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O CONSENSO EM TORNO DA IDEIA DA RESSOCIALIZAÇÃO E DO TRABALHO PENITENCIÁRIO RESSOCIALIZADOR

Vamos agora analisar as normas emanadas das organizações internacionais ONU e Conselho da Europa relativamente aos objectivos da pena de prisão, nomeadamente no que se refere às finalidades de protecção da sociedade e à ressocialização dos reclusos. Simultaneamente, observaremos que as normas emanadas das organizações internacionais e os regimes legais em vigor, nos países mais desenvolvidos, atribuem uma especial importância ao tratamento penitenciário em geral e ao trabalho penitenciário em especial. No fundo, verificaremos que existe uma forte relação entre a posição que defendemos e a legislação internacional e nacional.

3.1. As regras mínimas para o tratamento dos reclusos (O.N.U.)

Não se pretende aqui realizar uma análise exaustiva de toda a regulamentação emanada das principais instâncias internacionais sobre a matéria. Importa, contudo, perceber que ao longo do tempo se afirmou um forte consenso na comunidade internacional sobre os princípios básicos e indispensáveis para uma adequada execução da pena de prisão, os quais exerceram uma enorme influência nos ordenamentos jurídicos europeus posteriores à Segunda Guerra Mundial.

Desde o início do séc. XX que a comunidade internacional se preocupa com os problemas relacionados com o cumprimento da pena de prisão, definindo num primeiro momento as condições físicas minimamente necessárias ao cumprimento da pena de prisão, nomeadamente as dimensões das celas, condições de ventilação, etc.

Posteriormente, ainda no âmbito da sociedade das nações, definiu-se um conjunto de princípios mínimos para o tratamento dos reclusos adoptados na Assembleia Geral da Sociedade das Nações, em 1935. Depois da Segunda Guerra Mundial, no âmbito da O.N.U., procedeu-se à revisão das Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos, cuja aplicação foi recomendada aos Governos por Resolução do Conselho Económico-Social da O.N.U., de 57JUL31. Em 730UT19, o Comité de

Ministros do Conselho da Europa aprovou uma nova redacção destas regras e, em 87FEV12, procedeu a nova revisão, da qual resultou a Recomendação n.° R(87)3, a que passou a chamar-se as Regras Penitenciárias Europeias.

As Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos, nomeadamente a RM 58, definem dois grandes objectivos para o cumprimento da pena de prisão: A) A protecção da sociedade, permitindo a sua defesa através do afastamento do delinquente. B) A ressocialização do delinquente, aproveitando o tempo de prisão para que o recluso altere o seu modo de vida.

As Regras Mínimas estipulam que a pena de prisão só deve ser aplicada como

última ratio e desde que as penas alternativas não se mostrem adequadas à defesa da

sociedade ou ao exercício de uma atitude adequada sobre o delinquente. Na verdade, é pacífico que não existe uma relação directa entre o recurso à pena de prisão e os níveis de criminalidade, ao mesmo tempo que os efeitos nefastos do cumprimento da prisão são por demais conhecidos.

Quando a aplicação da pena de prisão for incontornável, a RM 5 9 define um conteúdo positivo ao regime penitenciário: a ressocialização do recluso, para que seja possível proporcionar ao indivíduo condições que possibilitem o seu regresso à sociedade, observando as normas penais que são impostas a todos os cidadãos. Um factor essencial no processo de ressocialização dos reclusos é o tratamento penitenciário, que deve ser individualizado para cada sujeito, segundo as necessidades de cada um, as quais são definidas após um diagnóstico individualizado, admitindo o sistema prisional respostas diversas para os vários problemas detectados. Os diversos sistemas prisionais, ainda que tenham necessidade de manter a disciplina, devem tentar reduzir ao mínimo as diferenças entre a vida dentro e fora das prisões, pois a exacerbação da privação da liberdade é injustificável e reduz as hipóteses de ressocialização após a libertação. Os regimes prisionais tendem a definir a disciplina dos reclusos ao mínimo pormenor, retirando-lhes o poder de iniciativa individual e o sentido de responsabilidade pessoal. Para alcançar o objectivo da pena de prisão (socialização do delinquente) é imperativo reduzir ao mínimo as diferenças entre a vida "dentro" e " fora" d as p risões. C onforme a s R M ó O e ó l i mporta f azê-lo, p ara q ue o recluso colocado em liberdade se sinta apto a reintegrar-se na vida da comunidade.

