• Nenhum resultado encontrado

A não revelação em contexto laboral

No documento A homossexualidade e o mercado de trabalho (páginas 53-57)

CAPÍTULO 4- ANÁLISE E DISCUSSÃO DE RESULTADOS

4.3. A não revelação em contexto laboral

A análise deste ponto foca os trabalhadores que se identificam como não assumidos, neste caso, os Entrevistados 6, 7, 12 e 21 e os que se posicionam como parcialmente assumidos, os Entrevistados 4, 8, 9, 10 e 13.

Quando questionados sobre os motivos dessa decisão, a maioria refere,

“poderia sofrer por parte da chefia (…) aconselharam-me a não dizer; não que fizesse

intenção..., mas depois de me dizerem isso, é que eu não tinha intenção de todo de me revelar” (Entrevistado 7);

“não faço questão de contar (…) muito menos à entidade patronal (…) não sei se seria uma coisa que eles iriam gostar muito” (Entrevistada 8);

“lá está estas coisas são coisas que se comentam (…) e pode chegar à boca de pessoas erradas” (Entrevistada 9);

“quando trabalhei na escola, fazia questão de os meus alunos não saberem… aliás, o meu maior problema iria ser mesmo… os papás e os professores… seria uma arma de arremesso” (Entrevistado 21);

… declarações que vêm confirmar as conclusões apontadas por Levine e Leonard (1984), Croteau e Lark (1995) e Ragins et al (2007), onde um dos principais motivos para que trabalhadores homossexuais permaneçam no armário, total ou parcialmente, se prende com o receio de virem a ser discriminados.

Além do medo da discriminação,

“o tipo de ambiente em que estava, que se já era hostil… só tens que pensar que com esse “carimbo” de negatividade na minha imagem ia ser muito mais desagradável” (Entrevistado 21);

“havia um…menino que trabalhava normalmente na caixa em frente… ele era assumidíssimo e… ele (patrão) dizia que ele era laricas… lá está, uma pessoa a ouvir isto se calhar pensa “nunca vou dizer” (Entrevistada 6);

“o meu ambiente é tudo rapazes, engenharia informática são mais homens que mulheres… e quando estou naquele ambiente obviamente não me sinto confortável em dizer (… ) havia de vez em quando umas piadas em que eu ficava a pensar “a típica piada de quem, quando souber, não vai ficar confortável com a situação” (Entrevistado 13);

… relatos que asseveram as conclusões de Conyers e Kennedy (1963), Croteau (1996) e Ragins (2008) de que a não revelação se encontra fortemente associada à perceção de climas hostis e, ou, heterossexistas.

Além do receio de discriminação e dos ambientes hostis, os entrevistados referem, “eu trabalho com uma rapariga que é brasileira e quase ninguém sabe o nome dela… é a brasileira, e é isso que eu não quero mesmo que aconteça; é rotular a pessoa pelo que ela é” (Entrevistada 10);

“por exemplo, numa organização, tu és o único de dez que é gay, e aquilo passa-te a definir, deixas de ter o teu nome (…) vai-te categorizar” (Entrevistado 21);

… factos que vão de encontro ao mencionado nos estudos de Becker (1963) e da Pride in Diversity (2013) onde, havendo conhecimento da orientação sexual dos trabalhadores, o mesmo seja motivo para os “catalogar”.

Contudo, três entrevistados em particular salientam que a sua decisão, no que à gestão da identidade diz respeito, é uma opção estritamente pessoal,

“para mim o meu trabalho é isso, eu chego, faço o meu trabalho e vou-me embora” (Entrevistado 4);

“no trabalho, nunca senti… não é obrigação…tipo, não acho que seja uma coisa… importante para o meu trabalho (…) não preciso propriamente de estar ali … a contar a história da minha vida, não faço questão…” (Entrevistado 7);

“não acho que seja necessário, não tenho que andar com um cartaz a dizer o que sou e o que não sou… não tenho a necessidade de estar a expor a minha vida a ninguém” (Entrevistado 12);

... afirmações que se coadunam com as de Bohan (1996), onde a decisão em permanecer no armário, total ou parcialmente, possa ser apenas por decisão pessoal.

