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A revelação em contexto laboral

No documento A homossexualidade e o mercado de trabalho (páginas 57-66)

CAPÍTULO 4- ANÁLISE E DISCUSSÃO DE RESULTADOS

4.4. A revelação em contexto laboral

Relativamente aos trabalhadores totalmente assumidos, identificam-se como tal 12, neste caso os Entrevistados 1, 2, 3, 5, 11, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20.

No que concerne ao modo como a revelação se deu, os mesmos declaram; “eu fui postando fotos com ela para que as pessoas à nossa volta também começassem… a desconfiar de alguma coisa (…) e depois… pronto uma pessoa vai ouvindo conversas e… surgiu naturalmente” (Entrevistada 5);

“em conversas eu começo a dizer “o meu ex namorado”… sai em tema de conversa normal” (Entrevistado 18);

“com o tempo fui falando normalmente… e as pessoas simplesmente aperceberam- se (…) foi muito subtil” (Entrevistado 19);

… testemunhos que mostram, conforme os estudos de Colgan et al (2007), que a revelação acontece de forma natural nas várias interações do dia-a-dia.

Todos os entrevistados salientam a importância da amizade com colegas e, ou, chefias, na sua tomada de decisão, destacando-se as seguintes afirmações,

“os meus colegas sabem que eu sou gay (…) temos uma relação perfeita, damo-nos todos muito bem” (Entrevistado 11);

“nós (colegas de trabalho) passamos mais tempo juntas do que propriamente com a nossa família, por isso nós acabamos por ser basicamente familiares umas das outras (…) acabei por ter sorte com as pessoas com quem estava a trabalhar (…) a minha supervisora sim também (sabe)” (Entrevistada 17);

“nós notamos que as pessoas nos aceitam (na empresa) toda a gente sabe, até o patrão sabe, portanto…” (Entrevistado 3);

“acho que, sem dúvida, as relações com as colegas de trabalho e mesmo com a entidade patronal são muito importantes para nós decidirmos se havemos de revelar” (Entrevistada 5);

“com os meus amigos (de trabalho) é totalmente à vontade quando surge o tema (…) sabe também a pessoa que está ao meu lado (mentor) e que me acompanha.” (Entrevistado 19);

... declarações que confirmam as premissas de Schneider (1986), Lewis (1979), Cain (1991) e Griffith e Hebl (2002), que focam a importância das relações de amizade no local de trabalho, tanto com colegas como com chefias.

Ainda sobre este tópico, os entrevistados salientam,

“se confiarmos nas pessoas que estão à nossa volta e nos sentirmos bem com elas, estamos mais predispostos a nos assumir…” (Entrevistada 5);

“à medida que vais criando confiança com as pessoas… acaba por sair naturalmente” (Entrevistado 16);

“a proximidade (com os colegas) ajuda claro, mas a honestidade acima de tudo” (Entrevistado 19);

“claro que, eventualmente, quem se dá comigo, vai ter de saber (…) as pessoas perguntam, querem-me conhecer…” (Entrevistado 16);

“acho que o que motiva é a necessidade de viver uma vida transparente e não mentir cada vez que alguém faz uma pergunta no sentido de perceber se se é solteiro ou não” (Entrevistada 20);

… testemunhos que confirmam, não só, as conclusões de Cain (1991) no que diz respeito à importância da confiança e proximidade, como também as de Colgan et al (2007), sobre o facto de, assim, se evitarem mentiras e rumores.

Além da amizade, os trabalhadores entrevistados enfatizam,

“considerei revelar porque também estou num meio onde sei que posso” (Entrevistado 3);

“na empresa onde estou assumi-me, pois sinto que as pessoas são civilizadas o suficiente (…) tenho um ambiente muito inclusivo” (Entrevistado 19);

… testemunhos que espelham o aludido por Schneider (1986) e King et al (2008) no que concerne a culturas organizacionais inclusivas e a sua importância para a “saída do armário”.

Relativamente às consequências, a generalidade dos trabalhadores afirma que a revelação teve repercussões positivas, nomeadamente do ponto de vista pessoal,

“quando me assumi no local de trabalho foi psicologicamente um alívio enorme, um… como é que eu posso explicar, uma paz interior…” (Entrevistado 2);

“é como tu tentares suster a respiração desde que nasceste e no dia em que contas, tu soltas o ar e começas a respirar, porque começas a viver (…) foi um bocadinho por aí, foi uma libertação, sinto-me mais aliviado” (Entrevistado 11);

“senti-me muito aliviada… mais feliz em tudo (… ) em termos de estabilidade emocional e psicológica, isso fez-me sem dúvida mais equilibrada (…) poderes, tipo, ser tu própria e teres à vontade e nem sequer estares a pensar no que vais dizer… só isso, já vale tudo” (Entrevistada 5);

