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A SAÚDE COM ENFOQUE DA PSICOSSOMÁTICA

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Ernesto Che Guevara

Capítulo 1 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.6 A SAÚDE COM ENFOQUE DA PSICOSSOMÁTICA

A seguir um breve histórico sobre conceitualização da psicossomática e a visão da saúde ocupacional com o enfoque bio–psico–social.

1.6.1 Cronologia da difusão da Psicossomática

O grego Hipócrates (460 – 377 a.C.), considerado o pai da medicina, sustentava que a boa saúde depende do equilíbrio entre o que se acreditava serem as quatro substâncias essenciais ao organismo – as biles amarela e negra, a fleuma e o sangue. Muita bile negra, por exemplo, levaria à depressão. Havia também descrito no “Corpus

Hippocraticum” textos atribuídos a Hipocrates, que a saúde era resultado da harmonia

entre hábitos físicos, sociais, mentais e sua inter relação com o meio ambiente (FONTES, 1995; VOLICH, 2000).

O médico Galeno (129 – 216 d.C.) defende a teoria de que as paixões, como a tristeza, a raiva, a luxúria e o medo, constituem doenças e deveriam ser diagnosticadas e tratadas como tais (VOLICH, 2000).

Sob as influências tecnológicas das descobertas entre os séculos XVI e XVII, a medicina passa a “fatiar” o corpo em diferentes sistemas, valorizando as estruturas orgânicas em detrimento da experiência subjetiva. Inventam-se muitos dos equipamentos médicos usados até hoje, como o microscópio. Em 1676, o holandês

Antonie van Leeuwenhoek fez a primeira descrição de uma bactéria. Pela primeira vez também comprovasse que alterações anatômicas estão associadas a algumas doenças. A boa saúde parece não depender em nada das emoções (VOLICH, 2000).

Segundo Fontes (1995), Koch e Pasteur em 1876 tinham uma concepção do corpo humano segundo uma visão newtoniana – cartesiana, ao dar ênfase à etiologia específica das doenças. Essa visão da época pode-se explicar devido aos vários impedimentos que a ciência sofreu na Idade Média por parte da Igreja Católica, quando a ciência se dissociou - se da religião, surgiram teorias que sem dúvida revolucionaram a ciência porém tendiam a essa visão newtoniana – cartesiana que não tratava do ser humano somente da doença. Essa visão, que é a visão biomédica e perdura em muitas

áreas das ciências da saúde até hoje ignorando que as partes isoladas já não explicam a

dinâmica dos sistemas complexos.

Já no século XIX, o psiquiatra alemão Johann Cristian August Heinroth foi um dos primeiros a usar o termo “psicossomático”. Para ele ao contrário do que pregavam seus colegas, a história pessoal de cada paciente é essencial para o sucesso de um tratamento. No livro Desordens da Alma, de 1818, Heinroth defendeu que as paixões sexuais contribuíram para a manifestação de tuberculose, epilepsia e câncer (VOLICH, 2000).

Na virada do século, o neurologista austríaco Sigmund Freud criou a psicanálise. Ele próprio não se ocupava particularmente do efeito dos fatores psicológicos nas doenças orgânicas, mas seus estudos tiveram grande influência na estruturação da medicina psicossomática. Ao debruçar sobre a histeria, Freud buscou compreender o peso do psíquico nas manifestações somáticas (VOLICH, 2000).

Na década de 20 o fisiologista americano Walter Cannon, professor da Universidade de Harvard, foi o primeiro a demonstrar, em animais, o impacto do stress sobre o organismo. Ele chamou essa cascata de eventos de “síndrome da fuga e luta”, o conjunto de reações disparadas pelo organismo em situações de perigo ou de pressão.

Alguns anos mais tarde, o fisiologista austríaco Hans Seyle estabeleceu pela primeira vez os efeitos deletérios do stress em seres humanos (MELLO, 2000).

Vários psicanalistas europeus emigraram para os Estados Unidos. Entre eles o húngaro Franz Alexander. Discípulo de Freud, ele foi o responsável pela inclusão do estudo da psicanálise em cursos de medicina. Para Alexander, muitas doenças resultam da repressão dos afetos (VOLICH, 2000).

