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Da psicofarmacologia às diferentes correntes psicoterapêuticas

Esquizofrenia e Qualidade de Vida

3.3. A intervenção terapêutica como mecanismo de reabilitação e inserção social e instrumento de melhoria da qualidade de vida

3.3.1. Da psicofarmacologia às diferentes correntes psicoterapêuticas

Antes do aparecimento de psicofármacos eficazes na década de 50, os tratamentos psiquiátricos físicos constituíam uma das poucas alternativas para lidar com a psicose esquizofrénica. Eram utilizadas estratégias como duches, massagens, exercícios, aplicações de diferentes estimulações cutâneas, visuais ou sonoras no sentido de se promover alterações no comportamento dos doentes.

Entre as alternativas implementadas procurou-se na década 30 a indução de crises convulsivas, na expectativa de alterar os estados psicológicos, por semelhança ao que se supunha acontecer com os pacientes epilépticos antes da crise. Era disso exemplo o electrochoque terapêutico ou electroconvulsivoterapia introduzido por Cerletti e Bini em 1938 que se mostrou de fácil aplicação e relativamente seguro. Embora esses pressupostos

não se confirmassem, o facto é que alguns desses tratamentos revelaram-se empiricamente eficazes. Embora as suas indicações iniciais fossem muito generalistas e o seu interesse tenha sido claramente diminuído com o aparecimento dos psicofármacos com eficácias cada vez mais relevantes, o electrochoque terapêutico é praticamente o único desses tratamentos físicos que ainda hoje se utiliza no tratamento da esquizofrenia, em particular da forma catatónica. O programa terapêutico è normalmente constituído pelo máximo de 6 a 10 sessões, três vezes por semana, onde é levada em linha de conta uma cuidadosa selecção dos pacientes em termos de indicações e contra-indicações (absolutas: doença cardíaca recente não estabilizada e osteoporose significativa; ou relativas: profissão em que o uso da memória tenha grande importância dado poder ser afectada nos seis meses subsequentes). Caracteriza-se fundamentalmente pela estimulação eléctrica através da aplicação de eléctrodos no cabeça e um aparelho apropriado (os mais modernos permitem ajustar a voltagem e a duração a um mínimo capaz de produzir as convulsões generalizadas), realizada após a administração de um curarizante (succinilcolina) para diminuir os abalos musculares e os consequentes riscos de fracturas, e de uma anestesia geral com pentotal. De qualquer forma, de uma forma geral, nos protocolos terapêuticos actuais é a psicofarmacologia que ocupa um lugar de destaque na atenuação dos sintomas positivos e negativos da esquizofrenia e por conseguinte no aumento do grau de satisfação vivencial e funcionalidade. Caracteriza-se essencialmente por neurolépticos, (Anty, 1977), medicamentos que representam um ponto de viragem importante na abordagem terapêutica nos estados psicóticos a partir dos anos 50 (Ey, 1989; Jean-Baptiste,1998), já que possibilitaram uma melhor contenção da sintomatologia, tornando possível o tratamento em ambulatório. Os doentes deixaram de ser tratados exclusivamente por processos que implicassem internamento em hospital psiquiátrico para passar a ser possível a sua integração comunitária, conforme já referimos. De um modo geral, estes fármacos têm as seguintes propriedades clínicas segundo Delay e Deniker (in Jenner et ai., 1992): efeito sedativo e acção inibidora da excitação, da agitação, da agressividade e redução dos estados maníacos; efeito anti-ansioso dado que actua sobre a angústia psicótica; propriedade de inibir os delírios e as alucinações, sendo também denominados de anti-psicóticos; efeitos anti-autísticos ao atenuarem o autismo, a ambivalência, as perturbações das associações e da afectividade.

As formas usuais de administrar esta terapêutica podem ser através de comprimidos diários ou em injecção todos os quinze dias ou todos os meses. A administração em injecção permite uma melhor vigilância de tratamento ambulatório, proporcionando estabilizações mais duráveis, facilitando a integração social dado que o recurso ao internamento é quase nulo ou muito menor e reduz a rejeição do paciente à medicação, dados os efeitos secundários. Os efeitos secundários mais relatados nas posologias dos medicamentos e, que de um a forma geral, são referenciados por muitos destes utentes com quem já tivemos contactos na nossa prática clínica, são os que têm a ver com aspectos sexuais (alterações de funcionamento, impotência), com aspectos motores (lentidão, rigidez muscular) e com alterações do sono (alteração dos horários do sono).