“continuo a ser igual ao que era… se calhar até mais divertido” (Entrevistado 3); “comecei a falar mais, e a ser mais extrovertida (…) foi uma ajuda para eu me integrar, conseguir ser eu mesma (…) foi uma das melhores coisas que me aconteceu” (Entrevistada 17);

“deixei de viver uma mentira e passei a ser completamente eu; só podemos estar bem com as pessoas que gostamos se estivermos bem connosco” (Entrevistada 20);

… depoimentos que confirmam os factos expressos por Colgan et al (2007) e Bowleg et al (2008) sobre os resultados positivas da revelação, nomeadamente no bem-estar físico e mental, na confiança e auto-estima e numa maior liberdade e autenticidade do trabalhador.

Estas repercussões refletem-se, simultaneamente, ao nível profissional,

“houve pessoas que ao saberem disto conseguiram sentir abertura para falar comigo sobre certas coisas que normalmente não falam…” (Entrevistada 15);

“a pessoa começa de facto a interagir verdadeiramente com as outras e isso, até mesmo para níveis de trabalho, faz uma diferença abismal” (Entrevistado 18);

“a gente dizia mais piadas, estou sempre a brincar (…) fico mais descontraído, estou muito mais na boa” (Entrevistado 16);

“se não estás preocupado com mais nada, ter cuidado com a maneira como falas, o que dizes… claro que és mais feliz, mais produtivo” (Entrevistado 19);

… argumentos que asseveram os dados apresentados por Levine e Leonard (1984), Croteau e Lark (1995) e Day e Schoenrade (1997), que focam a existência de interações mais genuínas e aumento da produtividade, de trabalhadores assumidos como homossexuais no local de trabalho.

Contudo, apesar dos aspetos positivos enunciados, os entrevistados salientam que o facto de um trabalhador se assumir o poderá expor a episódios desfavoráveis,

“continua a ser um local em que tem várias pessoas, várias personalidades, várias formas de pensar e, como tal, quanto mais expões a tua vida pessoal, quem tu és… estás mais propício a ser julgado” (Entrevistada 15);

“eu cometo um erro… estou muito mais exposto a que a pessoa diga “aí porque isto porque aquilo, que é gay”… claro que sim, sem dúvida que pode ter uma grande influência, e negativa” (Entrevistado 2);

“é como se os que discriminassem tivessem então a certeza (…) enquanto a pessoa ainda está no armário, continua tudo muito na dúvida, na suposição…, mas quando a pessoa sai do armário, aí não há mesmo desculpas, é tipo, “ela própria o disse” (Entrevistado 18);

…e, de encontro a essa realidade, destacam-se 2 depoimentos em particular, que relatam episódios desfavoráveis decorrentes da decisão de “sair do armário” no local de trabalho. Apesar de considerar que a revelação lhe foi muito mais benéfica, o Entrevistado 18 enfatiza um momento profissional particularmente negativo,

“estava a voar com um colega que era novo na base… e nisto começamos a falar… e ele começa a mostrar, tipo, naquelas revistas “ai esta gaja é boa, esta gaja não sei quê”… e entretanto vem uma imagem de uma celebridade qualquer masculina… e eu começo a falar bem da pessoa e ele “ei mas és gay? fogo já me calei”e quase não falou mais para mim o dia todo (… ) até aí tudo bem, eram piadolas e etc, e a partir desse momento, acabou tudo” (Entrevistado 18);

… já o Entrevistado 1 refere que assumir-se como homossexual lhe foi tão prejudicial que, numa próxima experiência profissional, pondera não o fazer;

“quanto menos souberem de ti no mercado de trabalho… principalmente esse tipo de coisas, melhor (…) eu sentia-me tão corroído por aquela má energia que vinha deles (…) depois de ter um contacto mais longo com o mercado de trabalho, hoje em dia já não o faria, mesmo num setor que não fosse fábrica, que fosse médico, dentista... porque isso são armas que eles têm para te criar mau ambiente” (Entrevistado 1);

… realidades que vêm elucidar os dados de Levine e Leonard (1984), Croteau e Lark (1995), Croteau e Von Destinon (1994), quando referem que a revelação da orientação sexual em contexto laboral se poderá traduzir em tratamento desfavorável.

4.5. Proteção contra a discriminação e igualdade de tratamento

Partindo da análise das entrevistas, é possível constatar que, dos 21 trabalhadores entrevistados, apenas 6 referem que as empresas onde atualmente trabalham ou, no caso da Entrevistada 9, no passado trabalhou, são detentoras de políticas anti discriminação.