Nos últimos anos da II Guerra Mundial, durante a batalha de Anzio, na Itália, o anestesista americano Henry Beecher percebeu que alguns soldados não precisavam de morfina para o alívio da dor. Ao receberem injeções de uma solução salina, acreditando ser morfina, os combatentes paravam de sentir dor. Beecher criou então o termo “efeito placebo”, considerado uma das grandes provas de sugestão do cérebro no tratamento de doenças (VOLICH, 2000).

Na década de 50 ganhou impulso a teoria de que eventos, como morte de um parente, divórcio ou demissão, podem desencadear perturbações psicossomáticas (VOLICH, 2000).

Nas décadas de 70 e 80 surgiu a psicoimunologia, linha de pesquisa que investiga as interações entre comportamento, funções neurais e sistema imunológico. Até então não se acreditava numa ligação entre sistema imunológico e nervoso central (VOLICH, 2000).

Na década de 90, com o surgimento das máquinas que são capazes de flagrar o cérebro em pleno funcionamento, conseguiu-se verificar que as emoções e as sensações são fenômenos físicos, que ocorrem em lugares específicos do cérebro. Para a desilusão dos metafísicos a ligação mente – corpo não é etérea, mas quase palpável. O físico inglês Francis Crick, o gênio da dupla Crick – Watson que descobriu a forma de hélice do DNA deu um passo gigantesco na aproximação corpo e mente. Crick classificou os pensamentos e emoções de acordo com as ondas cerebrais que produziam. A alegria e a

tristeza o doce e o amargo, o claro e o escuro são registros que produzem ondas cerebrais tão distintas quanto as impressões digitais. De todas as medidas de Francis Crick, a mais estupenda foi a da freqüência da onda que o cérebro dos seres humanos utiliza para definir a consciência – ou seja, a individualidade, o dom de saber que você

é você o outro é o outro. A auto consciência, descobriu Crick, é expressa por ondas

cerebrais de 40 hertz. Em experimento de laboratório Crick conseguiu algo antes inimaginável. Com a ajuda de eletrodos, “banhou” o cérebro de alguns voluntários com ondas de 40 hertz de picos invertidos. As ondas simétricas que os eletrodos injetaram no cérebro dos voluntários anularam as ondas da auto consciência, apresentando como resultado a anulação das ondas de auto consciência dos voluntários, que continuaram com as mesmas habilidades mentais que possuíam (jogar xadrez ou falar idiomas por exemplo), mas não mais sabiam quem eram. Seu “eu interior” com toda riqueza de amores e emoções foi momentaneamente anulado por um mero impulso elétrico externo (FONTES, 2000).

No ano 2000, um estudo publicado na revista Nature sugere novas pistas de como o organismo combate as infecções. Cientistas descobriram o papel do nervo vago na modulação de processos inflamatórios – ele se comunica com as células do sistema imunológico e regula a produção de citosinas, as moléculas que carregam a mensagem de que é preciso combater uma infecção. O vago é o principal nervo do sistema nervoso autônomo parassimpático, responsável pela troca de informações entre o cérebro e o restante do organismo (VOLICH, 2000).

Hoje com os exames de neuroimagem, que permitem flagrar o cérebro em plena atividade, firma-se a relação entre funcionamento cerebral e a manifestação e a recuperação de várias doenças (VOLICH, 2000).

1.6.2 A Psicossomática e a Saúde Ocupacional

Ao reportarmo-nos ao século 19, é possível verificar, através das obras de Foucault (1998; 1979) e Herzlicch & Pierret (1987), o início da ruptura que se estabeleceu no saber médico e que transformou o sujeito em paciente. Com o advento

da medicina científica, novas formas de conhecimento e novas práticas institucionais tornaram o paciente desvinculado do seu sofrimento. Nessa época, para conhecer a

“verdade do fato patológico”, o médico precisou abstrair o sujeito, pois sua disposição,

temperamento, fala, idade, modos de vida perturbavam a identificação da doença, segundo o desenho nosográfico preestabelecido. Com base em uma formação mecanicista, o papel dessa lógica médica era neutralizar essas perturbações, manter o sujeito distante para que a configuração ideal da doença aparecesse aos olhos do médico, no abismo que se instaurava entre eles.

