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3. VARIAÇÃO LINGUISTICA: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

5.5. A SOCIOLINGÜÍSTICA CHEGA À ESCOLA? O ALICERCE ESTÁ FEITO

Para se entender como a escola assimila todo o legado da legislação educacional é importante perceber como hoje a escola da rede pública estadual de ensino elabora o seu projeto político-pedagógico. A partir de uma visão que a mesma tem de mundo e do tipo de sociedade que pretende construir, traça a visão de ser humano e do tipo de pessoa que quer formar, além de estabelecer a visão de educação e as finalidades da educação bem como demarcar o papel que a escola desempenha na realidade (Ceará,2006b).

Além disso, a escola define quais os conteúdos a serem ministrados de modo a efetivar esse conjunto de visões da escola e que constituem sua missão. E, neste caso, é oportuno reportar ao pensamento de Sacristán (1998) sobre quais conteúdos se deve ensinar. “É preciso clareza a respeito de que função queremos que estes cumpram em relação aos indivíduos, à cultura herdada, à sociedade na qual estamos e à qual aspiramos conseguir” (p.149).

O projeto político-pedagógico, com destaque para a proposta curricular e concepção de aprendizagem por área, mapa curricular68, concepção da forma de avaliação da aprendizagem adotada pela escola (Ceará, 2006b), está contido no documento Gestão Integrada da Escola – GIDE69 .

Esse documento, implantado nas escolas da rede pública estadual de ensino em 2005, traz a orientação de que deve ser construído num trabalho articulado com toda a comunidade escolar. Segundo a proposta oficial, o foco do trabalho é o gerenciamento para

68 O mapa curricular contém o conteúdo a ser ministrado e o detalhamento desse conteúdo.

69 A GIDE é um documento que nasce consubstanciando três documentos de planejamento anteriormente

utilizados na escola: O Projeto Político Pedagógico - PPP, o Plano de Desenvolvimento da Escola - PDE e o Plano de Melhoria da Educação (CEARÁ, 2006b).

resultados (elaboração de planos de ação, implementação e acompanhamento, padronização e tomada de ações corretivas), o enfoque político-pedagógico (referencial pedagógico, definição do perfil de pessoas que se quer formar) e as metas globais e estratificadas (estabelecidas na atividade-fim com definição de objetivos e políticas) (CEARÁ, 2006 b).

Para a construção da GIDE, a escola parte do seu diagnóstico, que deve ser composto pela análise de resultados70 e análise estratégica71. Em seguida, constrói seu marco

referencial, que nasce a partir de uma riqueza de questionamentos que aqui reproduzimos:

Tomada de posição da escola. É a sua referência de base, e o que ela planeja em relação à sua identidade, visão de mundo, sonhos, valores, compromissos. Expressa o rumo, o horizonte, a direção que a escola escolheu (...). Nasce como busca de respostas a inquietações de natureza filosófica, ideológica e política. Algumas questões podem nortear a definição do Marco referencial quais sejam: a) a instituição escolar tem sua existência marcada pela manutenção dos status quo ou pela capacidade de transformação social? b) Como uma escola democrática pode efetivamente colaborar para a construção do homem novo? c) que modelo de sociedade é necessário construir para as novas gerações? D) como a escola se define em relação a sua comunidade e e) quais seus compromissos políticos, sociais, educacionais? (CEARA, 2006b, p.14)

Este marco divide-se em três subpartes: marco situacional, marco doutrinal filosófico e marco operativo. No marco situacional a escola avalia a realidade e destaca os aspectos positivos e os negativos identificados, em relação à visão de mundo, de ser humano e de educação. Após este procedimento, constrói o seu marco doutrinal ou filosófico, que abriga o ideal de escola a ser buscado no que se refere ao tipo de sociedade a ser construída, ao tipo de pessoa a ser formada e a finalidade que dá à educação. Em seguida, neste mesmo marco, a escola define a sua identidade estratégica, mostrando seu compromisso para o futuro: missão, visão de futuro e valores da escola.

E por fim, no marco operativo, a escola expressa seus critérios de ação para os diversos aspectos relevantes tendo em vista a missão, visão de futuro e valores estabelecidos, e mantendo a devida articulação com a realidade identificada no marco situacional.

