intimamente relacionada com a sucessão entre vivos e a successio in universum ius com

a sucessão por morte116.

A sucessão a título particular nasce somente na época justinianeia a par da ideia da transmissão de direitos, sendo que a primeira já era considerada no direito romano, contudo, sem a ideia de transmissão de direitos, somente de bens. Para os romanistas a sucessão era tão

somente para os herdeiros, porque só estes adquirem situação idêntica à do falecido117.

A lei tributária postula que haverá sucessão tributária em caso de sucessão universal por morte, levantando-se, desde logo, a dúvida nos casos em que o testador disponha de toda a sua herança em legados. Serão os legatários irresponsáveis, na medida em que são chamados a título particular?

A sucessão universal pode ser concebida de dois prismas: de um lado uma mera forma de aquisição, relativa a um complexo de direitos e posições jurídicas; de outro, não ignorando a tese

114 Cf. ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA, Princípios de…, op. cit., pág.218.

115 Cf. JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito…, op. cit., págs. 294 e 295. E ainda, JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, Apontamentos de…,op. cit, págs. 62 e

63.

116 Cf. Tratam-se aqui de generalizações, obviamente, de conceitos intimamente ligados, não há uma exata correspondência entre os dois conceitos.

O legado será a título singular e mortis causa, e a fusão de uma sociedade confere uma transmissão a título universal do seu património e é inter vivos. Cf. LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, Lições de Direito…, op. cit., pág. 51. E ainda, Cf. CRISTINA ARAÚJO DIAS, Lições de Direito…op. cit., pág 26.

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anterior, há a imperatividade de uma transmissão unitária de todo um património desaparecendo

o seu titular118. Retira-se, pois, daqui que a sucessão a título universal exige uma unidade

patrimonial de todos os direitos e vinculações jurídicas. Normalmente, quem recebe esta unidade

patrimonial119 são, de facto, os herdeiros e estes têm a responsabilidade de pagar todos os

encargos da herança, onde se incluem as dívidas do falecido e os legados120. Esta é a regra no

Código Civil121 e foi aí que a lei tributária procurou a ratio legis, nos parece.

Como refere JOSÉ GOMES DA SILVA a este respeito, “ [e]stando vivo, ainda, o autor da

sucessão, o seu património constitui a garantia dos seus credores, (…) após a morte, [querendo conservar-se a relação jurídica] será substituído [na dívida] aquele que se encontre na mesma

posição jurídica que o defunto, ou seja, o herdeiro”122.

Não podemos, porém, excluir a imputação das dívidas tributárias do de cujos aos legatários, por serem sucessores a título particular, pois estes, a final, podem até nada receber ou receber parcialmente o que o falecido havia disposto, caso a herança não chegue para a satisfação nas

dívidas123.

Digamos então que os legatários não são responsáveis diretamente pelas dívidas tributárias

do de cujos, eles verão os seus legados não pagos ou reduzidos de modo rateado para o

pagamento destas, caso os bens da herança não cheguem para cobrir o valor do débito124.

118 Cf. JOÃO GOMES DA SILVA, Herança e Sucessão…,op.cit.,pág. 178.

119 E que assim permanece até à efetiva partilha, contando com as saídas para todos os encargos a cargo do cabeça-de-casal com a administração

da herança. Voltando à jurisprudência já referida, resulta que “(…) até à partilha os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis-causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fracção da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota”, Cf. Acórdão do STJ de 30 de Janeiro de 2013, no Proc. n.º 1100/11

TBABT.E1.S1, disponível em

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4ee91ac004a69a7480257b05004f7c7e?OpenDocument , [13.05.2014].

120 Resulta do art. 2265.º do CC que na falta de disposição em contrário, o cumprimento do legado incumbe aos herdeiros, podendo o testador

impor o cumprimento a algum ou alguns herdeiros ou a algum ou alguns legatários. E ainda que os herdeiros ou legatários sobre quem recaia o encargo ficam a ele sujeitos em proporção dos respetivos quinhões hereditários ou dos respetivos legados, se o testador não tiver estabelecido proporção diversa.

