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3. VARIAÇÃO LINGUISTICA: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

4.1. POLÍTICA LINGÜÍSTICA

Calvet (2002) defende que as aplicações da sociolingüística são numerosas e assevera que “o interesse de uma ciência não se mede apenas por seu poder explicativo, mas também por sua utilidade, por sua eficácia social, em outras palavras, por suas possíveis aplicações.” (p.145). Acrescenta ainda que um dos campos em que essa ciência mais tem atuado é nas relações entre as línguas no quadro dos Estados. Nesse contexto, elege, para tanto, dois conceitos importantes: política lingüística e planejamento lingüístico.

Segundo ele, a política lingüística é um conjunto de escolhas conscientes referentes às relações entre língua(s) e vida social e planejamento lingüístico é a implementação prática de uma política lingüística, em suma, é “a passagem ao ato” (p.145). E mostra que não importa que grupo possa elaborar uma política lingüística (grupos familiares poderiam fazer isso), mas, no campo das relações entre língua e vida social, somente o Estado

tem o poder e os meios de passar ao estágio do planejamento e pôr em prática as suas escolhas políticas.

Nessa perspectiva, como só o Estado goza da prerrogativa de desenhar e implementar uma política, é necessário influenciar nessas escolhas. E é em função disso, que a comunidade científico-acadêmica tem levado para universidades, congressos, seminários e publicações especializadas a discussão sobre o caráter multilíngüe e multidialetal da sociedade, de modo a contribuir com as escolhas políticas do Estado quando do desenho de uma política lingüística. Este caráter da língua, quando da criação de uma política, segundo Calvet (2002), suscita dois tipos de problemas: o primeiro é de controle democrático, ou seja, aqueles que têm o conhecimento lingüístico não devem permitir que os que tomam decisões as façam ao seu bel prazer, muitas vezes ignorando as especificidades lingüísticas; o segundo é de interação entre a análise das situações, pelas instâncias de poder, e a análise, quase sempre intuitiva, feita pelo povo. Os sociolingüistas, neste caso, percebem qual a intuição dos falantes, sendo suas contribuições imprescindíveis a uma política lingüística que contemple a heterogeneidade da língua e suas múltiplas variedades.

A despeito da resistência por parte de muitos que têm, em nome do Estado, o poder de legislar, os cientistas da língua devem continuar se empenhando no sentido de interferir nas decisões políticas do Estado, uma vez que as intervenções deste se estendem a todas as áreas da vida social. A Política Lingüística está na base da ação do Estado a respeito das línguas.

Hamel (1988) defende que as bases teóricas e metodológicas da Sociolingüística, longe de ser um exercício meramente acadêmico, constituem um elemento necessário para a política lingüística. Esta, para ele, num sentido restrito, é o conjunto de ações deliberadamente adotadas em relação à língua, entre várias alternativas públicas. E tradicionalmente pode ser percebida sob três frentes diferentes: 1) a externa, que define o papel de cada língua (num contexto multilíngüe), seu uso e suas funções em âmbito público; 2) a interna, através da qual se estabelecem normas gramaticais, elaboração de dicionários etc.; 3) e a do campo do ensino ou pedagogia da língua, que, de acordo com as decisões tomadas nas frentes anteriores, estabelece os planos de estudos (programas bilíngües por exemplo) e os métodos de ensino.

Ao tratar dos objetivos e estratégias de uma Política Lingüística,23 Mira Mateus (2005) destaca também três vertentes que julga deverem presidir uma política lingüística: 1) A

23 Mesa redonda sobre “Uma política de língua para o português”. Cf. MIRA MATEUS, Maria Helena.

Objectivos e estratégias de uma política lingüística. <Disponível em: < www.iltec.pt/pdf/> Acesso em 15 out., 2005.

língua como forma de construção da pessoa e de comunicação cotidiana do indivíduo, como língua materna; 2) A língua como veículo de escolarização de comunidades que a utilizam como língua segunda; 3) A língua como referência sócio-política e cultural nos espaços em que é língua estrangeira.

Castilho (2005) amplia tal discussão e diz que os debates que vêm sendo feitos acerca da temática das Políticas Lingüísticas, no meio científico-acadêmico, têm considerado pelo menos seis eixos: (1) a língua oficial e sua gestão, (2) gestão das comunidades bilíngües e plurilíngües, (3) gestão das minorias lingüísticas, (4) o Estado e o ensino da Língua Portuguesa como língua materna, (5) atuação das universidades brasileiras nas questões da pesquisa e ensino da língua portuguesa e (6) o Estado e o ensino das línguas estrangeiras.

