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Estratégias adotadas e consequências

No documento A homossexualidade e o mercado de trabalho (páginas 30-34)

2.4. A não revelação ou permanecer no armário

2.4.2. Estratégias adotadas e consequências

Segundo Griffin (1992), para se evitarem situações negativas em âmbito laboral, mentir ou ocultar aspetos da vida privada são as estratégias comuns e mais adotadas (Herek, 1996).

Segundo Ragins e Cornwell (2001), falseando e mentindo sobre a identidade, o trabalhador concede, a quem se encontra em seu redor, de forma consciente e deliberada, informações falsas sobre si criando, deste modo, um novo “eu”.

O estudo de Woods e Jay (1993), dirigido a 70 trabalhadores do sexo masculino espelha esta realidade pois, dos entrevistados, 21% afirmam terem sentido, em contextos profissionais anteriores, a necessidade de fabricarem a identidade (Ragins & Cornwell, 2001), realidade também exposta no estudo divulgado pela Vodafone, onde é possível constatar que 57% dos inquiridos já sentiram, diversas vezes, a necessidade de falsear informações sobre si no trabalho (Out Now, 2018).

Partindo dessa premissa, segundo Day e Schoenrade (2000), as situações em que a fabricação da identidade poderá ocorrer com mais frequência são, por exemplo, em momentos de socialização, trabalhadores homossexuais se fazerem acompanhar por pessoas do sexo oposto, fazerem menção a relações fictícias, ou tecerem comentários heterosexistas para se sentirem “enturmados” (Ragins & Cornwell, 2001).

Todavia, segundo Herek (1996), outra estratégia muito comum é, antes, ocultar informações da vida pessoal, havendo assim um cuidado redobrado com todo o tipo de interações do dia-a-dia (Day & Schoenrade, 2000).

Segundo Messinger e Topal (1997), neutralizar o género do parceiro, distanciarem- se de certas conversas e evitarem temas que envolvam relacionamentos são algumas das táticas que estes trabalhadores mais adotam (Gates & Viggiani, 2014).

Contudo, optar pela aparente “proteção” que permanecer no armário confere, principalmente no que toca a evitar situações de discriminação e tratamento diferenciado, não é uma opção que se possa considerar inteiramente benéfica (Herek, 1996).

Barreto, Ellemers e Banal (2006) referem que, ocultar a orientação sexual no local de trabalho, é uma decisão que se encontra associada a uma diminuição da eficácia e produtividade organizacionais (King & Cortina, 2010).

Esta constatação também é feita no estudo de Critcher e Fergunson (2011) onde, no desempenho de tarefas de raciocínio espacial, ocultar a identidade se repercutiu em performances mais pobres (Everly, Shih & Ho, 2012), e no inquérito de Chrobot-Mason, Button e DiClementi (2001) que salientam a negatividade no desempenho de trabalhadores que recorrem a estratégias de disfarce e encobrimento da vida pessoal (King & Cortina, 2010)

Segundo Ellis e Riggle (1996), Beatty e Kirby (2006) e Day e Schoenrade (1997), a necessidade de, constantemente, encobrir ou falsear a identidade perante terceiros poderá ainda repercutir-se numa espécie de desfragmentação da identidade, inautenticidade do “eu” e em sentimentos de alienação (King & Cortina, 2010).

Gross e Levenson (1993) e Pennebaker (1993) salientam ainda a correlação entre a inibição de estados emocionais e alterações ao nível da saúde física e mental.

Deste modo, a não revelação poderá aumentar as possibilidades de desenvolvimento de sintomas físicos e psicológicos que, como referem Frable, Platt e Hoey (1998), e Cole, Kemeny, Taylor e Visscher (1996), poder-se-ão manifestar em episódios de sono agitado, crises de choro, depressão e intenções suicídas (Smart & Wegner, 2000).

Havendo assim um maior conhecimento sobre as motivações e consequências da não revelação, veremos a questão de outro prisma: o que motiva um trabalhador a assumir-se em âmbito laboral e quais os principais resultados inerentes a essa decisão.

2.5. A revelação da homossexualidade em âmbito laboral

Os trabalhadores que decidem revelar a orientação sexual, optam pelo caminho do coming out, abreviação do termo coming out of the closet, que corresponde à afirmação pessoal de um cidadão em assumir a sua homossexualidade ou identidade de género, neste caso, em âmbito laboral (Vincke & Bolton, 1994).

Muitas vezes existe a ideia errónea de que a revelação da homossexualidade diz respeito a uma situação única na vida destes cidadãos.

Não é, de todo, uma etapa singular, mas, antes, um processo de vida contínuo de entendimento, aceitação e autoconhecimento. Poder-se-á dar em diferentes idades e situações, perante muitas ou poucas pessoas… dependerá das circunstâncias e é um processo que raramente termina; pode-se mesmo afirmar que chega a ser vitalício (Ferreira & Siqueira, 2007).

2.5.1. Quais os motivos?

Segundo Colgan, Creegan, McKearney e Wright (2007), a revelação da homossexualidade em contexto profissional dá-se, na maioria das vezes, de forma subtil, no decurso de conversas sobre aspetos da vida pessoal (Brandão, 2013).

E os fatores que motivam um trabalhador a se assumir em âmbito laboral são, segundo Griffith e Hebl (2002) as relações de amizade e a existência de ambientes organizacionais inclusivos.

Estas duas motivações são também referidas por Cain (1991) que foca a importância da amizade e apoio de colegas e chefias e por Schneider (1986) que, além da amizade, destaca a importância das políticas organizacionais (Ragins, 2008).

