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A SITUAÇÃO PROFISSIONAL ANTES DA RECLUSÃO

CAPÍTULO II ANÁLISE DOS DADOS HETERO-BIOGRÁFICOS

5. A SITUAÇÃO PROFISSIONAL ANTES DA RECLUSÃO

5.1. As actividades profissionais antes da reclusão

• A Ia actividade profissional foi iniciada em média aos 13,9 anos. Os sujeitos que integraram os grupos mais vinculados ao exercício de uma actividade profissional iniciaram o seu percurso profissional mais cedo que os sujeitos que mantiveram uma relação distante com o mercado de trabalho. Trata-se de uma diferença relevante, que se repete em várias análises, indiciando uma relação estreita entre o início mais precoce da actividade profissional e uma maior vinculação ao exercício da mesma.

• A 1." actividade profissional é em 71% dos casos indiferenciada, em 26% das situações diferenciada e em 3% dos casos especializada.

A maioria dos sujeitos exerceu actividades indiferenciadas, ainda que os grupos menos vinculados ao exercício de uma actividade profissional apresentassem um número significativo de sujeitos que exerceram actividades diferenciadas.

• Quanto à duração da jornada de trabalho da 1." actividade profissional, verificou- se que 85% dos sujeitos trabalharam a tempo inteiro e 15% de uma forma intermitente. Registaram-se diferenças estatisticamente significativas que demonstram que quanto maior é a vinculação ao exercício de uma actividade profissional, maior é a percentagem dos que trabalharam a tempo inteiro e, inversamente, quanto maior for o afastamento do exercício de uma actividade profissional regular, maior é a percentagem de sujeitos que trabalharam intermitentemente.

• O tipo de escolha da 1 .a actividade profissional, em 74% dos casos surgiu por oportunidade, em 23% dos sujeitos por escolha própria e somente 3% por imposição. O número de sujeitos que iniciou o exercício da sua actividade por escolha própria é maior no grupo dos sujeitos reclusos do que nos sujeitos em liberdade condicional, pelo que aqueles foram mais selectivos na obtenção de um emprego.

• No que se refere ao salário da l.a actividade profissional, 67% dos sujeitos auferiram uma remuneração inferior ao salário mínimo nacional e os restantes 33%, uma remuneração equivalente àquele salário, tratando-se, portanto, de actividades profissionais maioritariamente mal remuneradas.

• A idade de início da 2.a actividade profissional ocorreu, em média, aos 18,9 anos. Nos casos de maior vinculação ao mercado de trabalho o início da segunda actividade profissional aconteceu mais tarde, inversamente, do que se passou nos casos de menor vinculação ao mercado de trabalho. Este fenómeno parece indiciar que os sujeitos mais vinculados ao exercício de uma actividade profissional apresentaram uma carreira profissional mais estável e com menos mudanças de profissão do que os sujeitos menos vinculados ao trabalho, cujas carreiras profissionais caracterizaram-se pela instabilidade profissional.

• Caracterizou-se a 2.a actividade profissional, que em 77% dos casos foram indiferenciadas, em 19% das situações foram actividades diferenciadas e somente 3% foram actividades especializadas e em 1% tratou-se da frequência de um curso de formação profissional.

• Relativamente à duração da jornada de trabalho da 2.a actividade profissional, 64% dos sujeitos trabalhou a tempo inteiro e 36% de uma forma intermitente.

Os sujeitos mais vinculados ao exercício de uma actividade profissional trabalharam maioritariamente a tempo inteiro, enquanto que os sujeitos menos vinculados ao exercício de uma actividade profissional fizeram-no maioritariamente de uma forma intermitente.

• Quanto ao tipo de escolha da 2.a actividade profissional, em 65% dos casos foi o próprio sujeito que fez a sua escolha, 32% mudou de actividade profissional por oportunidade e só 3% o fez por imposição.

Assim, entre as 1." e a 2.a actividades profissionais verificou-se uma diferença muito relevante, porque, no início, a esmagadora maioria dos sujeitos começou a trabalhar por oportunidade, mas, depois foram eles que procuraram definir o seu próprio percurso profissional.

No que diz respeito ao tipo de escolha da 2.a actividade profissional, verificou-se que a maioria dos sujeitos em liberdade condicional iniciou a actividade profissional por escolha própria, mas um número significativo fê-lo por oportunidade, enquanto que entre os sujeitos reclusos, a esmagadora maioria assumiu a escolha da sua actividade profissional. Este fenómeno parece significar que o grupo dos sujeitos reclusos se manteve mais selectivo relativamente à escolha da actividade profissional do que os sujeitos em liberdade condicional.