De qualquer forma são os próprios Delay e Deniker, (cit. in Jenner et al, 1992), que afirmam que o tratamento farmacológico tem um efeito suspensivo mas não curativo da psicose. Este efeito suspensivo da sintomatologia abre o caminho, para a introdução de novos procedimentos terapêuticos.

Assim pode-se dizer que o tratamento clássico, baseado na exclusiva causalidade orgânica serve-se somente da quimioterapia, da cura de Sakel (insulinoterapia), dos electrochoques (Anty,1977) como forma de enfrentar a esquizofrenia, desvalorizando, ou não considerando a vivência e o discurso da pessoa doente.

Recentemente tem-se discutido o interesse das abordagens psicoterapeuticas, valorizadoras da subjectividade do paciente que deve ser compreendida, através da dialéctica relacional (Vila-Real, 1981). O que caracteriza uma psicoterapia é o tratamento estar baseado na comunicação entre o terapeuta e o paciente. Embora nem todas as formas de psicoterapia usem a linguagem verbal como um instrumento privilegiado (caso das abordagens mais activas ou expressivas, como o psicodrama, ou através do corpo, como as técnicas de relaxamento), mesmo assim podemos considerar que em todas elas a comunicação é o ingrediente principal.

Jenner et ai., (1992) propõe a psicanálise como forma de compreensão psicopatológica do processo esquizofrénico, a seu ver o meio mais seguro de conhecer o funcionamento psicológico e de compreender "estes pacientes reputados difíceis".

Segundo Roux (in Jenner, et al., 1992) os esquizofrénicos, de um modo geral, reagem bastante bem à proposta de se examinarem a si próprios, proporcionando-se-lhes a liberdade de se servirem daquilo que sempre existiu neles mas que foi ignorado ou relegado para segundo plano. Na revisão efectuada por Jenner et ai., (1992) vários autores concordam que o trabalho analítico consistiria em ajudar o paciente a encontrar e definir as suas fronteiras, as fronteiras do ego, e só então, a partir delas partir para investimentos do eu em relação ao exterior.

Tendo por base a psicanálise, outras psicoterapias se desenvolveram. Nestas podemos encontrar aquelas que se baseiam numa relação dual (psicoterapia de inspiração analítica, psicoterapia breve, psicoterapia focal entre outras), e aquelas que se centram numa relação grupai (grupanálise, psicoterapia de grupo, psicodrama, terapia familiar entre outras). Dias (1988) caracteriza-as por uma série de atitudes básicas, entre as quais a congruência, a escuta incondicional positiva e a compreensão empática. Umas centram-se no comportamento, outras na relação com o exterior, outras ainda na relação consigo próprio ou na análise da história passada do cliente e da sua relação com o presente. Assim, se o divã se tornou o paradigma da psicoterapia individual (embora mesmo no âmbito das referências psicanalíticas tenham surgido como já referimos, psicoterapias ditas breves, apoiadas na relação face a face e recorrendo e ao que Alaxander conceptualizou como experiência emocional correctiva, fora do âmbito transferencial), o palco passou a ser a referência da psicoterapia de grupo, nomeadamente com noções como papel, protagonista e auditório, desenvolvidas nomeadamente pelo psicodrama. De acordo com Orlinsky e Howard (1995) os diversos movimentos de psicoterapia podem ser agrupadas em quatro grandes grupos:

- analítico-dinâmicas, incluindo a psicanálise e as suas primeiras variantes (Jung, Adler), e as teorias interpessoais (Sullivan), linguísticas (Lacan), de relações de objecto (Winnicot), psicologia do 'ego' (Hartmann e Kohut), etc. e que procuram providenciar um 'insight' das motivações inconscientes. cognitivo-comportamentais, incluindo as versões do condicionamento clássico e operante e da teoria da aprendizagem social (Bandura, Wolpe) e as teorias dos construtos pessoais (Kelly), cognitiva (Beck), racional-emotiva

(Ellis) e as recentes abordagens narrativistas e que se baseiam nas teorias da aprendizagem e tendem a corrigir comportamentos desadaptativos através da reeducação e do treino.

