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Vida dos seus Destinatários

2.1. A(s) Política(s) de Saúde Mental em Portugal : Do asilo à comunidade.

2.1.3 A Saúde Mental nos Cuidados de Saúde Primários 1984/

Nos anos 80 pudemos observar uma nova tentativa (legislativa) de integração da Saúde Mental nos cuidados de saúde primários. Em 1985, na 2a Conferência de Ministros

da Saúde do Conselho da Europa, realizada em Estocolmo, Portugal defendia que a organização assistencial deveria transitar dos hospitais psiquiátricos para serviços comunitários baseados em hospitais gerais e em estreita articulação com as unidades de

cuidados de saúde primários.

A primeira tentativa de alteração verificou-se em 1983, com o desenvolvimento dos planos de reorganização para as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, que não se concretizaram em consequência da resistência exercida pelos sectores psiquiátricos tradicionais.

Contudo, o terceiro período das Políticas de Saúde Mental pode-se identificar a partir de 1984 (Decreto-Lei n° 74 de 1984), em que, na sequência da reorganização do Serviços Nacional de Saúde são criadas duas Direcções Gerais: Direcção dos Hospitais e a Direcção Geral dos Cuidados de Saúde Primários. É nesta última que é integrada a Saúde Mental. Extinto o IAP, em 1985, é criada a Direcção de Serviços de Psiquiatria e Saúde Mental que se integra na Direcção Geral do Cuidados de Saúde Primários.

Coloca-se a tónica desta integração, na ligação da Saúde Mental aos cuidados de saúde gerais e por conseguinte à criação de valências de Saúde Mental em alguns centros de saúde que passavam a ser definidos como a base fundamental do sistema de saúde.

Entre 1985-90, as principais linhas da reforma (O programa de Saúde Mental foi apresentado em 1995) prevêem a revisão da Lei de Saúde Mental e nomeadamente a criação de uma rede de serviços comunitários, a reestruturação e expansão dos CSM Distritais, o desenvolvimento de Unidades de Psiquiatria nos Hospitais Gerais, o desenvolvimento de programas de reabilitação e desinstitucionalização de doentes crónicos e o estabelecimento de cooperação com instituições privadas.

Dois planos nacionais de saúde mental, aprovados em 1985 e 1988 sob a direcção, respectivamente, de Sampaio Faria e Caldas de Almeida, permitiriam a implementação desta reforma da saúde mental, baseada nos seguintes princípios:

- o desenvolvimento, em cada área de intervenção, de um sistema de cuidados comunitários e compreensivos;

- a continuidade de cuidados;

- a integração e a administração conjunta de diferentes respostas, incluindo as localizadas em centros de saúde e hospitais gerais;

coincidentes com as dos centros de saúde, o que viabilizou a articulação continuada entre as equipas de saúde mental e os clínicos gerais/médicos de família (os novos edifícios dos centros de saúde passaram a ter estruturas reservadas para a saúde mental, tal como os novos hospitais gerais);

o desenvolvimento de um sistema de informação especifico;

a criação de estruturas de planeamento, monitorização e avaliação dos serviços;

- a criação dos primeiros centros de saúde mental em Lisboa e Porto;

- o desenvolvimento de um programa de formação para profissionais dos serviços comunitários e outro de treino, a nível nacional, para clínicos gerais/médicos de família;

- o estabelecimento de uma comissão interministerial saúde/assuntos sociais para a desinstitucionalização e a reabilitação das pessoas com doença mental, que viabilizou a definição das bases que permitiram a criação de unidades de reabilitação em vários serviços;

- através de financiamentos específicos apoiaram-se projectos inovadores, como por exemplo centros de dia, programas de prevenção e de reabilitação e investigação epidemiológica.

Este é um período em que sucessivas legislações definem a aproximação da psiquiatria à comunidade no sentido da desinstitucionalização e da integração dos cuidados. A proliferação destas determinações legais é esclarecedora sobre a sua não implementação na prática, apesar de (e por isso) sucessivamente legislada, como veremos em seguida.