Nessa nova racionalidade, o olhar clínico foi dirigido para o corpo, representado como lugar da doença. Houve um quase silenciamento do paciente que, em vão, tentava falar de seu sofrimento e daquilo que imaginava ser o seu mal. A doença foi retirada de sua metafísica da maldade, da qual tinha sido parte durante séculos e passou a ocupar um estado corporal que permitiu sua leitura pela ciência. Ao instaurar o fim de uma concepção religiosa e individual da doença, acabou-se tamponando as reações de sofrimento do sujeito diante das adversidades ou fragilidade da vida. Os sintomas assumiram os significados de determinantes naturais das doenças, deixando de lado a articulação entre o sujeito e o sofrimento. Assim, os sintomas deixaram de ser representados como tentativa de solução de um conflito, de uma reconciliação do ser, que habita o mundo da vida e é por ele habitado. Perdida a sua condição de “um bem” do sujeito, o sintoma passou a se figurar apenas como sinal de uma patologia. O sujeito, banido da cosmologia médica, deu lugar ao paciente, representado como um conjunto de órgãos e tecidos. Em suma, essa lógica lançou as bases para a construção da identidade do doente (MINAYO – GÒMEZ; BRANT, 2004).

No campo da “saúde mental”, o exercício da prevenção pode ser considerado historicamente falido. No entanto, as noções de sujeito universal e de predição controlada do comportamento – que sustentam as práticas preventivas – permanecem firmes e continuam fundamentando teorias e intervenções nos campos da saúde e do trabalho. Prevenção implica “prédizer”, imaginariamente, a existência de uma doença no horizonte e dos mecanismos para evitá-la. Assim procedendo, a medicina fornece elementos lingüísticos para uma comunidade nomear, com vocabulário médico, situações pertencentes ao seu universo cultural (Costa, 1989). É nesse sentido que se pode entender o encaminhamento de um trabalhador, que se apresenta triste ou com

medo, à assistente social, que por sua vez o conduz ao médico do trabalho que o dirige, preventivamente, para o psiquiatra. Nossas observações indicam como prática mais comum, que esse sujeito receba o diagnóstico de depressão, de fobia ou paranóia acompanhada de uma prescrição medicamentosa. Dessa forma, dimensões contingentes

à existência humana vêm sendo diagnosticadas como transtornos psiquiátricos.

O que sinaliza a necessidade de conceder especial atenção ao papel dos contextos na produção de teorias e práticas de atenção à saúde, de modo que não venhamos a reproduzir, no interior das empresas, os erros e equívocos cometidos em nome da ciência e da saúde.

O profissional da saúde, como portador de um interesse disseminado em um discurso reconhecido e munido das prescrições dos códigos de ética da sua profissão, não deixa de ser um estranho diante do trabalhador. Este último, mesmo sendo aquele que faz a demanda da intervenção do profissional, é habitualmente um “inocente”, pois desconhece os destinos que tomará o seu sofrimento manifestado (BRANT, 2001).

Uma “psiquiatrização” da medicina permite que práticas e saberes psiquiátricos forneçam os critérios de uma nova percepção da enfermidade, da terapêutica e da cura, principalmente devido às causas psicológicas no campo das doenças somáticas (VERTHEIN; MINAYO – GÓMEZ, 2001).

Esse deslocamento da doença como um mal que se apropriava do corpo, para uma enfermidade compreendida a partir das relações intersubjetivas e sociais, foram os elementos básicos para a condição de possibilidade da psicossomática, quando o discurso psicológico passou a somatizar as dores do corpo pelas emoções (VERTHEIN; MINAYO – GÓMEZ, 2001).

Um marco na caracterização da vida, no século XIX, foi à vinculação entre saúde e capacidade para o trabalho. Segundo Herzilich (1986, p.206), essa associação não correspondeu a um movimento natural, mas a um processo sócio-histórico que fez emergir no campo da medicina uma nova conceituação de saúde como o avesso da

doença. A doença, segundo a autora, passou a ser “uma condição socialmente reconhecida e legítima de inatividade”. Assim a partir dessa data, criou-se a necessidade de restaurar o corpo-trabalho para atender ao processo produtivo.

A possibilidade de o corpo ser inscrito no registro do inútil surge com a emergência do corpo como foco do mal, datada do século XVIII. Nessa época, há um deslocamento importante da espacialização e da verbalização na prática médica em relação ao que ficou caracterizado como saúde e doença, quando o corpo é assegurado como espaço para a leitura médica. Foucault (1986) irá mostrar que o olhar sobre o corpo, local do bem e do mal, é fundador do indivíduo. Assim, “torna-se possível organizar em torno dele uma linguagem racional... poder-se-á, finalmente, pronunciar sobre o indivíduo um discurso de estrutura científica”. Esse discurso irá compor dois movimentos: de um lado, o corpo como objeto de conhecimento e, de outro, uma linguagem que fala desse conhecimento sobre o ser, a partir de uma nosografia política aderente ao contexto social da época.

