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A responsabilidade objetiva prescinde de culpa e se satisfaz

No documento 180rdj089 (páginas 105-112)

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2004031003394-7 Apelantes Serviços Hospitalares Yuge Ltda e outros

2. A responsabilidade objetiva prescinde de culpa e se satisfaz

apenas com o dano e o nexo de causalidade.

3. Toda pessoa que exerce alguma atividade e cria um risco de dano para terceiros deve ser obrigada a repará-lo, caso ocorra, ainda que sua conduta seja isenta de culpa.

4. O magistrado não precisa responder a todas as questões levantadas pela parte; encontrando fundamento suficiente para a decisão, dispen- sado fica de apreciar temas desinfluentes para o desate da querela. 5. Impõe-se ao autor o ônus de provar o fato constitutivo de seu di- reito. Não demonstrando suas assertivas, mister sejam considerados improcedentes os pedidos.

6. Os danos morais são indenizáveis e cumuláveis, se o caso, com eventual reparação por danos materiais. Entretanto, indispensável se demonstre o fato gerador da aludida indenização, que se há de amoldar ao preconizado no inciso X do artigo 5º, da Constituição Federal. 7. O quantum indenizatório para compensação de dano moral não se sujeita a regras preestabelecidas ou ao montante pretendido na peça vestibular. Deve prevalecer o bom senso do julgador, atento para a proporcionalidade entre a necessidade de reparação à vítima e a capacidade econômica do ofensor.

8. O magistrado deve, ao buscar o valor justo e ideal a título de repa- ração de danos morais, considerar, basicamente, as circunstâncias do caso, a gravidade do dano e a idéia de sancionamento do ofensor, como forma de obstar a reiteração de casos futuros. Apelo parcialmente pro- vido. Unânime. (20030750040811APC, Relator VALTER XAVIER, 1ª Turma Cível, julgado em 15/12/2003, DJ 26/08/2004, p. 56)

Igualmente decidiu o colendo STJ:

RESPONSABILIDADE CIVIL. Hospital. Santa Casa. Consenti- mento informado.

A Santa Casa, apesar de ser instituição sem fins lucrativos, responde

a obrigação de obter consentimento informado a respeito de cirurgia de risco, da qual resultou a perda da visão da paciente. Recurso não conhecido. (REsp 467.878/RJ, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 05.12.2002, DJ 10.02.2003, p. 222) (g.n.)

Suficiente não fosse. A responsabilidade objetiva do hospital emerge da falta de recursos para operar pronto-atendimento. Aliás, na sua apelação, o Hospital São Francisco insiste na tese de não estar autorizado a manejar pronto-socorro, razão pela qual deve ser afastada sua responsabilidade.

De plano, pode-se afirmar que a responsabilidade do hospital-réu é patente. Em primeiro lugar, porque restou comprovada a culpa da Dra. Roseane pelo evento danoso, insista-se. Fato esse que, por si só, é suficiente para configurar a subjacente responsabilidade objetiva do apelante, mormente porque a médica foi convocada pelo responsável do hospital na área. Em segundo lugar, porque os documentos nos quais lastreia sua tese de não autorização para operar pronto-socorro são contraditórios, não servindo a comprovar as alegações deduzidas.

No cadastro fiscal do Distrito Federal (fl. 733), consta a informação de que o hospital não dispõe de pronto-socorro, nem de unidades para atendimento a urgências. Outrossim, o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (fl. 734) evidencia, a título de

“código de descrição das atividades econômicas secundárias” que o recorrente estaria apto

a realizar atendimentos de urgência.

Se os referidos documentos são contraditórios quanto ao atendimento de urgência, do que sobressai a sua fragilidade, é evidente que não são idôneos a fazer prova do não atendimento em pronto-socorro. Por outro lado, segundo relato do perito (fl. 687), atualmente, há serviço de urgência 24h no hospital. Esse dado constitui indício de que também o prestava na época dos fatos. Inclusive, é bom lembrar que a autora foi atendida por médica plantonista.

Merece destaque, uma vez mais, a sentença recorrida, a qual evidencia que, mesmo atendendo em regime de pronto-socorro, o hospital-réu não contava com laboratório de análise em regime 24h:

Ainda deve ser ressaltada a responsabilidade do primeiro réu, pois em- bora prestasse atendimento de emergência, não dispunha de laboratório aberto em período integral, mas apenas durante a parte do dia, quando, segundo a Perícia, dentre os requisitos para que uma instituição hospitalar atenda emergências está a obrigação de manutenção de laboratório

com atendimento em período integral. No laudo o perito prestou esclarecimentos precisos sobre a questão, fl. 683/684.