No documento, o marco operativo diz respeito a duas dimensões do trabalho escolar: a dimensão pedagógica e a dimensão administrativo-comunitária. Em nossa análise focaremos apenas a dimensão pedagógica, pois é nesta que a escola aborda o planejamento pedagógico e o desenho curricular com a devida definição dos conteúdos disciplinares a

70 Na análise de resultados, a escola trabalha seus indicadores pedagógicos e de qualidade dos serviços

educacionais produzidos pela escola.

71 Através da análise estratégica, a escola se avalia como um todo, por meio da observação dos fatores

serem trabalhados. Nessa dimensão a escola descreve como realizará o trabalho pedagógico em consonância com o Marco Doutrinal.

Para a elaboração do Desenho curricular e definição dos conteúdos disciplinares para o ensino fundamental, por nível/ modalidade de ensino, área, disciplina e professor, a escola recebe a orientação da SEDUC de que deve consultar a Matriz Curricular do Ensino Fundamental disponibilizada no SADRE72,observar as Matrizes de Referência do SPAECE73

e do SAEB74 e fazer a leitura dos PCN.

É importante destacar que, na matriz de referência75 do SPAECE, criada principalmente com base nos RCB, no rol dos 32 descritores (D) 76 de Língua Portuguesa que compõem a matriz para a avaliação da 8ª série, aparecem 08 descritores (doravante D) voltados para o trabalho com variação lingüística77. Quais sejam:

• D14 – “Compreender as diferentes variedades do Português”; • D20 – “Adequar textos ao tipo de registro (formal, informal)”; • D21 – “Relacionar indícios fonológicos e diversidade lingüística”;

• D22 – “Estabelecer relações entre indícios sintáticos e diversidade lingüística”;

• D23 – “Estabelecer relações entre escolha lexical e diversidade lingüística”;

• D24 – “Estabelecer relações entre pistas morfológicas e diversidade lingüística”;

• D25 – “Estabelecer relação entre estrutura sintática e diversidade lingüística”;

• D32 – “Relacionar alterações de sentido e efeitos estilísticos”.

72O Sistema de Acompanhamento da Rotina Escolar é um sistema informatizado que agrega todas as

informações da escola e deve ser alimentado diariamente pela própria escola. O gerenciamento do sistema é feito pela Secretaria da Educação - SEDUC.

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Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará. Foi criado em 1992, visando fomentar uma cultura avaliativa no Estado do Ceará, analisar as necessidades de aprendizagem consideradas básicas tendo em vista a formulação e o monitoramento das ações educacionais, possibilitando a todos os envolvidos no processo escolar um acompanhamento efetivo dos resultados escolares obtidos no ensino fundamental e médio. Foi criado com base no SAEB (CEARÁ, 2003).

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Sistema de Avaliação da Educação Básica, que é de responsabilidade do MEC.

75 São referências de algumas competências e habilidades selecionadas para a série/disciplina possíveis de serem

avaliadas, conforme modelos e metodologias adotadas. Não servem como currículo nem podem substituí-lo, pois este tem uma maior amplitude (cf. CEARA, 2003).

76 Discriminação das capacidades a serem desenvolvidas pelos alunos.

77 O resultado da avaliação é apresentado por escola e por disciplina. O acerto por descritor só aparece no

resultado geral do Estado, o que nos impossibilita de visualizar o resultado de acertos dos itens relacionados às questões que envolvem variação lingüística, por escola.

Ademais, conforme orientação expressa da SEDUC, a escola deverá consultar também a Matriz Curricular de referência para o SAEB, quando da elaboração de seu currículo e da definição dos conteúdos a serem ministrados. Vale destacar que, nessa matriz, os descritores vêm separados por tópico, tendo um tópico só para variação lingüística. Neste tópico vem um único descritor (D13) que é “identificar as marcas lingüísticas que evidenciam o locutor e o interlocutor de um texto” (CEARÁ, 2003).

Todas essas orientações são repassadas para a escola, que deverá ter nesses documentos o suporte legal que definirá as escolhas a serem feitas quando do delineamento de seu currículo e dos conteúdos a serem ministrados por série e disciplina.

É importante destacar que o Coordenador Pedagógico (doravante CP) 78, membro do Núcleo Gestor79 da escola, é o principal agente responsável por mobilizar a comunidade escolar80 para a elaboração da GIDE. É responsável também por conduzir, com os professores, a definição dos consteúdos a serem ministrados por disciplina, zelando para que estes mantenham consonância com as orientações oficiais.