Quando cruzámos a variável relativa à escolha da actividade profissional com a vinculação ao trabalho, observámos em diversos grupos diferenças significativas que nos permitiram concluir que o grupo dos sujeitos mais vinculados ao trabalho foi menos selectivo na escolha da sua actividade profissional do que o grupo dos sujeitos menos vinculados ao trabalho, que seleccionou mais a actividade que desenvolveu.

• No que se refere ao salário auferido no exercício da 2." actividade profissional, 59% dos sujeitos apresentou um salário equivalente ao salário mínimo, 33% apresentou rendimentos inferiores a esse salário e 8% rendimentos superiores ao referido salário mínimo.

Os sujeitos em liberdade condicional apresentaram níveis salariais superiores aos sujeitos reclusos. Os sujeitos mais vinculados ao exercício de uma actividade profissional apresentaram um nível salarial superior aos menos vinculados ao trabalho, e esta relação foi reforçada pelo facto do fenómeno ser observável em vários cruzamentos realizados.

Se compararmos estes resultados com os do exercício da 1." actividade profissional, verificamos que há uma melhoria nos rendimentos de trabalho auferidos, o que nos parece importante sublinhar.

• Os sujeitos iniciaram a 3.a actividade profissional antes da reclusão aos 23,8 anos. Os sujeitos em liberdade condicional iniciaram o exercício da 3.a actividade profissional muito mais tarde do que os sujeitos reclusos, reforçando a ideia de que os primeiros apresentaram um percurso profissional mais estável por oposição à

instabilidade profissional dos segundos. Por outro lado, os sujeitos mais vinculados ao exercício de uma actividade profissional também iniciaram a 3.a actividade muito mais tarde do que os sujeitos menos vinculados ao trabalho, o que se justifica pela significativa instabilidade profissional que estes últimos apresentaram.

• A 3a actividade profissional exercida caracterizou-se em 72% dos casos como indiferenciadas, em 24% diferenciadas e em 4% dos casos especializadas.

• Relativamente à duração da jornada de trabalho da 3a actividade profissional, 63% dos sujeitos trabalhou de uma forma intermitente e 37% a tempo inteiro.

Os sujeitos em liberdade condicional trabalharam em igual número a tempo inteiro e intermitentemente, enquanto que os sujeitos reclusos trabalharam na sua maioria de uma forma intermitente. Os sujeitos mais vinculados ao exercício de uma actividade profissional exerceram-na maioritariamente a tempo inteiro e inversamente os sujeitos menos vinculados fizeram-no quase sempre de uma forma intermitente. Comparando os resultados dos sujeitos que iniciaram a 3." actividade profissional com os que só

iniciaram a 2.a actividade profissional, observou-se um aumento do número de indivíduos que trabalharam intermitentemente e uma diminuição de indivíduos que trabalharam a tempo inteiro.

• Quanto ao tipo de escolha da 3.a actividade profissional, em 70% dos casos fizeram-no por escolha própria e 30% por oportunidade.

• Relativamente ao salário auferido no exercício da 3.a actividade profissional, 56% apresentou um salário inferior ao salário mínimo, 35% equivalente e 9% um salário superior àquele referencial.

Assim, os níveis salariais decresceram relativamente ao exercício da 2." actividade profissional, o que nos parece importante sublinhar. Os sujeitos mais vinculados ao exercício de uma actividade profissional atingiram níveis remuneratórios superiores aos sujeitos que se mantiveram mais afastados do exercício de uma actividade consistente, sendo esta conclusão reforçada pelas repetidas diferenças significativas.

5.2. As situações de desemprego antes da reclusão

• Calculou-se a idade de início da Ia situação de desemprego em 59 sujeitos, que em média surgiu aos 19 anos de idade, importando destacar que 26% dos sujeitos não apresentou qualquer período de desemprego.

Dos 59 sujeitos que enfrentaram a 1." situação de desemprego 85% revelou problemas de consumo de estupefacientes, 8% o consumo de álcool e 7% motivos vários. Os grupos de sujeitos mais vinculados ao trabalho apresentaram, obviamente, menos situações de desemprego e os períodos de inactividade têm na sua origem motivos relacionados com o consumo de estupefacientes, álcool e razões diversas. Por outro lado, os motivos para o desemprego dos grupos menos vinculados ao exercício de uma actividade profissional relacionaram-se quase exclusivamente com o consumo de estupefacientes. Importa sublinhar a relação extremamente forte entre as situações de desemprego e o consumo de estupefacientes, ainda que no grupo de sujeitos mais vinculados ao exercício de uma actividade profissional esta relação seja mais ténue do que nos grupos não vinculados ao trabalho.

