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LESÕES OCUPACIONAIS

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Ernesto Che Guevara

Capítulo 1 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.4 LESÕES OCUPACIONAIS

Dentro desse contexto de mudanças na organização do trabalho veio á tona o problema das lesões ocupacionais, assunto que será abordado com maior ênfase no decorrer desse capítulo.

Segundo o artigo 19 da Lei 8.213 de 24 de julho de 1991, lesão ocupacional é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional, de caráter temporário ou permanente até mesmo a morte do trabalhador. Pelos dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 1995, o Brasil está entre os dez países com maior número de lesões ocupacionais em relação ao número de trabalhadores empregados na indústria.

1.4.1 Histórico das Lesões Ocupacionais

O primeiro registro encontrado a respeito de acidente de trabalho foi do século IV a.C., onde Hipócrates pesquisa a ação maléfica do chumbo sobre a saúde humana (VIDAL, 2003).

Plínio na era cristã relacionava a reação do enxofre e zinco sobre a saúde e a utilização de máscaras respiratórias rudimentares. Desta época também existem registros do estudo da disacusia em comunidades que viviam próximas a grandes quedas d'água (VIDAL, 2003).

Platão em sua obra “A República” posiciona o trabalho produtivo como “não nobre” em relação ao intelectual e com isso gera o conceito de que não se justifica o investimento em segurança para esse tipo de trabalhador (VIDAL, 2003).

No século XV ao século XVI houve alto investimento em mão de obra especializada para a navegação, mão de obra que era perdida em grande quantidade por acidentes de trabalho o que fez a segurança do trabalho merecer maior atenção (SIMONI, 2005).

Início do século XVIII, Bernardino Ramazzini, médico Italiano considerado “o pai da medicina do trabalho” desenvolve os estudos entre os artesãos que identificam 53 doenças profissionais (RODRIGUES, 1999).

No final do século XVIII, Watt inventa a máquina a vapor introduzindo uma nova tecnologia que trazia uma série de riscos de acidentes de trabalho ainda desconhecidos. Adam Smith em sua obra “A Riqueza das Nações” propõe uma série de alterações na metodologia da execução dos trabalhos o que acabou por resultar na geração de riscos de acidentes. Inicia-se a Revolução Industrial com tecnologias e metodologias de trabalho também inovadoras e a utilização de mão de obra despreparada de baixo custo não motivava o investimento em segurança no setor industrial (VIDAL, 2003).

No início do século XIX no ano de 1802, o parlamento Inglês aprova a “Lei da

saúde moral dos aprendizes” tendo como pontos principais:

Jornada de trabalho de 12 horas diárias,

Proibição dos trabalhos noturnos para menores,

Com isso, acontece um movimento operário onde os trabalhadores se revoltam com as condições de trabalho e expressam sua insatisfação quebrando as máquinas o que resulta em pena de morte para os “lúditas” (aqueles que destruíam as máquinas) (SIMONI, 2005).

O parlamento Inglês, trinta e um anos após ter aprovado a “Lei da saúde moral

dos aprendizes” aprova a lei denominada “Factory Act” cujos principais itens eram:

Menores de treze anos só poderiam trabalhar se concomitantemente freqüentassem a escola,

Jornada máxima de 69 horas de trabalho semanais e,

A idade mínima para o trabalho era de nove anos (SIMONI, 2005).

Como marco no século XIX, ainda tem o surgimento da “teoria jurídica da

culpa” que imputava ao acidentado a responsabilidade pela ocorrência do

acidente, salvo prova em contrário estabelecida por ele (SIMONI, 2005).

No final do século XIX surgem as primeiras leis na Inglaterra obrigando aos empresários providenciarem proteções nas máquinas a fim de criar condição segura de trabalho. E também a proibição das refeições dos trabalhadores realizadas nos próprios locais de trabalho, sendo criado refeitórios e melhores condições de higiene (SIMONI, 2005).

Foi elaborada a “teoria do risco profissional” por pressão dos órgãos de representação operária que se contra põe a “teoria jurídica da culpa” com os seguintes princípios: o acidente de trabalho é conseqüência do trabalho que está diretamente ligado ao lucro do empresário, portanto a responsabilidade do acidente está diretamente ligada sob o ponto de vista do ressarcimento financeiro. Cabe ao empresário que através de indenizações fará frente a eles. Essa obrigatoriedade é objetiva, ou seja,

independente da prova jurídica de culpa o empresariado repassa o custo das indenizações às companhias de seguradoras e os prêmios pagos são absorvidos pelos preços finais dos seus produtos (SIMONI, 2005).