O despacho n°5/87 de 3 de Julho, novamente preconiza a integração funcional dos cuidados de saúde mental com os cuidados de saúde primários (centros de saúde mental e centros de saúde) a que correspondem as mesmas áreas geodemográficas, à excepção das urgências (ou em casos de dificuldade de internamento local, até que a capacidade organizacional destes serviços permita dispensar esse apoio). Dá-se assim a sectorização definitiva dos hospitais psiquiátricos de Lisboa e do Porto (CESM, 1995). Por exemplo, o

Centro de Saúde Mental do Porto desdobrou-se em 2 sectores: o oriental (Centro de Saúde Mental Oriental do Porto) e o ocidental (Centro de Saúde Mental Ocidental do Porto), com as respectivas áreas geográficas a cada um afectos.

Em 1989, dá-se novamente a tentativa de reorganização dos serviços de saúde mental a nível nacional, assente na descentralização e deslocalização de recursos e estruturas do hospital psiquiátrico para a comunidade (Dias et ai., 1995). Preconiza-se, de novo, o desenvolvimento, em todo o país, de uma rede de serviços integrados, (designada por centros de saúde mental), que, em cada área geo-demográfica se responsabilizem pela prestação de todos os cuidados, desde o tratamento à reabilitação, respondendo ás necessidades sentidas pela população.

Em 1990 o processo de reestruturação foi interrompido, na sequência de uma mudança governamental, tendo sido adoptado um modelo biomédico estrito centrado no hospital. A pretexto da importância dos hospitais gerais para os cuidados de saúde mental, os centros de saúde mental foram extintos, sendo administrativamente integrados nos hospitais gerais.

A integração da Saúde Mental nos serviços de saúde geral foi assim decidida em 1992. O Dec-Lei 127/92 de 3 de Julho extinguiu os centros de saúde mental e os centros de saúde mental infanto-juvenis, integrando-os nos hospitais gerais centrais e distritais (Portaria 750/92 de 1 de Agosto). Manteve-se no entanto, como hospitais centrais especializados, alguns dos existentes anteriormente intitulados centros de saúde mental, (como por exemplo o Centro de Saúde Mental Ocidental do Porto que passa a hospital central especializado, com a designação que já tivera antes de 1976 - ano em que passou a CSMOP - de Hospital de Magalhães Lemos, e de igual modo o mesmo para o Hospital Conde Ferreira, Hospital Sobral Cid e Hospital Miguel Bombarda). O mesmo documento cria três estruturas regionais de gestão dos serviços, designados também por centro de saúde mental (Norte, Centro e Sul).

Se é um facto que esta medida integrou os cuidados de saúde mental no sistema geral dos cuidados de saúde, o que é facto é que ela foi apenas uma integração exclusivamente hospitalar (e não nos cuidados primários como a legislação anterior definia). Exemplo desta integração é também a passagem das urgências psiquiátricas para

os hospitais gerais (Despacho 25/11/93).

Os constrangimentos burocráticos daí resultantes e ausência de sensibilidade das administrações hospitalares para os programas de intervenção comunitária levaram a resultados extremamente negativos. Assistiu-se a suspensão de muitos programas e ao corte nos recursos destinados à saúde mental. Paradoxalmente não foi criada qualquer nova unidade psiquiátrica em hospitais gerais e as existentes foram transferidas para outras especialidades.

Álvaro de Carvalho, o anterior Director Geral para a Saúde Mental acusa este período e a legislação subsequente de ter comportado grandes prejuízos para a saúde mental em Portugal "...pelo modo precipitado como decorreu, pela falta de sensibilidade das administrações hospitalares em relação às especificidades da psiquiatria, pela impossibilidade de continuar a manter os serviços na comunidade - proibiram-se consultas, cancelaram-se domicílios, aumentaram os internamentos nalgumas regiões" (In Rosa, 1997, pág. 42). Vejamos agora o último período.