Vemos emergir no século XVIII o que será ratificado nos séculos seguintes: a associação entre saúde/trabalho e corpo/doença. O discurso científico tornará a pobreza

útil, partindo dessas associações como critérios de diferenciação populacional: “bons e

maus pobres, ociosos voluntários, desempregados, involuntários, os que podem fazer determinados trabalhos e os que não podem” (FOUCAULT, 1994; p. 196). A saúde constituirá uma proposta de poder político, agenciando não só a manutenção da força de trabalho, mas também a produção de bens e de homens para e evolução do processo produtivo. É o esboço do projeto de uma tecnologia da população que será garantida pela prática médica. A doença entendida no sentido de inatividade tem, no corpo, o espaço analisável que leva à “volatilização da doença”, à representação de “um meio corrigido organizado e incessantemente vigiado” (FOUCAULT, 1994, p.35).

Essa prática de política médica (Rosen, 1979), em que o médico aparece como agente de polícia, servindo de instrumento de controle dos excessos do corpo, foi refinada e institucionalizada: passa a administrar todas as atividades para o bem-estar, a intervir em educação, supervisionar hospitais, prevenir e controlar epidemias. A representação da superfície corporal e dos seus orifícios como extremamente vulneráveis produziu o afastamento e a dessensibilização em relação ao outro. O

paroxismo da tendência ao isolamento e assepsia é expresso com força na imagem do menino-bolha utilizada por Baudrillard em A Transparência do Mal. José Carlos Rodrigues (1999) interroga: a vida mantida através da desinfecção absoluta do ambiente, impedindo qualquer contato direto com outro ser, “já não seria a morte?” O discurso sobre a saúde-assepsia, ordem, progresso, destino, acaso, bem e mal – misturam, nesse momento, ciência e imaginário social, á medida que, reordenando valores e papéis sociais, os médicos vão definindo o bom e o mau comportamento, a boa e a má saúde e, também, caracterizando e catalogando os excessos, os desvios, os vícios e as perversões.

O corpo individual, limpo, subjetivado e objetivado, afasta-se do cosmos. Há um resgate da incontornável dimensão trágica do corpo. Um corpo que possa absorver as ameaças e delas extrair o alimento de sua renovação. Um corpo que “não admite

maniqueísmos. Não comete os pecados filosóficos de imaginar que o mal seja extirpável e que a felicidade esteja alhures. Reconhece que as melhores coisas da vida (sobretudo a própria) contêm inexoravelmente um risco de morte. Corpo fluido, que se desfaz ao mesmo tempo em que a vida o constitui. E que se constitui ao mesmo tempo em que a vida o desfaz” (RODRIGUES, 1999; p. 192).

Mas, não podemos deixar de observar que o tema central da vida e da morte, nesse enfoque racionalista que se detém no mito do corpo social e humano, asséptico, vai instituindo soluções excludentes e mercantis, no campo da saúde no trabalho: os adicionais de insalubridade e periculosidade que pagam pelo uso do corpo, em lugar de substituir ambientes e agentes nocivos; a preponderância do equipamento de proteção individual, em detrimento das ações de proteção coletiva; as demissões de trabalhadores, após o diagnóstico de uma doença profissional ou relacionada ao trabalho; a negação freqüente do nexo da doença com o trabalho; a atitude do médico de não falar da doença, do trabalhador de não sentir como doença o que sente, e do empresário de negar a doença.

São práticas que cristalizam o corpo do trabalhador em um determinado sentido, assim como, ao tomarem a vida e a morte como questão, afirmam o médico como agente de intervenção nesse corpo-instrumento-de-trabalho, deixando entre parênteses as situações mais evidentes da violência do trabalho. Esse corpo como instrumento

efetiva a dimensão do território do trabalhador ideal, ao construir o perfil de um ser específico para a produção, previsível, ordenado e submetido às leis da produtividade a qualquer preço (VERTHEIN; MINAYO – GÓMEZ, 2001).

