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3.4 A burla ao instituto do estágio como estratégia

3.4.1 A responsabilidade imputada às partes infratoras

No que diz respeito à imputação de responsabilidades pela fraude, há de se considerar que, via de regra, são os agentes concedentes os demandados na Justiça do Trabalho para o reconhecimento do vínculo empregatício. Todavia, também há casos em que são buscados direitos dos agentes intermediadores dos estágios, de forma solidária aos concedentes.

265 OLIVEIRA, 2004. Op. cit., p. 152. 266 MACHADO. Op. cit., p. 32.

A fraude às normas tutelares constituem o ilícito trabalhista agasalhado no art. 9º da CLT,267 que prevê a nulidade do ato praticado com essa finalidade, possibilitando a

responsabilização solidária de todos os agentes que, em concurso, ensejaram o prejuízo do trabalhador travestido de estagiário.

Nascimento, em consulta apresentada pelo CIEE para definir as responsabilidades legais imputadas aos agentes de integração nos casos de desvirtuamento do estágio, afirma que “não é função legal atribuída ao referido agente de integração a verificação do desenvolvimento concreto de cada um dos estágios existentes em nosso País, nem haveria condições práticas para que tal exigência pudesse ser cumprida”.268

Assiste razão ao renomado doutrinador quando afirma não haver imputação

legal direta de responsabilidade por estágio irregular aos agentes de integração, já que

sua participação na relação jurídica é facultativa. Por outro lado, ousa-se defender, com apoio no argumento de Camino, que quando esse agente aceita participar do Termo de Compromisso do estágio, que depois se mostra desvirtuado, também atrai para si os mandamentos legais, assumindo, assim, responsabilidade solidária com a empresa e a escola, “se provado que também concorreu para a ilicitude”.269

Com o mesmo entendimento, José Roberto Dantas Oliva defende que, em caso de nulidade do contrato de estágio, verificando-se que a instituição interveniente participou da fraude ou negligenciou no dever de fiscalizar o correto desenvolvimento das atividades do estagiário, “poderá ela responder subsidiariamente pelos direitos trabalhistas eventualmente reconhecidos, pois terá atuado, na hipótese, como mera intermediária de irregular contratação de empregado (Súmula n. 331 do TST)”.270

Esse também vem sendo o entendimento manifestado nos Tribunais pátrios, como se pode conferir na decisão do TST que julgou o Recurso de Revista n. 00417- 2005-015-12-00-0 e manteve a condenação imposta pelo TRT da 12ª Região, na qual o Instituto Euvaldo Lodi de Santa Catarina foi condenado a pagar indenização, por danos 267 CLT. Art. 9º. “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou

fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.

268 NASCIMENTO, 2001. Op. cit., p. 51. 269 CAMINO. Op. cit., p. 631.

270 OLIVA, José Roberto Dantas. O princípio da proteção integral e o trabalho da criança e do adolescente no Brasil: com as alterações promovidas pela Lei n. 11.180, de 23 de setembro de 2005, que ampliou o

morais e materiais, a uma estagiária que adquiriu doença profissional no local de trabalho. O Tribunal Regional entendeu que “o recorrente, ao não acompanhar o trabalho, bem como o ambiente em que era desenvolvido, incorreu em culpa in

vigilando, donde emerge a sua responsabilidade pelo ressarcimento dos danos sofridos

pela estagiária”.271

Segundo Camino, o instituto, não raro,

encobre contratos de trabalho, não só pelo concurso doloso dos sujeitos-cedentes que nada mais querem do que contar com a força de trabalho sem os ônus sociais, como pela negligência das instituições de ensino, que se limitam a cumprir os requisitos formais, sem se preocuparem com o acompanhamento pedagógico, equiparando-se a meras intermediadoras de mão-de-obra.272

A autora sublinha, nesse caso, a responsabilidade das instituições de ensino nos casos de fraude. Defende, ainda, com fundamento no artigo 1.518 do antigo Código Civil, hoje com disposição contida no artigo 942 do novo Código, que “a responsabilização solidária da escola e do concedente é passível de ser admitida, sempre que demonstrado o conluio para a exploração pura e simples da força de trabalho do estudante”. E mais, afirma que “tal responsabilidade pode se estender, inclusive, ao agente de integração, se provado que este também concorreu para a ilicitude”.273

Contrariamente, Machado defende que à instituição de ensino não cabe qualquer responsabilidade pelos estágios irregulares ocorridos entre empresas e estudantes de seus cursos, entendendo que

a coordenação, supervisão e avaliação devem ocorrer quando se tratar de um estágio curricular, segundo o disposto na lei própria. O fato de que a escola informa o curso do aluno e o semestre freqüentado não poderia ter como conseqüência arrastá-la para o pólo passivo de uma reclamatória trabalhista, eis que trata-se de mera declaração ou atestado de matrícula. Não é a escola que se beneficia pelo serviço, nem que dá ordens ao estudante ou paga valores pelo serviço prestado.