Quanto às estratégias adotadas, os trabalhadores referem,

“sentia necessidade de mentir (…) era uma maneira de me defender, porque infelizmente uma pessoa tem que ter esse tipo de mecanismos” (Entrevistado 12);

“já fui (atriz) e já inventei nomes e já inventei histórias… tu escondes, e depois inventas uma mentira… a seguir inventas um nome” (Entrevistada 10);

“quando perguntam se eu tenho alguém, eu tenho que mentir (…) principalmente quando me perguntam “estás numa relação” ou “qual é o nome dele”… tenho que mentir, digo que tenho namorado” (Entrevistada 6);

… depoimentos que aludem aos dados de Woods e Jay (1993), Ragins e Cornwell (2001) e da Out Now (2018), que constatam a necessidade que os trabalhadores homossexuais têm em mentir e fabricar aspetos relativos às suas vidas, como forma de proteção.

Além da mentira e fabricação da identidade, a literatura aponta ainda para uma outra estratégia, ocultar/evitar informações de cariz pessoal,

“normalmente falava ‘A pessoa’, não falava em género, ele ou ela; acabo por falar da minha vida pessoal, mas acabo por não dar pormenores”(Entrevistada 9);

“a minha estratégia geralmente é: fazem uma pergunta, hum, que me podia revelar, mas não é direta ao assunto… dou uma resposta sem dar mais informação” (Entrevistado 13);

“(a estratégia) é evitar perguntas, ou então tentar fugir a elas; é arranjar uma manobra de diversão que fuja à pergunta” (Entrevistada 10);

... testemunhos elucidativos das estratégias mencionadas por Herek (1996) e Messinger e Topal (1997), e que passam pela cautela com todo o tipo de interações, desde neutralizar o género do parceiro a evitar abordagens mais comprometedoras.

Segundo os resultados apontados por Chrobot-Mason et al (2001), Barreto et al (2006) e Critcher e Fergunson (2011), a constante necessidade em encobrir aspetos da vida pessoal refletir-se-á numa diminuição da performance e do rendimento profissional, facto que não se verifica em nenhum dos depoimentos dos entrevistados.

Apesar da “proteção” que permanecer no armário lhes confere, os testemunhos evidenciam consequências negativas, não na vertente operacional, mas sim ao nível pessoal;

“se calhar sou menos espontânea… não sou tão eu, fico triste, no fundo sim, porque pronto passo ali 8h do meu dia e são 8h que eu se calhar não… não estou a ser como sou” (Entrevistada 8);

“às vezes, hum, sinto falta de não puder ter uma conversa mais aberta porque não quero estar a expor esse… esse meu lado… deixa-me um pouco apreensivo…” (Entrevistado 7);

“nunca te sentes completamente à vontade porque não estás a partilhar de igual forma” (Entrevistada 10);

... realidades que se coadunam com as constatações de Ellis e Riggle (1996), Day e Schoenrade (1997) e Beatty e Kirby (2006), que salientam a desfragmentação da identidade e os sentimentos de solidão e alienação como consequências do encobrimento da orientação sexual em âmbito laboral.

“eu tinha noites tranquilas, agora tenho pesadelos todas as noites” (Entrevistada 9); “é uma pressão de tu teres medo que alguém descubra… de te descaíres, das histórias não baterem certo… é um desgaste emocional porque acabas por não poderes… contar com as tuas emoções… não lidares com elas simplesmente” (Entrevistado 21);

“ansiedade, ainda hoje sofro, acho que vou sofrer toda a minha vida (…) ataques de pânico por exemplo, tive alguns (…) posso-te dizer que fui mesmo tratado para a depressão (…) ideias suicidas (…) tens uma pressão de ter uma vida dupla, de não saberes o que acontece se souberem” (Entrevistado 21);

… dados que elucidam os sintomas físicos e psicológicos referidos por Cole et al (1996) Frable et al (1998), e que poderão ir desde ansiedade, a perturbações ao nível do sono, depressão e até intenções de suicídio.

No documento A homossexualidade e o mercado de trabalho (páginas 53-57)