No final do Século XIX, Marx já diagnosticava que, as fábricas em que surgem os trabalhadores se transformam em um complemento vivo de um mecanismo morto. Desde aquele tempo, quando ocorre a Revolução Industrial na Europa, o trabalho na fábrica exaure os nervos ao extremo, suprime o jogo variado dos músculos, e confisca todas as atividades livres, físicas e mentais do trabalhador. A máquina ao invés de libertar o trabalhador do trabalho, despoja o trabalho de todo interesse. Na produção capitalista ocorre o fenômeno de subjugação do homem ao maquinário (MARX apud VILELA, 2000).

No século XX, a insatisfação operária é manifestada através das lutas emergentes e, devido a grande parte de excluídos dos sistemas de seguro vigente, principalmente a insatisfação patronal devido aos altos custos dos seguros e as exigências das companhias seguradoras de que houvesse investimentos, levou ao surgimento da “teoria do risco social” que prescrevia que os bens e serviços eram produzidos para a sociedade e, portanto, a ela beneficiavam nada mais justo do que a sociedade arcar como ônus das indenizações decorrentes dos acidentes de trabalho (RODRIGUES, 2000).

Durante o período do Estado Novo (1930 a 1945) houve forte presença do Estado tutelando todas as relações trabalhistas e, como decorrência houve a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio para regular assuntos como jornada de trabalho, direitos e deveres trabalhistas, relações sindicais, política operária entre outros (VIDAL, 2003).

Em primeiro de maio de 1943 surge, a consolidação das “Leis do trabalho” – CLT extremamente paternalista baseada no modelo Italiano, o que significou um duro golpe na organização e independência dos Sindicatos Emergentes e não considerava em

sua primeira versão aspectos relativos a segurança nos ambiente de trabalho (VIDAL, 2003; RODRIGUES, 1999).

Em 1945 cai o Estado Novo de Getúlio Vargas e instala-se um período de maior liberdade sindical e organização dos operários para defender seus interesses (VIDAL, 2003; RODRIGUES, 2005).

De 1947 a 1954 houve um retrocesso na organização dos operários pela decretação do partido comunista brasileiro e pelo segundo período de Vargas (VIDAL, 2003).

Segue-se um período de importação de equipamentos, tecnologias e técnicas administrativas mais avançadas para qual essa classe de trabalhadores não estava preparada. A automatização tem repercussão com o aumento de trabalho cognitivo e conseqüente desgaste mental segundo as análises ergonômicas da falha humana de Leplat (1985) citado por Mynaio – Gómez (1994).

A introdução de novos métodos de organização do trabalho fez surgir novos riscos para a saúde dos trabalhadores, que não podem ser compreendidos com base na

ótica estreita da medicina do trabalho que busca sempre uma conexão direta com lesões

ocupacionais ignorando um conceito mais amplo que envolve os aspectos físicos, mental e social (OLIVEIRA, 1997 apud EPLEMAN et.al. 1999).

Inicia-se o período de governo de Juscelino Kubitschek e com isso grande aceleração do processo de industrialização com a implantação das indústrias automobilísticas (VIDAL, 2003).

Apesar de esses fatores terem aumentado o número de acidentes de trabalho, os sindicatos lutavam apenas por conquistas econômicas o que foi reforçado pelo período da ditadura, exemplo disso é a queda da “Lei de estabilidade no emprego” para o surgimento do “Fundo de Garantia por Tempo de Serviço” – FGTS (SIMONI, 2005).

O país apresenta números assustadores de acidentes de trabalho e morbidades, sendo considerado campeão mundial de acidente de trabalho. A medicina do trabalho, apesar de emergir nas indústrias visava unicamente à produtividade que era comprometida como absenteísmo (RODRIGUES, 1999).

É criado o “Partido dos Trabalhadores” – PT, ocorrendo a primeira greve por

motivo de doença ocupacional em uma indústria de fabricação de baterias onde foram identificados casos de saturnismo (RODRIGUES, 1999).

Em 1978 é aprovada a portaria 3214, que consolida as leis do trabalho relativas

à segurança e medicina do trabalho (VIDAL, 2003).