271 RR n. 00417-2005-015-12-00-0. TST. 6ª Turma. Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga. Disponível em:

<http://www.tst.gov.br>. Acesso em: 09 abr. 2007.

272 CAMINO. Op. cit., p. 630. 273 CAMINO. Op. cit., p. 631.

Assim, não pode ser responsabilizada de forma alguma, nem solidária nem subsidiariamente. 274

Há que se discordar da autora nesse ponto, ainda que reconhecendo a dificuldade imposta às escolas a partir Resolução CNE/CEB n. 1, de 21.01.2004, já comentada, que imprimiu um caráter excessivamente aberto ao instituto do estágio. Como já defendido, a Lei define expressamente que é responsabilidade da instituição de ensino o planejamento, coordenação, acompanhamento e avaliação do instituto. E ainda que a prática aconteça de forma extracurricular, presume-se que a atividade foi assumida intencionalmente pela escola, já que concordou em assinar o Termo de Compromisso de estágio, que é o documento formal e caracterizador da relação jurídica, e não mero atestado.

E mais, o fato de o estágio ter sido intermediado pelo agente de integração, que é sujeito facultativo da relação jurídica, não afasta a responsabilidade da instituição de ensino no direcionamento do estágio e na sua fiscalização. Se a escola não tem condições de criar uma sistemática de controle e regulamentação dos estágios desenvolvidos pelos seus alunos, não deve, então, participar do Termo de Compromisso que é previsto na Lei n. 6.494/77.

Note-se, ainda, que uma vez descaracterizada a relação jurídica de estágio, nasce em seu lugar uma relação jurídica mercantil e a instituição de ensino deixa o seu papel de educadora e passa ao de intermediadora de mão-de-obra, o que se configura totalmente contrário aos objetivos do instituto e aos anseios constitucionais.

A crítica que se faz nesse aspecto diz respeito ao entendimento equivocado do Conselho Nacional de Educação, que, ao resolver que toda e qualquer atividade extracurricular “assumida intencionalmente” pela escola como um ato educativo, se revestirá, sempre, do caráter “curricular”, imprimiu um caráter aberto a essa prática de aprendizagem que a própria Lei especial e seu Regulamento desconhecem.275

274 MACHADO. Op. cit., p. 30.

275 Resolução CNE/CEB n. 1/2004. Art. 1º, § 1º: “Toda e qualquer atividade de estágio será sempre curricular e supervisionada, assumida intencionalmente pela Instituição de Ensino, configurando-se como um Ato Educativo”. (Vide comentários no Capítulo III, quando se tratou dos aspectos curriculares do contrato de estágio).

Assim, entende-se que não está afastada a responsabilidade da escola e do agente de integração, nos casos dos contratos de estágios serem burlados pelos agentes concedentes.

Por certo a prática de estágio, quando obedecidos os requisitos materiais previstos em Lei, se constitui em importante ferramenta para a formação e capacitação profissional do jovem para o mercado de trabalho. Mas justificar sua burla com argumentos que imputam exclusivamente a essa atividade o sucesso de determinados profissionais é, no mínimo, estratégia ardilosa de quem vê no instituto um meio de fraudar a legislação trabalhista.

É sabido, e os estudos realizados no próximo capítulo irão comprovar, que o sucesso profissional do jovem depende muito mais do seu nível de educação e escolaridade, do estrato social de onde é oriundo e da sua capacidade intelectual para compreender e interpretar determinadas tecnologias que, propriamente, da sua prévia experiência prática no mundo do trabalho. Se somente a experiência movesse os sistemas produtivos, e é evidente que elas são necessárias, não aconteceriam pesquisas e estudos destinados a criar ou descobrir aquilo que ainda não foi pensado.

Assim, o estágio, quando cumpre a finalidade de complementação do ensino e destina-se a apresentar ao jovem, in loco, a prática da profissão na qual pretende se desempenhar, deve ser aplaudido pela sociedade, pois em nada fere o direito do trabalho. Todavia, quando se disfarça de método pedagógico para encobrir autêntica relação de emprego, sem planejamento, acompanhamento ou avaliação da instituição de ensino e com pouca utilidade educacional para o jovem, deve ser repudiado pela sociedade e também pelo direito.

3.5 O convívio social como argumento versus a Proteção e a Primazia da