Os trabalhadores visados são assim os Entrevistados 2, 3, 14, 15 e 16, trabalhadores totalmente assumidos no local de trabalho e a Entrevistada 9 (que, no contexto profissional em questão era inteiramente assumida, não o sendo atualmente pela imposição do país onde se encontra, a Arábia Saudita).

Esta constatação vai assim de encontro às conclusões dos estudos de Driscol et al (1996) e de Burgees (1997), que relacionam a existência de políticas de proteção contra a discriminação a maiores índices de “coming out”.

Assim sendo, os trabalhadores entrevistados enfatizam a adoção de certas medidas por parte das organizações/entidades onde exercem ou, no caso da entrevistada 9, exercia funções;

“se eu falasse com algum superior sobre o facto de me estar a sentir discriminada por ser lésbica, medidas eram tomadas, eles fazem questão de… dizer que se nós tivermos algum problema… que nós podemos falar… e normalmente dão-nos um cartão com um número e com um email que nós podemos contactar se algo acontecer” (Entrevistada 9);

“nós assinamos um termo… toda a gente assinou, toda a gente leu, toda a gente sabe (…) até onde pode ir… havia uma sanção… ou uma coima, era assim um item qualquer” (Entrevistado 3);

“protocolos contra discriminação, existem… aliás, está nas normas da empresa… as pessoas são incentivadas… a acusar e são protegidas em relação a isso (…) pelo portal há sempre notícias… temos sempre aquele pequeno pop-up que diz “não tenhas medo de sofrer represálias ao assumires o que és…” (Entrevistada 14);

“eles têm algo tipo as five golden rules e a terceira é a inclusão, o respeito (…) qualquer tipo de discriminação, a mais pequena discriminação que seja, que possas imaginar, é… despedimento por justa causa na hora (…) não há cá reuniões não há nada, é… discriminação eles não toleram mesmo” (Entrevistado 2);

… factos que vêm confirmar as alegações de Friskopp e Silverstein (1996) e de Van den Bergh (2004) sobre a importância das medidas de proteção contra a discriminação para a manutenção de um ambiente de trabalho seguro.

Os entrevistados salientam ainda,

“nós temos uma orientação quando começamos, em qualquer hospital (…) não só pela orientação sexual das pessoas, mas por tudo…” (Entrevistada 9);

“toda a gente que entra na empresa tem uma formação sobre diversidade, incluindo a sexual e essa formação (…) força a ideia de “queremos algo que não discrimine, que não deixe ninguém desconfortável” (…) se fosse necessário fazer novas formações… são constantemente divulgadas” (Entrevistada 14);

“toda a gente tem uma formação obrigatória, é a empresa que te forma nesse sentido (…) e acho que os colaboradores acabam por entrar no espírito por assimilação (…) acaba por ser coletivo, depois vai para casa, de casa passa para os filhos, dos filhos para a escola…” (Entrevistado 16);

… argumentos que validam as conclusões de Williamson et al (1993) e Wrigth et al (2006) sobre organizações inclusivas que apostam em formações/orientações sobre diversidade, incluindo a sexual.

Outro fator, referido por uma das trabalhadoras, foca a existência de,

“pessoas especializadas (…) havia um psicólogo dentro dessa equipa… para lidar com este tipo de problemas, como a discriminação, qualquer que ela seja” (Entrevistada 9);

…constatação que vem sustentar o referido por Washington e Evans (1991) e que assenta na existência, nos locais de trabalho, de pessoas preparadas para lidarem com situações e episódios de discriminação.

Um dos entrevistados, atualmente a trabalhar numa multinacional, menciona ainda que,

“na Google patrocinam a Pride Parade… há um envolvimento, ou seja, suportam os direitos LGBT e é uma empresa totalmente aberta, quer dizer, tu vês pessoas na Google, homens, vestidos como mulheres (…) lá és o que tu quiseres, sê o que tu quiseres, dão-te liberdade total” (Entrevistado 2);

… sendo os eventos de socialização outra realidade referida pelos entrevistados, e que vai de encontro ao aludido por Van den Bergh (2004),

“todas as sextas feiras há uma festa… para os funcionários, e há uma delas, uma vez por mês que é estendida à família, a quem é “closer”… e as pessoas é que sabem quem é que querem trazer” (Entrevistado 2);

“nós no centro não somos só um grupo de trabalho (…) já houve um jantar… e a minha patroa disse “vamos jantar, mas tu falas com a tua namorada… ela também vai jantar connosco” (Entrevistada 5);

No que diz respeito à questão da igualdade de tratamento, no que concerne a benefícios profissionais, os trabalhadores entrevistados afirmam receber o mesmo que os restantes colegas, não sendo enfatizada nenhuma medida em particular.

No documento A homossexualidade e o mercado de trabalho (páginas 57-66)