No Brasil prevalece um esquema de prevenção de acidente do trabalho que dá uma valorização excessiva dos adicionais de insalubridade, periculosidade e indenizações por acidente, o que faz prevalecer às ações corretivas sobre as preventivas (RODRIGUES, 2005).

Verifica-se também no Brasil que é prática corrente nas empresas, investigações que atribuem a ocorrência do acidente de trabalho a comportamentos inadequados do trabalhador. Estas investigações evoluem para recomendações de comportamento, partindo do pressuposto de que os trabalhadores são capazes de manter elevado grau de vigília durante toda a jornada de trabalho, o que é incompatível com as características bio – psico – fisiológicas humanas. Em conseqüência, a integridade física do trabalhador fica da dependência quase exclusiva de seu desempenho nas tarefas (BINDER; ALMEIDA, 2000).

Os acidentes de trabalho constituem a face visível de um processo de desgaste e destruição física da força de trabalho no sistema capitalista. Segundo a Organização Mundial da Saúde os acidentes e doenças do trabalho são responsáveis por mais de 120 milhões de lesões por ano no plano mundial. Ainda segundo a base de dados da Organização Internacional da Saúde o Brasil, após ter ocupado o lugar de campeão de

acidentes de trabalho na década de 70, em 1995 ainda estava entre os 10 primeiros, gastando anualmente cerca de R$ 20 milhões com acidentes e doenças do trabalho (VILELA, 2000; SANTANA et.al. 2004).

A despeito das medidas de controle e campanhas implantadas no país para a redução dos acidentes a partir da década de 70, os resultados obtidos até aqui revelam as limitações do aparato de engenharia e de medicina do trabalho montado no interior das empresas e a serviço das mesmas, bem como do sistema de fiscalização do Estado. Revelam ainda que as relações de trabalho no Brasil, marcadas pelo corporativismo e autoritarismo, não tem possibilitado uma atuação mais democrática dos trabalhadores e de seus representantes no interior das empresas, em defesa da saúde, uma vez que não se garante a auto tutela e a auto proteção por parte dos principais interessados: os trabalhadores (VILELA, 2000).

Estudo conduzido por Grunberg (1983) comparou duas fábricas de montagem de automóveis, sendo uma situada na França e outra na Inglaterra, produzindo o mesmo tipo de carro, com tecnologias equivalentes. A taxa de acidentes na fábrica da França, com fraca organização sindical foi de cerca de 60 vezes maior que a taxa encontrada na Inglaterra. A diferença foi explicada pelos diferentes graus de sindicalização e força dos trabalhadores nas duas fábricas (DWYER, 1991).

Os acidentes de trabalho ocorrem em determinadas condições de trabalho dentro de um contexto de relações estabelecidas entre patrões e empregados no processo de produção. Os acidentes de trabalho são influenciados, portanto, por fatores relacionados à situação imediata de trabalho:

como o maquinário,

a tarefa,

organização do trabalho em sentido amplo,

pelas relações de trabalho e,

pela correlação de forças existentes numa determinada sociedade.

Desta forma como já mencionado no capítulo anterior a ameaça do desemprego, a pressão da chefia exigindo mais produção, as condições do maquinário, as condições do ambiente (como presença de ruído, calor), a redução das equipes com aumento da sobrecarga dos trabalhadores, a realização de horas extras, são todos componentes importantes que devem ser analisados, quando se pretende entender e prevenir a ocorrência dos acidentes (VILELA, 2000).

1.4.2 Doenças Osteo Músculo Ligamentares Relacionadas ao Trabalho:

Conceitos e Histórico

Segue definição das lesões ocupacionais que foram encontradas na pesquisa:

Os movimentos repetitivos, ritmados e intensos dos membros superiores no trabalho e as várias pressões geradas pela organização do trabalho em fases avançadas da industrialização têm caracterizado um repertório de adoecimentos cuja amplitude e abrangências podem ser observadas pelas várias denominações que aparecem em diferentes países. As principais são: “occupational cervicobrachial disorder”, em 1958, no Japão, utilizada para descrever fadiga neuromuscular nos músculos dos braços e das mãos em perfuradores de cartão, operadores de caixa registradora e datilógrafos;

repetitive strain injuries, em 1970, na Inglaterra e Austrália, para a indicação de

doenças musculotendinosas dos membros superiores, ombros e pescoço, nas atividades de digitação, linhas de montagem e embalagens; cumulative trauma disorders, em 1986, nos Estados Unidos da América, correspondendo às lesões dos tecidos moles:

nervos, tendões, bainhas tendinosas e músculos do corpo, principalmente dos membros superiores, causadas por atividades repetitivas (MERLO, 1999).