121 Arts. 2068.º e 2071.º do CC.

122 Cf. JOÃO GOMES DA SILVA, Herança e Sucessão…,op.cit.,pág. 203.

123 Relembre-se que os legados remuneratórios integram as dívidas do falecido, gozando de prioridade no pagamento sobre os outros legados, art.

2278.º, combinado com o art. 2068.º e 2070.º, n.º 2 do CC.

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Situação diversa será quando toda a herança é distribuída em legados. Neste caso, parece que o pagamento dos encargos da herança caberá aos legatários. É o que resulta da epígrafe do artigo 2277.º do CC, referindo-se que, nestes casos, os encargos da herança são suportados por todos os legatários em proporção dos seus legados, exceto se o testador houver disposto outra

coisa125.

Em suma, as obrigações tributárias do falecido transmitem-se aos seus sucessores, quer

herdeiros, quer legatários, até ao limite da herança ou do legado126.

Prosseguindo com a interpretação da lei tributária, a referência é feita à responsabilidade dos sucessores por sucessão universal mortis causa. Não nos parece que haja muito mais a referir quanto à distinção entre sucessão mortis causa e inter vivos, remetendo para o que já foi aludido

em sede de sucessão. Relembrando só que a segunda modalidade está vedada127, em princípio,

pelo n.º 3 do artigo 29.º da LGT, pelo princípio da intransmissibilidade das dívidas tributárias por

ato inter vivos128, sendo a cominação de invalidade ou ineficácia do ato quando um sujeito passivo

transfira para um terceiro os seus débitos tributários129.

3.4. A responsabilidade dos sucessores perante a Administração Tributária. O benefício do inventário.

Primeiramente, há que referir que o sucessor só é chamado à relação jurídica tributária

constituída pelo falecido caso sobreviva, obviamente, e caso tenha por aceita a herança130. Como

vimos, a aceitação pode ser pura e simplesmente ou a benefício do inventário e, aquando esta, poderá o herdeiro deparar-se, além dos seus credores pessoais (dívidas por si contraídas), com os credores hereditários (dívidas contraídas pelo de cujos).

A forma de aceitação influenciará os termos posteriores, mormente quanto à responsabilidade dos sucessores perante a Administração Tributária. Resulta da lei civil que sendo a herança aceita a benefício de inventário, só respondem pelos encargos os respetivos bens

125 No mesmo sentido, Cf. ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA, Princípios de…, op. cit, pág. 228. 126 Cf. MANUEL HENRIQUE FREITAS PEREIRA, Fiscalidade…, op. cit., pág. 259 e 260.

127 DIOGO FEIO considera a cessão de estabelecimentos comerciais e industriais na responsabilidade tributária, ao contrário do direito espanhol

que considera tais transmissões como sucessão inter vivos. Cf. DIOGO FEIO, A Substituição Fiscal…, op.cit., pág. 84.

128 CASALTA NABAIS refere que o princípio que resulta dos n.ºs 1 e 3 é o da intransmissibilidade dos créditos e das dívidas tributárias. Não cremos

que, pela coerência formal, a nossa abordagem possa ter tal generalização. Cf. JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito…, op.cit., pág. 285.

129 Cf. SOARES MARTÍNEZ, Direito…op. Cit., pág. 248. Acórdãos do STJ de 8 de Março de 1950, disponível em Diário do Governo, 2.ª Secção, de

16 de Novembro de 1950; e de 14 de Junho de 1950, disponível em Diário do Governo, 2.ª Secção de 24 de Fevereiro de 1951.

130 Ora que no caso de repudiar, gozam os credores, caso não haja direito de representação ou de acrescer, da possibilidade de aceitar em seu

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inventariados, salvo se os credores ou legatários provarem a existência de outros bens; mas, sendo a herança aceita pura e simplesmente, a responsabilidade pelos encargos também não excede o valor dos bens herdados, mas incumbe, neste caso, ao herdeiro provar que na herança não existem valores suficientes para cumprimento destes.