- experiencial-expressivas, incluindo a terapia centrada no cliente (Rogers), gestálticas (Perls), sonho acordado e 'imagerie mental' (Desoille), logoterapia (Frankl), psicodrama (Moreno) e bioenergética (Lowen) e que pondo a tónica na expressão pessoal e na experiência concreta e global, levam a um sentimento de expansão e crescimento pessoal.

estratégico-sistémicas, incluindo os autores clássicos da análise da comunicação (Haley, Watzlawick), da terapia familiar e de casal (Bowen, Minuchin, Selvini-Palazzoli), e da hipnoterapia (Milton Erikson, Zeig) e que valorizam a resolução de problemas através das trocas de informação.

De uma forma geral, pode considerar-se com Cawley (1974) que há diferentes níveis de intervenção psicoterapêutica: psicoterapia num sentido lato - inespecífica, presente em toda a relação médico-doente ou técnico-utente, quando são considerados os aspectos comportamentais ou emocionais; psicoterapia informal - eclética, podendo socorrer-se de diferentes modelos numa perspectiva de solução de problemas: psicoterapia formal - de regras fixas e num 'setting' determinado, usualmente segundo um modelo considerado indicado ao problema considerado.

O uso das psicoterapias na esquizofrenia depende em grande parte da postura teórica de base. Arieti (in J. Gameiro, 1992) por exemplo reduz o processo de formação do pensamento esquizofrénico ao processo intra-psíquico que se vai estruturando pouco a pouco no paciente e propõe a psicoterapia individual como meio de cura.

Outros autores consideram nas psicoses, só excepcionalmente uma psicanálise ou "cura-tipo" pode ter lugar dada a impossibilidade da transferência e o caracter narcísico dos investimentos psicóticos.

De um modo geral, a psicoterapia é advogada por aqueles que consideram que através da sua acção - necessária para evitar que a pessoa com esquizofrenia se refugie no espaço que criou e se feche num mundo só seu - o paciente esquizofrénico poderá obter melhorias qualitativas na sua relação objectai e narcísica. Devido às peculiaridades da

patologia, todos os autores concordam que é difícil consegui-lo. Alguns autores apelam somente às terapias de relação grupai ou a um misto destas e das de relação dual.

A psico-socioterapia, segundo Ey (1989) visa a interpretação dos conteúdos da psicose e a reconstrução da personalidade do esquizofrénico e simultaneamente a restauração dos seus laços com os outros.

Burner (in Ey, 1989), distingue várias terapias de grupo que podem ser utilizadas no tratamento da esquizofrenia: grupos de comunicação que têm fins reeducativos, grupos de inspiração analítica que podem proporcionar ao paciente uma certa protecção pelo contacto e experiência dos outros, grupos dramáticos inspirados no psicodrama de Moreno e a terapia familiar, já que vários estudos permitiram verificar a influência negativa da atmosfera familiar no curso da esquizofrenia. Em muitos casos verificava-se que o regresso à família se associava a um pior prognóstico.

A Terapêutica Ocupacional, despida de identificação com a mera ocupação dos doentes, é hoje entendida como uma forma de tratamento, relação, comunicação, que usa as actividades como modelo operativo e que assenta sobretudo na comunicação não verbal. A relação exprime-se fundamentalmente a nível do objecto fabricado, ou dos materiais que funcionam como um écran sobre o qual se projectam as necessidades de dependência, competição, agressividade, amor, imagem corporal, distorções do ego, identificação sexual, entre outras. É através das actividades seleccionadas que se trabalham esferas do funcionamento da pessoa, isto é, componentes cognitivos, perceptivo-motores, psicológicos e sociais, fundamentais para um desempenho eficiente e ajustado nas várias áreas de actividade/ocupação humana (trabalho/escola, lazer e actividades da vida diária).

Em pessoas com esquizofrenia, eventualmente em estados de evolução de doença mais prolongados ou crónicos, torna-se ainda mais fundamental o recurso a equipamentos e medidas de suporte a programas de reabilitação psicossocial. Falamos de recursos que possibilitem autonomizar funcionalmente estas pessoas quer ao nível habitacional (eventual recurso aos programas que integram as unidades de vida apoiada, protegida e autónoma, mas também ao trabalho com as famílias de origem e famílias de acolhimento...) laboral (eventual recurso ao mercado social de emprego, emprego

protegido, medidas especiais para as pessoas com disfunções psicossosciais de apoio ao emprego do IEFP) e Ocupacional (fóruns ocupacionais), que iremos abordar sucintamente no ponto seguinte.