Não assiste razão ao primeiro réu quando afirma que na data dos fatos não era obrigado a dispor desse tipo de atendimento, pois conforme res- saltou o i. Promotor de Justiça, embora no seu cadastro junto aos órgãos administrativos não estivesse previsto o atendimento de urgências, efe- tivamente prestava tais atendimentos, tanto que no seu cadastro junto à Receita Federal consta como atividade secundária, dentre outras, os atendimentos a urgências. Ora, se trata de hospital de grande porte,

os pacientes têm a justa expectativa de contar no local com toda a estrutura necessária para um correto e eficaz atendimento e tratamento, o que não ocorreu com a autora. (g.n.)

Perfeito o decisum.

Esclarecida a questão fática, passo à análise do capítulo em comum nos três recursos consistente na fixação do quantum indenizatório.

Nesse ponto, ab initio, imperioso realçar que o dano material tem por fundamento o fato de que a menor necessita e necessitará de amparo médico, de remédios e de alimentação especial pelo resto de sua vida. Por certo, está impossibilitada de trabalhar e, por consequência, de manter, por suas próprias forças, sua subsistência. Ademais, precisa de cama hospitalar e de instrumento que possibilite seja sua alimentação, com higiene e eficiência, realizada por terceiro.

In casu, os réus foram condenados a pagar pensão no equivalente a dois

salários mínimos mensais, a contar da data do evento danoso (11-01-2002), bem como uma indenização, no importe de R$ 11.000,00, para efeitos de aquisição de cama hospitalar e de bomba de infusão.

O valor da pensão mensal vitalícia mostra-se razoável, haja vista o grave estado de saúde da autora.

De igual modo, não deve alterado o termo a quo do pensionamento (data do evento danoso). “(...) o ato ou o fato que deu origem à indenização é que constitui o marco inicial para início do pagamento, se se tratar de pensão periódica (...)” (STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil, 6. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 1.294).

A exemplo do que foi dito anteriormente, tendo em vista a imprescindibilidade da cama hospitalar e da bomba de infusão, deve ser mantida a indenização respectiva em R$ 11.000,00.

Outrossim, também houve condenação, a título de danos morais, no montante de R$ 200.000,00, sendo que a médica somente responde solidariamente até o limite de R$ 30.000,00.

Impende ressaltar que o dano moral - a doutrina é assente e a jurisprudência, sedimentada -, é aferível in re ipsa, vale dizer, independe de inquietações anímicas e exteriores. Cito precedente:

PROCESSO CIVIL E CIVIL. ANOTAÇÃO INDEVIDA DO NOME DA PARTE NO CADASTRO DE INADIMPLENTES. DANO MORAL CARACTERIZADO. DESNECESSIDADE DE PROVA. INDENIZAÇÃO. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. O dano moral emerge da conduta lesionadora, prescindindo de prova. Para o homem de bem, ser considerado mau pagador constitui dano moral que merece ressarcimento. Para a fixação do quantum indeni- zatório devido a título de danos morais, a jurisprudência pátria tem consagrado a dupla função: compensatória e penalizante, bem assim que a referida verba deva ser arbitrada com moderação, evitando o enriquecimento sem causa. (20020110105852APC, Relator CAR- MELITA BRASIL, 2ª Turma Cível, julgado em 28/05/2008, DJ 16/06/2008, p. 82) (g.n.)

Volvendo-se os olhos para o caso concreto, o dano moral, indubitavelmente, surge da própria conduta dos requeridos, que causaram irreversíveis prejuízos à criança, impedindo-a de manter uma vida potencialmente saudável e normal. Enfim, o dano moral resta caracterizado.

Nessa esteira, a lição de Rui Stocco, in op. cit., p. 559-560:

O profissional médico responde, como ficou assentado nos itens precedentes, pelos atos intencionais ou culposos que pratica quando no exercício de sua atividade. Tanto o Código Civil quanto o Código de Defesa do Consumidor deixaram assentada a responsabilidade subjetiva do médico.

Mas dúvida não resta de que tanto esse profissional como qualquer outro, em razão da mesma ofensa ou gravame, podem causar danos a outrem. Esse dano tanto poderá ter expressão patrimonial como ex- trapatrimonial, ou seja, poderá ser de ordem material como imaterial ou moral, na consideração de que o dano é um só.

A Constituição Federal, ao consagrar a proteção da personalidade e da imagem da pessoa, esta como atributo daquela, assegurando o direito à reparação, não fez qualquer distinção, de modo que nem a lei inferior nem o intérprete poderá fazê-lo.