Daqui se retiram duas conclusões: (1) a responsabilidade dos sucessores perante o credor tributário é limitada às forças da herança, quando haja inventariação de todos os bens do falecido; todavia (2) caso a aceitação seja pura e simplesmente, essa responsabilidade será mais ou menos limitada conforme se consiga provar que não existem mais bens e valores deixados pelo de cujos.

Ademais, a aceitação a benefício do inventário, que é efetuada requerendo-se inventário nos

termos de lei especial – Lei n.º 23/2013, de 5 de Março – “desresponsabiliza” o herdeiro de

satisfazer os encargos da herança, na medida em que, “o herdeiro declara que aceita a herança mas reserva o direito de só receber o valor líquido da herança, depois de pagos os encargos, e com isso o herdeiro obtém além da inventariação dos bens da herança, dos bens desta

relativamente ao seu património pessoal”131.

Por outro lado, quando a aceitação for pura e simplesmente a responsabilidade perante credores e legatários será dos herdeiros cujos pagamentos são efetuados conforme estes o reclamem, nada impedindo, por isso, que caso os herdeiros que sejam credores do falecido

satisfaçam o seu direito de crédito primeiro132. Todavia, para aqueles que gozem de algum privilégio

ou outra garantia, como o caso da Administração Tributária, nada os impede de fazer face a essa ordem de pagamentos, pela garantia que disponham, que, aliás, é posteriormente efetuada através da convocação de credores e verificação de créditos, em sede executiva.

Conclui-se que a decisão do herdeiro, em aceitar ou repudiar a herança, deve ser ponderada quando haja passivo da herança, de modo a que a subtração deste ao ativo confira um valor positivo. Mas não será só a perspetiva favorável de um ganho deve ser tida em conta, também todas as burocracias que terá de enfrentar daí em diante, tendo em conta que os deveres adjacentes à administração da herança estão a cargo do cabeça-de-casal.

No ordenamento jurídico português a responsabilidade jurídica pelas dívidas do falecido é intra vires hereditatis, isto é, o sucessor só tem de cumprir o passivo com os valores ativos a que sucedeu, havendo uma distinção entre património herdado e património pessoal, este último anterior à sucessão. Ao contrário de outros ordenamentos jurídicos que preveem que os herdeiros

131 Cf. CRISTINA ARAÚJO DIAS, Lições de…, op.cit., pág. 117.

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podem responder com os seus próprios bens, anteriores à sucessão, de modo ilimitado, até à

satisfação do crédito do credor133, o ordenamento jurídico português limita-a, sendo os sucessores

do falecido responsáveis até às forças da herança134. O regime adotado dá uma maior proteção

aos herdeiros, não os fazendo responder, perante a Fazenda, com os seus próprios bens; afinal o sucessor só é chamado a cumprir a obrigação tributária porque o sujeito passivo originário da relação jurídica não pode fazê-lo por virtude da sua morte.

Em todo o caso, há que distinguir se o sujeito ativo de qualquer relação jurídica tributária, se apresenta como um credor do próprio herdeiro, sendo este o sujeito passivo originário da relação jurídica tributária; ou, se por outro lado, é um credor da herança, sendo o herdeiro chamado aqui a responder por virtude do instituto da sucessão tributária.