Dada a relevância de seu papel para o desenvolvimento dos processos escolares, oportunamente, destacamos o conjunto de competências que oficialmente lhe é apresentado:

• Cooperar com os professores na construção de uma ação curricular dinâmica, crítica, criativa e competente no desenvolvimento de aprendizagens significativas.

• Implementar, coordenar, acompanhar e avaliar a execução do Projeto político-pedagógico da Escola.

• Monitorar os indicadores educacionais, tais como taxa de aprovação, reprovação e abandono, propondo e discutindo com a congregação de professores estratégias para melhoria de tais indicadores.

• Coordenar a dinâmica curricular, apoiando os professores no planejamento, execução e avaliação das ações docentes.

• Viabilizar a avaliação do processo de ensino-aprendizagem, adotando medidas para corrigir deficiências diagnosticadas na aprendizagem dos alunos.

• Oportunizar o aperfeiçoamento continuado dos professores dentro e fora da escola, tendo como base a demanda curricular dos níveis de ensino em que estes atuam.

• Coordenar e acompanhar a execução do planejamento pedagógico, favorecendo a participação, decisão e a avaliação das ações.

• Zelar pelo cumprimento do plano de trabalho dos docentes. (CEARÁ, 2004, p. 17-18)

78

O CP também foi alvo de nossa investigação; nosso propósito visava identificar como o mesmo conduz as orientações pedagógicas, como entende a questão da variação lingüística e como sua prática pode ser catalisadora das mudanças das práticas do ensino de língua na escola.

79 O núcleo gestor das escolas é um colegiado formado pelo diretor, coordenador pedagógico, coordenador de

gestão, coordenador-administrativo financeiro e secretário escolar. O número de cargos do núcleo gestor é definido com base na tipificação das escolas: nível A (com mais de 1500 alunos) tem todos os cargos; nível B (entre 700 e 1499) tem um coordenador a menos: a escola opta pelo coordenador de gestão ou pelo coordenador administrativo-finaceiro; nível C (entre 300 e 699 alunos) só tem o Diretor, o Coordenador Pedagógico e o Secretário Escolar (cf. CEARÁ, 2004).

80 Entende-se por comunidade escolar os professores, funcionários, pais e alunos bem como os organismos

colegiados de abrangência escolar como, por exemplo, o Conselho Escolar, que é um órgão que aglutina representantes de todos os segmentos, e o Grêmio Estudantil, que é a representação legítima dos estudantes (cf. CEARÁ, 2004).

Ao observarmos esse conjunto de competências do Coordenador Pedagógico, percebemos o quão relevante é seu papel na escola. Em termos de língua portuguesa, a contribuição desse agente é fundamental no acompanhamento ao planejamento e às práticas didáticas do professor de língua portuguesa, na escolha do livro didático, na inclusão dos conteúdos na matriz curricular e nos rumos pedagógicos da escola como um todo. Assegurar que a GIDE mantenha consonância com as orientações oficiais contidas nos PCN e RCB, primando para que, de fato, haja mudança de paradigma no ensino da língua, é também uma de suas incumbências. Para que a Sociolingüística chegue à escola, o Coordenador Pedagógico deve ser também um agente catalisador da concepção de que a língua sofre variação.

Considerações finais do Capítulo

São inegáveis as contribuições da Sociolingüística para a educação. E isso é notório quando se observa que os documentos oficiais para o ensino como os PCN e RCB já absorveram contribuições advindas dessa ciência, passando assim a suscitar mudanças relevantes no currículo de Língua Portuguesa como língua materna.

O grande desafio que ora se impõe é a correlação destes documentos com o projeto político pedagógico da escola e, sobretudo, o alinhamento com o trabalho docente, de modo a assegurar a verdadeira vivência de uma práxis educacional, em que as questões sobre variação lingüística sejam verdadeiramente levadas em conta nas aulas de Língua Portuguesa, quando do ensino da leitura, da escrita, da análise lingüística e, enfim, das práticas especializadas de usos da língua.

6. METODOLOGIA

Apresentação

Esta parte do trabalho trata da descrição da metodologia empregada para a realização da presente pesquisa. Discorremos sobre os procedimentos metodológicos empregados, o campo de pesquisa, os parâmetros utilizados na análise dos dados bem como o tratamento dado aos resultados e discussões dos dados coletados.