• Na 2.a situação de desemprego encontraram-se 10 sujeitos que em média tinham 26,4 anos. Destes, 40% dos casos de desemprego apresentaram consumo de estupefacientes e 60% dos casos têm na sua origem razões diversas.

• Na 3a situação de desemprego antes da reclusão verifícaram-se 5 sujeitos, o que aconteceu em média aos 27,2 anos de idade.

Dos sujeitos que enfrentaram a 3.a situação de desemprego, 80%, apresentou problemas de consumo de estupefacientes e 20% razões diversas. Importa registar que é no grupo dos sujeitos em liberdade condicional que se encontraram os 4 sujeitos que enfrentaram a 3a situação de desemprego, todos devido ao consumo de estupefacientes, enquanto que no grupo dos sujeitos reclusos verifícou-se a única situação de desemprego por razões diversas. Contudo, trata-se de um grupo de sujeitos muito pequeno, o que não nos permite tirar grandes conclusões.

5.3. As adições e o exercício de uma actividade profissional

Neste momento, parece-nos importante reflectir sobre os dois grupos de variáveis que temos vindo a analisar: por um lado, o consumo de estupefacientes e álcool e, por outro lado, a situação profissional anterior à reclusão. Sublinhando desde já que 72% dos sujeitos da amostra consumiu estupefacientes, tratando-se de uma problemática transversal à grande maioria da população reclusa. Do cruzamento das variáveis acima identificadas, afirmam-se grupos de sujeitos com características próprias que importa analisar:

O grupo de sujeitos mais vinculados ao exercício de uma actividade profissional integra a esmagadora maioria dos indivíduos que não consumiu estupefacientes e os sujeitos que os consumiram fizeram-no mais tarde e iniciaram os tratamentos mais cedo do que os sujeitos menos vinculados ao trabalho.

Trata-se de indivíduos que iniciaram cedo o exercício de uma actividade profissional, com um percurso profissional estável e consistente. Desempenharam actividades indiferenciadas, quase sempre a tempo inteiro, aproveitando as oportunidades que se lhes depararam e só mais tarde seleccionaram as novas profissões. Começaram por auferir remunerações inferiores ao salário mínimo, mas na 2." actividade profissional a situação já se tinha invertido, melhorando o nível salarial. A

maioria dos que iniciaram a 3.a actividade profissional apresentou, novamente, rendimentos inferiores ao salário mínimo.

Este grupo de sujeitos teve poucas situações de desemprego e, quando estas aconteceram, tiveram na sua base motivos relacionados com o consumo de estupefacientes, álcool e razões diversas.

O grupo dos sujeitos menos vinculados ao exercício de uma actividade profissional é composto, maioritariamente por consumidores de estupefacientes, cujo consumo teve início em idades precoces, e que só tardiamente cumpriram tratamentos à toxicodependência.

Estes indivíduos começaram a sua actividade profissional mais tardiamente, apresentando um percurso profissional instável e inconstante. Desempenharam actividades indiferenciadas, mas mostraram apetência pelas actividades mais diferenciadas. Iniciaram o percurso profissional, trabalhando quase sempre a tempo inteiro, mas, numa fase posterior, só trabalharam intermitentemente, seleccionando as actividades que exerceram. Começaram por auferir, maioritariamente, remunerações inferiores ao salário mínimo e, apesar de na 2.a actividade profissional terem melhorado a situação, sempre tiveram remunerações baixas. Trata-se do grupo com mais situações de desemprego, originadas quase sempre, pelo consumo de estupefacientes.

Do cruzamento das variáveis relativas ao percurso profissional com os grupos de sujeitos em liberdade condicional e sujeitos reclusos podemos observar algumas diferenças significativas que nos parece importante registar:

Os sujeitos em liberdade condicional apresentaram um percurso profissional mais estável, exerceram, maioritariamente, actividades profissionais indiferenciadas e a tempo inteiro. Aproveitaram as oportunidades profissionais que lhe surgiram e à medida que progrediram no exercício da sua actividade profissional melhoraram os seus rendimentos.