No Brasil, essa doença é apresentada, em 1984, pela Associação de Processamento de Dados do Rio Grande do Sul, no V Congresso Nacional de Profissionais de Processamento de Dados, ocorrido em Belo Horizonte, dada a alta incidência de tenossinovite entre digitadores. No mesmo evento, o termo lesões por esforços repetitivos foi referendado pelo médico Mendes Ribeiro como denominação da doença em todo território nacional. As LER serão, caracterizadas pelas lesões associadas às atividades de movimentos repetitivos e à sobrecarga muscular estática em profissionais de processamento de dados, usuários de terminal de vídeo, operadores de linha de montagem e trabalhadores de empresas de telecomunicação, entre outros (MERLO, 1999).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) concluiu em 1987, que o desconforto osteomuscular — repetitive strain injuries (RSI) —, que acomete os trabalhadores em vários países, está associado às atividades desenvolvidas em terminais de vídeo. A vinculação imediata das LER com essas atividades no Brasil reduz, na lei, a nosologia e a etiologia das mesmas, levando a reconhecer como doença profissional apenas a tenossinovite, uma das formas clínicas das LER, e somente em digitadores, através da portaria 4062, do Ministério da Previdência Social de 6.8.1987, publicada no Diário

Oficial de 7.8.1987.

Em 1991, a partir da Norma Técnica de Avaliação da Incapacidade, no Ministério da Previdência Social é elaborado um documento sobre as LER, que, revisto em 1993, com a ampliação do campo de nosografia das LER, passa a incorporar:

“as afecções que podem acometer tendões, sinovias, músculos, fáscias, ligamentos isolada ou associadamente, com ou sem degeneração de tecidos, atingindo principalmente, porém não somente, os membros superiores, região escapular e pescoço, de origem ocupacional, decorrente de forma combinada ou não de: uso repetitivo de grupos musculares; uso forçado de grupos musculares; e manutenção de postura inadequada”.

Em 1997, ocorre uma nova revisão nessa norma, e mudanças mais radicais surgem com a entrada em cena da denominação DORT. É importante destacarmos, inicialmente, que a denominação inglesa — também utilizada na Itália — work-related

músculo-skeletal disorders of the upper limbs (WMSDs), e a adotada nos Estados

Unidos, work-related upper-extremity disorders (WRUEDs), marcam a abordagem ergonômica e epidemiológica dos fatores de risco, apresentando como fatores etiogênicos e patogênicos às tarefas repetitivas, o uso excessivo de força, as posturas inadequadas e a organização ininterrupta e excessiva de trabalho. Nessa linha de pesquisa situam-se, entre outros: Chatterjee (1992), Silverstein et.al. (1993) e Colombini (1996). No Brasil, que traduziu a sigla como DORT, destacam-se os estudos da Universidade Estadual de Londrina, com Batista et.al. (1997), no Departamento de Fisiologia; da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, com Ribeiro

et.al. (1997); da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com Souza e

Silva (1997), no Departamento de Medicina Preventiva.

1.4.3 Queimaduras

As queimaduras podem ser causadas por agentes térmicos, químicos ou elétricos e podem ser de primeiro, segundo ou terceiro grau. As de primeiro grau atingem a camada superficial e causam vermelhidão, já as de segundo grau apresentam formação de bolhas e as de terceiro grau são mais profundas e atingem camadas mais internas do corpo, acometendo músculos (WOLKOFF, 2005).

Um trauma térmico sobre a pele produz uma série de alterações locais que irão resultar no aparecimento de dor e também pode provocar alterações definitivas na aparência., a dor terá início quando houver a excitação direta das terminações nervosas da pele pelo calor, devido à destruição das camadas superficiais da pele e, conseqüentemente, exposição das terminações nervosas sensitivas (ROSSI et.al.., 2000).

A literatura não apresenta dados estatísticos concernentes à incidência de queimaduras, traumas e ferimentos corto contuso por lesões ocupacionais.

1.4.4 Ferimento Corto Contuso

São lesões da pele e das mucosas causadas por um agente traumático que em contato com a pele produz ruptura que pode apresentar-se em dois tipos: superficiais que é a escoriação ou não superficial que é a ferida (WOLKOFF, 2005).