A lei civil distingue os credores pessoais, dos credores hereditários, gozando estes últimos de preferência sobre os primeiros relativamente aos bens herdados (art. 2070.º do CC). A opção poderia passar por uma divisão de patrimónios que parece acautelar melhor os interesses de todos os interessados: os bens da herança responderiam pelas dívidas tributárias do de cujos; os bens pessoais dos herdeiros responderiam pelas suas dívidas tributárias. E aqui teríamos uma

responsabilidade cum viribus hereditatis. Contudo, não é esta que prevê a lei. O que aqui se

pretende é uma responsabilidade pro viribus hereditatis que não implica uma separação total,

podendo dar-se confusão entre patrimónios – de facto, após a partilha o herdeiro tem um só

património –, o que prevalece é o valor do património herdado, levando a que o sucessor responda,

ora com os bens herdados ora com os pessoais, mas até ao valor da herança135. Ocorre, pois,

133 Essencialmente quando não requerem inventário, como nos ordenamentos jurídicos espanhol e alemão em se prevê a responsabilidade ilimitada

quando a herança seja aceita pura e simplesmente. Nestes casos de aceitação pura e simplesmente entendem estes ordenamentos que esta opção confere a proteção dos credores, ao passo que a outra confere a proteção dos herdeiros. Ainda que se entenda que no ordenamento jurídico português, qualquer que seja a forma de aceitação da herança, a responsabilidade seja sempre limitada aos bens da herança, cremos que a norma é ilusória quando a aceitação seja pura e simplesmente pela dificuldade de prova negativa. Cf. JOÃO GOMES DA SILVA, Herança e Sucessão…,op.cit., pág. 144.

134 Relativamente à limitação da responsabilidade pelas dívidas tributárias às forças da herança, Cf., por exemplo, Jurisprudência do Supremo

Tribunal Administrativo: Acórdão de 27 de Outubro de 2004, no Proc. N.º 0414/04, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/afe67b64e3ff364480256f4100512ad5?OpenDocument&ExpandSection=1

&Highlight=0,credor,heran%C3%A7a#_Section1 , [19.05.2014]; Acórdão de 2 de Maio de 2007, no proc. N.º 01105/06, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3dc4d6faef22aea6802572d6004bae13?OpenDocument&Highlight=0,credo

r,heran%C3%A7a , [19.05.2014]; ou Acórdão de 20 de Setembro de 2009, no proc. N.º 0329/09, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1ad86dbc551f40858025764a00451c12?OpenDocument&Highlight=0,cre

dor,heran%C3%A7a , [19.05.2014].

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neste caso, o princípio da sub-rogação que como JOÃO GOMES DA SILVA repara, este pode

resultar numa clara desigualdade de bens, podendo os bens sub-rogados terem um valor diverso136.

A responsabilidade dos herdeiros como sujeitos passivos originários ou derivados dependerá, relativamente a dívidas fiscais, se estamos perante impostos de prestação instantânea ou periódica. Como reconhece ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA, no primeiro caso os herdeiros serão chamados unicamente pelas dívidas existentes à morte do sujeito passivo originário, limitando-se a responsabilidade às forças da herança. No segundo caso, distingue as dívidas que já existam à data da sucessão, das que surjam posteriormente, pois nas primeiras temos um sucessor como herdeiro, nas segundas este figurará como devedor originário não havendo limitação da

responsabilidade às forças da herança137. Neste último caso, pense-se no IMI cuja propriedade do

imóvel passa a ser do herdeiro e daí passando este a constar como sujeito passivo, ou de uma atividade sujeita a IVA que este continue a desenvolver com o falecimento do anterior sujeito passivo, ou de uma renda que este passe a auferir por morte do anterior senhorio. Aqui passará o sucessor a figurar como sujeito passivo originário pois o facto sujeito a imposto passa a ser praticado por este.

Relativamente ao valor do património herdado, ele responderá preferencialmente, face à Administração Tributária, quando esta se apresente como credora da herança, pelo menos, nos primeiros cinco anos, como se parece concluir pelo n.º 3 do art. 2070.º do CC quando se prevê que as preferências dos credores da herança face aos credores pessoais mantêm-se nos cinco anos subsequentes à abertura da sucessão ou à constituição da dívida, se esta é posterior, ainda que a herança tenha sido partilhada; e prevalecem mesmo quando algum credor preterido tenha adquirido garantia real sobre os bens hereditários.