Significa que o médico, quando atua com culpa (em sentido estrito), ou seja, quando comete erro médico inescusável, tanto poderá causar dano de ordem material, lesionando a pessoa sob o aspecto físico ou impondo-lhe perdas materiais (lucro cessante e dano emergente), como poderá atingi-la moralmente, seja causando, no próprio ofendido, dor,

sofrimento, ofensa à imagem (afeamento, alteração na sua expressão ou aparência), angústia, solidão, depressão, ansiedade e tantos outros sofrimentos anímicos; seja atingindo, ainda, em caso de falecimento da vítima, os sentimentos e outras manifestações internas daqueles que lhe foram próximos.

Como se sabe, o itinerário a ser percorrido pelo hermeneuta para alcançar o

quantum debeatur a título de dano moral é sinuoso, exigindo a observância de algumas

balizas.

A Ministra Nancy Andrighi do colendo Superior Tribunal de Justiça sugere os seguintes critérios:

O grau de culpa do ofensor, suas condições econômicas, as consequ- ências e circunstâncias do evento danoso, o comportamento, idade e sexo da vítima, a gravidade da lesão, localização das sequelas, a permanência do sofrimento e, sobretudo, seus reflexos na readaptação do acidentado na vida social (REsp 318.379/MG, Rel. Min. Fátima Nancy, in DJ 04-02-2002).

Do Ministro Sálvio de Figueiredo, colhe-se a seguinte lição:

A indenização, como se tem registrado em diversas oportunidades, deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que venha a constituir-se em enriquecimento indevido, com manifestos abusos e exageros, devendo o arbitramento operar com moderação, proporcional- mente ao grau de culpa e ao porte econômico das partes, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso. Ademais, deve procurar desestimular o ofensor a repetir o ato (REsp 245.727/SE, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, in DJ 05/06/2000).

O Ministro Eduardo Ribeiro, por sua vez, faz a seguinte recomendação:

Não há critérios determinados e fixos para a quantificação do dano moral, devido à subjetividade que caracteriza o tema. Recomenda-se que essa seja feita com moderação, atentando-se para o nível sócio- econômico e para o porte da empresa, bem como para as peculiaridades do caso, pautando-se o magistrado pelo bom senso e pelos critérios

recomendados pela doutrina e pela jurisprudência (REsp 208.795/ MG, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, in DJ 23/08/1999).

Este Relator tem reiteradamente decidido que o quantum indenizatório, a título de dano moral, deve ser fixado de acordo com as circunstâncias específicas do evento danoso, com a condição econômico-financeira das partes e à gravidade da ofensa, sempre em sintonia com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, de maneira que seja atendido o caráter compensatório, pedagógico e punitivo da condenação, sem gerar enriquecimento indevido do lesado, nem se constitua incentivo à prática perpetrada pelo ofensor.

No caso dos autos, não se pode olvidar a severa violação aos direitos da personalidade da vítima. Hoje está impedida de agraciar-se das interações humanas, brincar, namorar, exercer uma profissão etc.

Sem perder de vista todos os aspectos ponderados ao longo deste voto, acredito ser complexa a tarefa de fixação do valor devido a título de danos morais; sopesando as peculiaridades do caso e os valores que vem sendo arbitrados pela jurisprudência, o valor fixado na sentença de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) é razoável.

Segundo se depreende dos autos, a Dra. Roseane não é afortunada; não dispõe de muitos recursos tão quanto a pessoa jurídica do Hospital São Francisco. A solução indicada pelo ilustre representante do Ministério Público, portanto, e acolhida pela Magistrada a qua, consistente na solidariedade da médica somente até o limite de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), se revela equitativa, uma vez que obedece ao princípio da isonomia.

No que tange aos juros de mora, na indenização por danos morais, cabível o início da contagem a partir da fixação do quantum indenizatório, ou seja, a contar da data da prolação da sentença recorrida; na indenização por dano material, o marco inicial dos juros moratórios é a última citação válida.

Por fim, do exposto, não há falar em aumento da verba indenizatória nos termos requeridos pela parte autora.

Ante o exposto, conheço dos recursos e nego-lhes provimento. É o voto.

Des. J. J. Costa Carvalho (Presidente e Revisor) - Do exame que fiz, quando da revisão, lendo e relendo detidamente os autos, a conclusão a que cheguei foi a mesma do eminente Relator, ou seja, a ilustrada sentença monocrática há que persistir.

Quanto ao acolhimento do pedido em si, as doutas razões lançadas na respeitável sentença não deixam quaisquer dúvidas de seu acerto. Quanto aos valores arbitrados à guisa de reparação dos danos morais e materiais, no particular, também não vejo por que repará-los, eis que bem sopesados.

Des. Angelo Passareli (Vogal) - Senhor Presidente, acompanho a egrégia Turma.

DECISÃO

Negou-se provimento a ambos os apelos. Unânime. ——— • ———

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005011032071-2

No documento 180rdj089 (páginas 105-112)