Relativamente aos sujeitos em liberdade condicional, verificou-se que 24 indivíduos assumiram a dependência do consumo de estupefacientes, 2 o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e 14 não apresentaram adições. Se analisarmos as relações que se estabeleceram entre o exercício de uma actividade profissional e a dependência do consumo de estupefacientes, relativamente aos sujeitos em liberdade condicional podemos concluir que em 71% dos casos, verifica-se uma relação directa entre a interrupção do exercício de uma actividade profissional e o consumo de

estupefacientes: 9 sujeitos, interromperam o exercício de uma actividade profissional algum tempo depois da dependência do consumo de estupefacientes e quanto a 8 sujeitos a interrupção aconteceu quase imediatamente. Relativamente a 29% dos sujeitos não se estabeleceu qualquer relação entre o exercício de uma actividade profissional e o consumo de estupefacientes, porque em 5 casos eles mantiveram o exercício de uma actividade profissional depois da dependência do consumo de estupefacientes e em 2 casos os sujeitos já não exerciam qualquer actividade profissional consistente antes da dependência dos consumos.

No que se refere ao consumo excessivo de álcool, um sujeito em liberdade condicional apresentou-se vinculado ao exercício de uma actividade profissional apesar da dependência do consumo de álcool, enquanto que o outro, depois da dependência do consumo de bebidas alcoólicas, desvinculou-se do exercício da sua actividade profissional.

Relativamente aos sujeitos em liberdade condicional sem adições verificou-se que 11 exerceram uma actividade profissional consistente e 3 apresentaram-se desvinculados do exercício dessa actividade profissional.

Os sujeitos reclusos tiveram um percurso profissional mais instável, exerceram actividades profissionais indiferenciadas, foram mais selectivos na escolha da actividade profissional e tiveram dificuldade em melhorar o nível salarial, apresentando baixas remunerações.

Constatou-se que 29 dos sujeitos reclusos assumiram a dependência do consumo de estupefacientes e 4 o consumo de bebidas alcoólicas e somente 7 indivíduos não apresentaram adições. Quanto a 62% dos sujeitos verificou-se que o exercício de uma actividade profissional é interrompido após a dependência do consumo de estupefacientes. Em 12 situações dessas a interrupção aconteceu passado algum tempo depois da a dependência do consumo de estupefacientes e em 6 casos a interrupção é quase simultânea dessa dependência.

Verificou-se que para 38% dos sujeitos não se estabeleceu uma relação entre as duas variáveis: assim, 2 sujeitos mantiveram o exercício de uma actividade profissional, antes e depois do, consumo de estupefacientes. Observaram-se 6 sujeitos que depois de terem exercido uma actividade profissional consistente, a interromperam mesmo antes da dependência do consumo de estupefacientes, 2 sujeitos iniciaram a dependência do consumo de estupefacientes e nunca exerceram qualquer actividade consistente, enquanto que 1 sujeito assumiu uma postura de vinculação ao trabalho, tendo sido preso

duas vezes e só no cumprimento da 2a reclusão tornou-se dependente do consumo de estupefacientes.

Relativamente aos sujeitos reclusos que apresentaram consumos excessivos de álcool, importa considerar que nas 4 situações encontradas os sujeitos apresentaram pouca vinculação ao exercício de uma actividade profissional.

No que se refere aos sujeitos reclusos sem adições concluiu-se que 4 sujeitos revelaram vinculação ao exercício de uma actividade profissional antes da reclusão, enquanto 3 sujeitos apresentaram pouca vinculação a esse exercício.

O grupo dos sujeitos toxicodependentes é constituído por 53 sujeitos, dos quais, antes da dependência do consumo de estupefacientes 42 trabalhavam e 11 não trabalhavam. Em consequência da dependência do consumo de estupefacientes, dos 42 sujeitos que trabalhavam antes do consumo de estupefacientes apenas 8 sujeitos mantiveram o exercício regular de uma profissão. Por fim, importa ainda considerar que a dependência do consumo de estupefacientes ocorreu sempre antes da reclusão, com excepção de uma situação, em que o sujeito só se tornou dependente do consumo de estupefacientes depois da reclusão.

Estas análises pareceram-nos muito interessantes porque demonstraram que a dependência do consumo de estupefacientes teve repercussões importantes no percurso profissional dos sujeitos, na medida em que após essa dependência verificou-se um afastamento progressivo do mercado de trabalho e, posteriormente, a condenação dos sujeitos em pena de prisão. Assim, na esmagadora maioria destes casos, num 1.° momento a maioria dos sujeitos trabalhou; num 2o momento, os sujeitos passaram a depender do consumo de estupefacientes; num 3o momento os sujeitos afastaram-se do exercício de uma a ctividade profissional e, finalmente, num 4o momento, são presos. Entre os diversos momentos descritos, verificaram-se períodos de tempo muito variáveis de sujeito para sujeito, mas é esta a ordem pela qual o fenómeno se verifica.