As RM 71 e 72 atribuem grande importância ao trabalho penitenciário, enquanto instrumento privilegiado para a promoção da reinserção social dos reclusos, devendo a actividade laboral exercida durante o cumprimento da pena de prisão ser orientada para

o futuro regresso à comunidade. Pretende-se proporcionar-lhes a melhoria das suas competências profissionais, o desenvolvimento e a consolidação de hábitos de trabalho regulares através do exercício de actividades profissionais, de preferência escolhidas pelo próprio indivíduo. É desejável que seja facultado aos reclusos um período de trabalho semelhante ao exercido em liberdade e que a actividade profissional tenha um carácter formativo, desenvolvendo nos reclusos competências profissionais que lhes permitam enfrentar o mercado de trabalho. A organização e os métodos de trabalho devem ser equivalentes aos existentes na comunidade.

O exercício de uma actividade profissional poderá contribuir para a reinserção social dos reclusos porque evita ou diminui os efeitos negativos da execução da pena de prisão, como a perda de autonomia, de responsabilidade, a ociosidade e ainda lhe permite auferir alguns rendimentos, desenvolvendo, em simultâneo, as suas competências profissionais e estimulando os hábitos de trabalho, que no futuro lhe permitirão integrar a sociedade.

3.2. O direito comparado

Analisemos as principais orientações legislativas dos países europeus relativamente à questão penitenciária.

Marc Ancel (1981) dirigiu um trabalho de investigação sobre os Sistemas Penitenciários na Europa Ocidental que incluiu a Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, Grã-Bretanha, Grécia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Portugal e Republica Federal Alemã, Suécia e a Suíça.

Apesar de o trabalho ter sido realizado em 1981, parece-nos muito útil na medida em que nos permite concluir que a reforma dos sistemas penitenciários levada a cabo, nestes países, após a 2.a Guerra Mundial, assenta em três princípios fundamentais: - a pena privativa de liberdade deve consistir estritamente na privação da liberdade, sem implicar qualquer outro sofrimento;

- a execução da pena deve ser orientada principalmente para a reeducação e reinserção social do delinquente;

- o regime e acção penitenciária devem assegurar o respeito pelos direitos fundamentais do homem.

Sendo estes os princípios fundamentais que orientaram as reformas penitenciárias nos países considerados e que representam ainda hoje a matriz dos respectivos sistemas penitenciários, o mesmo autor chama ainda a atenção para a necessidade de considerar a influência que alguns fenómenos exerceram sobre o direito penal em geral e a execução das penas em especial, nomeadamente o terrorismo, o surgimento de uma criminalidade cada vez mais violenta, o aumento significativo dos sentimentos de insegurança da população em geral e a politização do fenómeno criminal.

Por outro lado, observou-se alguma contestação à noção de "prevenção do crime e correcção do delinquente" pela nova criminologia, ou pela criminologia crítica, pondo em c ausa, s obre o p lano d outrinal, a s p osições d e b ase d a c riminologia, pretendendo diminuir a relevância do tratamento penitenciário e preconizando uma severidade acrescida das penas.

Mas, apesar de tudo, os diferentes ordenamentos jurídicos reafirmam que as penas privativas da liberdade assumem a função de afastar o indivíduo da comunidade e do convívio com os homens livres, devendo-se utilizar o período de reclusão para preparar o regresso do indivíduo ao seio dessa mesma comunidade. A pena tem assim uma dupla finalidade: se, por um lado, a privação da liberdade é em si mesma uma sanção, durante a reclusão pretende-se, simultaneamente, desenvolver uma intervenção sobre o condenado com vista à sua socialização.

Fundamental é a aplicação individualizada da pena, o que supõe o conhecimento da personalidade do condenado e, por conseguinte, uma observação dos delinquentes e dos detidos. Ao recluso é reconhecido o "direito ao tratamento", devendo ser considerado como um "sujeito activo" do mesmo. A observação conduz à classificação dos detidos e joga um papel importante do ponto de vista da colocação dos condenados e da escolha dos métodos que lhe são aplicados pois, para cada caso, devem ser escolhidos os programas de tratamento mais adequados. Simultaneamente, verifica-se uma grande preocupação pela melhoria das condições materiais de detenção, nomeadamente, das condições de saúde, higiene, alimentação, ocupação dos tempos livres e educação. Incrementou-se o desporto, a organização de diversões, a cultura e a religião.

Ainda segundo Marc Ancel (1981), o trabalho penitenciário constitui para a maioria dos penalistas um meio importante de luta contra os efeitos nocivos do internamento e de preparação dos detidos para a vida em liberdade. Contudo, existem

dificuldades consideráveis, tendo em conta a falta de meios dos estabelecimentos, a falta de pessoal, as condições sociais e, às vezes, a hostilidade dos trabalhadores livres e a resistência exterior dos sindicatos. Apesar dos esforços para aumentar as possibilidades de melhorar as condições do trabalho penitenciário, as realizações estão longe de estar à altura das ambições declaradas. O trabalho é considerado como um meio de ressocialização e um direito do condenado, devendo proporcionar uma formação profissional ao detido, o q ue o s t extos a firmam frequentemente, mas que a realidade concreta está longe de confirmar.