No que concerne às relações interpessoais, o estudo divulgado pela Vodafone permite constatar que 59% dos entrevistados, inicialmente contra a revelação da homossexualidade no local de trabalho, reverteriam essa posição caso as relações de amizade se fossem fortalecendo (Out Now, 2018).

Segundo Cain (1991), trabalhadores gays e lésbicas assumem-se, primeiramente, a quem lhes é mais próximo e mediante o nível de confiança existente revelando, posteriormente, a sua identidade a outros (Derlega, Metts, Petronio & Margulis, 1993; Ragins & Cornwell, 2001).

Schneider (1986) e Lewis (1979) concluem que são os colegas de trabalho e, em alguns casos, as chefias, os primeiros a saberem, pois são eles as pessoas mais próximas ao trabalhador nas interações diárias (Tejeda, 2006). Muito embora a vida privada de cada um possa ser considerada um assunto à parte do trabalho, com o convívio do dia-a-dia acaba, naturalmente, por poder fazer parte dele (Gedro, 2009).

Deste modo, a honestidade e a confiança passam a representar valores centrais que, de acordo com Cain (1991) serão motrizes para a revelação, uma vez que as relações de amizade nunca serão totalmente verdadeiras se existirem segredos (Herek, 1996), opinião

também partilhada por Colgan et al (2007), que salientam a necessidade de, assim, se evitarem mentiras e rumores, em prol de relações sociais mais genuínas.

Além da amizade, segundo King et al (2008), outro fator preponderante na tomada de decisão dos trabalhadores em se assumirem, prende-se com a existência de ambientes organizacionais inclusivos.

E, neste caso, por ambientes organizacionais inclusivos, destacam-se aqueles que adotam e promovem políticas de proteção contra a discriminação e igualdade de tratamento, conclusão que se repercute em vários ensaios que relacionam organizações inclusivas a maiores índices de coming out (Cox, 1994; Ragins & Cornwell, 2001).

Num estudo focado em 123 trabalhadoras lésbicas, Driscol, Kelley e Fassinger (1996) concluem que a revelação da homossexualidade foi significativamente superior em organizações consideradas inclusivas (Beatty & Kirby, 2006), conclusão também presente no estudo de Burgees (1997) onde, entrevistando trabalhadoras do sexo feminino, constata que o coming out é superior em trabalhadoras cujos locais de trabalho detêm medidas de proteção anti discriminação (Tejeda, 2006).

2.5.2. Principais consequências

Segundo Day e Schoenrade (1997), trabalhadores gays e lésbicas que se assumam como tal no local de trabalho apresentam maiores índices de satisfação e comprometimento organizacionais, conclusões também referidas por Levine e Leonard (1984) e Croteau e Lark (1995), quando constatam que trabalhadores homossexuais assumidos experienciam um aumento dos níveis de satisfação e produtividade.

Tudo isto pelo facto de, ao não haver uma vida “dupla”, o trabalhador não desperdiçar tempo e energia diários a tentar ocultar aspetos pessoais, focando-se mais no desempenho das suas funções (Griffith & Hebl, 2002)

De acordo com Colgan et al (2007), os benefícios da revelação passam ainda pelo aumento da auto estima e confiança, conclusões também partilhadas por Bowleg, Brooks e Ritz (2008) que concluem que a revelação da homossexualidade se repercute num maior bem- estar físico e mental, mais felicidade e autenticidade nas interações (Gates & Viggiani, 2014).

Indo de encontro a este pressuposto e, de acordo com um ex diretor da multinacional Goldman Sachs Group, trabalhadores assumidos são mais saudáveis e produtivos, se puderem ser eles próprios no local de trabalho (Bowleg et al, 2008).

Atualmente, o grande destaque na questão da revelação da orientação sexual em contexto laboral vai para Tim Cook, CEO de uma das mais valiosas marcas do Mundo, a Apple, que enfatiza “muitos colegas na Apple sabem que eu sou gay e isso nunca fez qualquer diferença na maneira como sou tratado por eles (…) tenho a sorte de trabalhar numa empresa que adora a criatividade e que sabe que esta apenas pode prosperar quando as diferenças entre cada um são aceites. Nem todos têm essa sorte” (Cook, 2014, p. 1).

Além do CEO da Apple, outros grandes líderes se destacam; de entre os mais influentes empresários homossexuais assumidos, podemos aludir a John Bowne, ex-diretor da multinacional BP, Claudia Brind-Woody, vice-presidente da IBM, Christopher Bailey, ex- presidente da Burberry, Robert Greenblatt, presidente da NBC Entertainment, Michael Sam, jogador profissional de NFL, e o português António Simões, chefe executivo do banco HSBC (Barbosa, 2012).

Mas, apesar do demonstrado pela literatura até aqui analisada, assumir a orientação sexual em contexto de trabalho poderá comportar, por outro lado, consequências negativas para os trabalhadores homossexuais

Segundo Croteau e Lark (1995) e Croteau e von Destinon (1994), trabalhadores que optem por se assumir encontrar-se-ão numa situação vulnerável e, consequentemente, mais propícios a vivenciarem episódios discriminatórios e de estigmatização, conclusão também apontada no estudo de Levine e Leonard (1984), onde a revelação da homossexualidade, de trabalhadoras lésbicas, se traduziu num aumento de atos de hostilidade e conflitos com colegas (Ragins & Cornwell, 2001).

No documento A homossexualidade e o mercado de trabalho (páginas 30-34)