1.4.5 Traumas

Os traumas descritos abaixo são oriundos do maquinário utilizado pelos trabalhadores, os quais não dispõem de sistema de prova de segurança dos membros e prevenção dos acidentes de trabalho.

Wolkoff (2005) conceitua a fratura como o rompimento total ou parcial de qualquer osso; A Luxação como um deslocamento repentino ou duradouro, parcial ou completo dos extremos da articulação; e o entorse como uma lesão articular que provoca distensão dos ligamentos e da cápsula articular.

1.4.6 Trauma Ocular por Corpo Estranho

São acidentes bastante comuns e podem ser superficiais ou profundos, acometendo em sua grande maioria a córnea ou conjuntivas, podendo causar inflamação, úlcera, infecção ou hemorragia, deixando ou não seqüelas (LEAL et.al.., 2003).

Mas ainda acredita-se ser importante abordar um outro aspecto da doença incorporando a noção de sujeito ao seu referencial teórico, deve-se rever a sua clássica divisão de indivíduos em “doentes” e “não doentes”. A partir da noção de sujeito da enunciação ou sujeito do significante, ser “doente” ou “não-doente” não pode ser fruto de um diagnóstico conclusivo em relação à patologia investigada. Nesta perspectiva, a saúde não pode ser entendida no sentido etimológico de salus do latim que significa são, inteiro, salvo e que deriva palavras como saluus, solidus e soldus que significam solda e

soldado; tampouco em sua origem grega em que significam inteiro, intacto, real, em síntese, íntegro. Os “sujeitos da saúde ou da doença” não são absolutos, inteiros ou intactos; pelo contrário, são divididos e, como tais, são atravessados por um outro sujeito que eles desconhecem (sujeito do inconsciente) e que lhes impõem uma fala que

é vivida pelo sujeito consciente como estranha, lacunar e sem sentido. Sob esta ótica

deve-se considerar a doença como “um ponto de vista” sobre a saúde e vice versa, o que iria ao encontro de Nietzsche. Para este filósofo nem a saúde nem a doença são entidades; a fisiologia e a patologia são uma única coisa; as oposições entre bem e mal, verdadeiro e falso, doença e saúde são apenas “jogos de superfície”, em suma, valores. Há uma continuidade, diz Nietzsche, entre a doença e a saúde e a diferença entre as duas é questão de posição do sujeito diante da vida, sendo a doença um desvio interior da própria vida; assim, não há fato patológico, afirma o filósofo alemão. Ou ainda, como apropriadamente diz Camargo Jr. (1992): “a doença depende tanto de quem tem quanto de

quem diagnostica, ou de onde se diagnostica.” P. 9

Em síntese, baseado na noção de sujeito “doente” e “não-doente” devem ser considerados pela epidemiologia a partir de uma perspectiva nietzcheniana: doença pode ser saúde interior e vice-versa. A saúde é aquilo que pode ser útil a um homem ou a uma tarefa ainda que para outros signifique doença. Não fui um doente nem mesmo por ocasião da maior enfermidade (NIETZCHE, 1978).

A saúde ou a doença não pode ser determinada apenas pela ausência ou pela presença de determinados agentes etiológicos e sintomas no organismo de um indivíduo. Minayo (1996) afirma que: “essas categorias trazem uma carga histórica, cultural,

política e ideológica e não podem ser contidas apenas numa fórmula numérica ou num dado estatístico”. p. 226

É importante reconhecer que o sofrimento não tem uma manifestação única para

todos os indivíduos de uma mesma família, cultura ou período histórico. O que é sofrimento para um, não é, necessariamente, para outro, mesmo quando submetidos às mesmas condições ambientais adversas. Ou ainda, aquilo que é sofrimento para alguém, pode ser prazer para outro e vice-versa. Um acontecimento, como algo capaz de provocar um espanto, em um determinado momento pode significar sofrimento; em outro, pode ser vivenciado como satisfação (BRANT, 2001).

Resta ainda lembrar que no sofrimento é possível encontrar uma mesclagem de prazer e dor, simultaneamente (BRANT, 2001). Assim, essa condição básica do ser no mundo não pode ser definida apenas a partir do acontecimento. O sofrimento depende da significação que assume no tempo e no espaço, bem como no corpo que ele toca

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