A pesquisa do DIESAT (1989, p. 57) expõe sem rodeios o descarte do corpo- doente: “sabendo-se como é restrito o conceito de doença profissional e de trabalho no Brasil e como muitas vezes o estabelecimento do nexo causal com o trabalho é negado pelo INSS... ficam as empresas facilmente desobrigadas de responsabilizar-se pelos fanos que causam à saúde dos trabalhadores, demitindo-os sempre que começam a apresentar sinais de doença”.

A pesquisa evidencia uma lógica de capitalização da saúde, para a qual não há trabalhadores doentes, mas sujeitos – tomados genericamente, no INSS, na classificação de segurados – que adoecem. Tal pensamento parece pressupor uma ação racional e científica, segundo a qual o trabalho não afeta o corpo e a saúde pressupõe ausência de doença e capacidade para o trabalho.

Falamos de uma racionalidade médica que no agir sobre a saúde, ao privilegiar características subjetivas no processo de adoecimento, imputa ao sujeito a responsabilidade do adoecer. Conforme indica LUZ (1996, p. 25), em sua pesquisa sobre a prática médica, no Rio de Janeiro, evidencia-se uma “concepção etiopatogênica culpabilizante”, á medida que “há um tom geral de recriminação moral com relação ao doente, que seria vítima de seus próprios excessos. A doença seria decorrência de descuidos que as pessoas teriam no cuidado de sim mesmas preocupações, perturbações, também levariam ao adoecimento, o que teria contrapartida no imaginário médico na nebulosa categoria do estresse”.

Um processo de culpabilização, instituído pelo discurso do “descuido no cuidado de si”, vai forjando a percepção de um trabalhador predisposto ao adoecimento. A produção da culpa é uma das “técnicas de si” (Foucault, 1994), que responde à exigência de um corpo asséptico – sem doença e sem paixões – corroborando com a construção do corpo-instrumento, silencioso, domesticado, submisso e, ao mesmo tempo – e acima de tudo educado para ver-se saudável no trabalho.

Pode-se deduzir que, se a doença for reconhecida como um mal, a sociedade autoriza a exclusão dos seus doentes. Sontag (1984), estudando a doença como metáfora em sua representação social, afirma que “toda sociedade, ao que parece precisa identificar uma determinada doença com o próprio mal, uma doença que torne culpadas suas vítimas”. p. 20

Ao delinearmos as relações entre saúde/trabalho e corpo/doente teremos, ainda, que questionar até que ponto esse modo de subjetivação desenha uma armadilha em forma de uma prescrição e aprisiona o sujeito na ficção da idéia de um trabalho sem corpo e de uma saúde sem doença.

Nesta perspectiva Lucire (apud Almeida, 1995) com uma visão psicanalítica a cerca das doenças músculo esqueléticas relacionadas ao trabalho fundamenta -as em um quadro de histeria de conversão, a dor expressada pelo corpo seria uma significação simbólica de afetos recalcados, ignorando completamente o nexo causal do trabalho.

Segundo Alves e Rabelo (1999), a experiência da enfermidade é entendida como a “forma pelas quais os indivíduos situam-se perante ou assumem a situação de doença, conferindo-lhe significados e desenvolvendo modos rotineiros de lidar com a situação”p.171. Eles assinalam ainda, que “as respostas aos problemas criados pela doença constituem-se socialmente e remetem diretamente a um mundo compartilhado de práticas, crenças e valores” p.171.

Dejours (1987), em seus trabalhos a cerca do processo de adoecimento, sem tematizar as doenças músculo esqueléticas, expõe que as situações ansiogênicas geram condições de sofrimento e manifestações de somatização; Quando o sujeito não é mais capaz de tratar mentalmente as más condições de trabalho.

Há momentos, no cotidiano do trabalho serializado ou com subemprego das aptidões psíquicas, em que a única coisa sobre a qual o sujeito tem realmente ingerência

monólogos simultâneos, (Grisci, 1999) palavras vazias ou formas tácitas de preservação

do não-dito em alguns momentos.

A hipótese é a de que a reclamação no discurso dos trabalhadores vem a ser um mecanismo coletivo de defesa, produzido pela subjetividade resultante dos laços discursivos do coletivo das organizações de trabalho. O enigma, portanto, não se encontra na doença mental. Ele se encontra na forma como os trabalhadores lutam na tentativa de equilibrarem-se, mais ou menos precariamente, na corda bamba do trabalho

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