• Nenhum resultado encontrado

Esquizofrenia e Qualidade de Vida

3.2. Qualidade de Vida

3.2.2. Definindo qualidade de vida

Apesar da extensa bibliografia que nos últimos 30 anos se produziu sobre qualidade de vida não apresenta uma definição consensual sobre Qualidade de Vida (Faquahar, 1995; Olschewski et ai., 1994; McCarthy, 1995; Leeighton, 1993; 0'Boile, 1992; Bowling, 1995). Esta diversidade de conceptualizações e interpretações contribui para a não existência de consenso nas medidas que os diversos investigadores apresentam sobre Qualidade de Vida. Talvez esta falta de consenso explique o uso permutável do conceito de Qualidade de Vida em relação a outros conceitos como bem-estar, felicidade, nível de vida, modo de vida, satisfação com a vida e moral (Evans, 1994).

Romney, Brown e Fry (1994) tentaram explicar porque é que não existe uma definição universal de qualidade de vida. Apontam como principais motivos o facto de que os processos psicológicos relevantes para a experiência da Qualidade de Vida podem ser descritos e interpretados através de filtros conceptuais e linguagens diferentes; ainda acrescentam ainda que o conceito de Qualidade de Vida tem um grau de valor variável; e implica a compreensão do crescimento humano e do processo de desenvolvimento, da herança do espectro de vida do indivíduo em relação à sua comunidade e a influência dos factores do ambiente e do sistema de valores sobre estes processos psicológicos.

Na bibliografia encontramos definições vagas como por exemplo "tudo o que o indivíduo considere como tal" ou "capacidade de levar uma vida normal"; mas encontramos também definições globais, genéricas, integradoras e também aquelas que atendem unicamente ao campo da saúde.

Sem querermos ser exaustivos, entre as definições mais globais encontramos a de Levy y Anderson (1980) que basicamente identificam o bem estar físico, mental e social tal como são percebidos por cada indivíduo ou grupo, e ainda a felicidade, satisfação e recompensa. Caiman (1984) define Qualidade de Vida como a intercepção entre as esperanças e ambições com a experiência. Ferrans e Powers (1985) enfatizam as percepções que cada indivíduo tem sobre o bem-estar e que resultam da satisfação/insatisfação com as dimensões da vida que são importantes para o indivíduo. Grant et ai. (1990) definem-na como uma declaração pessoal da positividade ou negatividade de determinados atributos que caracterizam a vida do indivíduo.

A nível das definições específicas encontramos a nível da saúde a de Shipper (1990) que define Qualidade de Vida como uma representação funcional, pragmática da resposta física, psicológica e social do paciente a uma doença e ao seu tratamento. Cella e Tulsky (1990) definem-na como a avaliação do paciente e satisfação com o seu nível de funcionamento em comparação com o que eles percepcionam como sendo possível e ideal. Gotey et ai. (1992) definem-na como um estado de bem-estar que é composto pela capacidade de desempenhar as actividades do dia-a-dia que reflectem bem-estar físico, psicológico e social e a satisfação do paciente com os níveis de funcionamento e o controlo da doença.

Consideramos integradora a perspectiva de Hass (1995) que defende que a QDV é uma avaliação multidimensional feita pelo indivíduo das circunstâncias correntes de vida no contexto cultural onde vive e de acordo com o sistema de valores que perfilha. Portanto, definir Qualidade de Vida é de facto tarefa difícil visto que se trata de um sentido de bem-estar eminentemente subjectivo e que agrupa simultaneamente as dimensões física, psicológica social e espiritual. Os aspectos culturais e as particularidades do meio ambiente biológico, social e cultural interrelacionados de forma sistémica jogam um papel fundamental na construção ou auto-construção da Qualidade de Vida.

Apesar do relativo consenso cientifico acerca da falta de consenso quanto ao conceito, podemos identificar um conjunto de características que estão presentes em muitos dos estudos a que tivemos acesso, entre elas: a sua natureza multidimensional, a consideração de indicadores objectivos e subjectivos e ainda o facto de se tratar de um conceito dinâmico e uma medida de percepção individual.

No que respeita à sua natureza multidimensional a literatura cobre uma vasta gama de domínios ou dimensões que variam relativamente de autor para autor. Muitos concordam que a avaliação da qualidade de vida deve incluir, pelo menos, três dos seguintes domínios: preocupações somáticas (como a dor, energia); habilidade funcional; bem-estar familiar; espiritualidade; satisfação com o tratamento; expectativas futuras; sexualidade e imagem corporal; funcionamento social; funcionamento ocupacional. Spilker (1993 in Bessa, 2000) enaltece os aspectos ambientais da Qualidade de Vida e da qualidade de vida em relação à saúde, que abrangem qualidade do ar e da água, da escolaridade, densidade populacional, oportunidades culturais, estatuto sócio-economico e social e espírito comunitário. A Qualidade de Vida em relação à Saúde abrange, segundo este autor os seguintes domínios: capacidade física; estado psicológico; estatuto social e estatuto económico/emprego.

Relativamente à consideração de indicadores objectivos e subjectivos importa referir que as pesquisas sobre a Qualidade de Vida pretendem, de um modo geral, medir os efeitos combinados dos factores objectivos (factores exógenos) e subjectivos (percepção endógena que a pessoa tem desses factores e de si própria) no bem-estar humano. O debate acerca da sua distinção é muito produtivo (Szalai, 1980) e a sua

integração parece ser desejável e necessária uma vez que o seu uso isolado torna-se desadequado e inútil para o conhecimento da Qualidade de Vida.

Os factores objectivos, no sentido amplo do termo, implicam indicadores relacionados com o padrão de vida do indivíduo e as condições passíveis de verificação inerentes a uma determinada unidade cultural (Evans, 1994). Já os factores subjectivos que jogam um papel fundamental na determinação da Qualidade de Vida estão directamente dependentes das percepções individuais, crenças, sentimentos e expectativas de cada indivíduo. No campo da saúde, embora uma avaliação objectiva seja fundamental, o conhecimento do impacto da doença e do tratamento na QDV apresenta-se de suma relevância.

Em suma, trata-se de um conceito dinâmico dado que assenta essencialmente nas percepções e expectativas dos indivíduos, que varia ao longo do tempo e depende das modificações do indivíduo e do contexto que o rodeia.

Uma outra característica do conceito é o facto de se tratar de uma medida de percepção individual, na medida em que depende da avaliação e percepção que cada indivíduo faz num determinado momento da sua vida em contexto específico. Por isso Caiman (1984) argumenta que a Qualidade de Vida só pode ser definida em termos individuais.