Tanto Hamel (1988) quanto Mira Mateus (2005) e Castilho (2005) ressaltam a importância do viés educacional da Política Lingüística. A partir dos tópicos citados por estes autores percebe-se que cabe ao Estado definir as diretrizes para o ensino da língua, bem como a perspectiva político-pedagógica e, por conseguinte, os pressupostos teórico-metodológicos, também.

É nesse terreno de possibilidades que se faz importante a compreensão de quais pressupostos queremos que sejam utilizados pelo Estado quando do desenho de uma Política Lingüística para a Língua Portuguesa, pois desta emanarão as diretrizes de como o ensino da língua materna será tratado no âmbito das políticas educacionais. Afinal, como assevera Orlandi (1988), faz parte da reflexão da política lingüística não só buscar estabelecer fatos que se situam no escopo da política da linguagem, mas também tornar conhecidos os percursos históricos que instituem uma política específica.

A discussão que se faz presente nas grandes universidades do país, acerca da necessidade de consolidação de uma política lingüística, nos mostra que a definição dessa

sociolingüística na prática24 não pode prescindir do entendimento de uma sociedade

diversificada também em seus aspectos lingüísticos. Essa compreensão deve permear a ação política das autoridades que têm a incumbência de traçar as políticas públicas voltadas para o ensino.

Não obstante esse entendimento de que a concepção que deve nortear a política lingüística, ao delinear as diretrizes para o ensino da língua, deve considerar os postulados sociolingüísticos, em razão da complexa responsabilidade de definir as funções sociais que se atribui às diversas variedades dialetais, existem críticas quanto à proposta educacional da

Sociolingüística. Estas críticas, como nos mostra Bortoni-Ricardo (2005), advêm tanto de profissionais de áreas externas a essa ciência, como sociólogos e analistas do discurso, que a vêem dissociada de uma teoria social mais ampla, quanto de muitos sociolingüistas, que tendem a subestimar a importância das diferenças dialetais no aprendizado da língua, convencidos de que as diferenças lingüísticas não são a causa primária do fracasso educacional, mas sim os preconceitos vigentes na sociedade.

Bortoni-Ricardo (op. cit.) defende, entretanto, que a sociolingüística25 tem papel relevante e específico a desempenhar no processo educacional, principalmente no ensino de língua materna, embora advogue que tal forma de contribuição mereça ser revista26. Assevera a autora que o que é preciso, de fato, é contribuir para o “desenvolvimento de uma pedagogia sensível às diferenças sociolingüísticas e culturais dos alunos e isto requer uma mudança de postura da escola – de professores e alunos - e da sociedade em geral” (2005, p.130). Aqui destacamos o papel da política lingüística para lançar as bases fundantes dessa pedagogia pautada pelo reconhecimento de tais diferenças.

O reconhecimento de uma sociedade culturalmente e sociolinguisticamente plural nos remete a somar esforços no sentido de empreender a defesa em favor da democratização da sociedade, em que o falante-cidadão tenha de igual modo seus direitos respeitados. É no bojo dessa discussão que situamos a questão da variação lingüística, que essencialmente porta a marca da diversidade, fazendo frente às idéias difundidas na sociedade em torno das noções de correção lingüística, pautadas em juízos de valor dicotômicos (certo

vs errado, bonito vs feio).

E é nesse contexto que adquire força o tema dos direitos lingüísticos: falar diferente e ter sua fala respeitada, ser reconhecido como membro de uma comunidade lingüística, é um direito pessoal inalienável, conforme expresso na Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos 27.

25 A autora denomina de sociolingüística educacional, de forma genérica, todas as propostas de pesquisas

sociolingüísticas que tenham por objetivo contribuir com o aperfeiçoamento do processo educacional, mais especificamente na área do ensino de língua materna. Para ela, a tarefa da sociolingüística educacional não se esgota na descrição da variação e divulgação de trabalhos obtidos (cf. Bortoni-Ricardo, 2005).

26 Abordaremos a revisão sugerida por Bortoni-Ricardo no capitulo IV.

27 Documento redigido por uma equipe de diversas áreas de atuação, a partir de setembro de 1994, e que foi

encomendado pelo Comitê de Traduções e Direitos Lingüísticos do PEN Club Internacional e pelo Centro Internacional Escarré para as Minorias Étnicas e as Nações – Ciemen, órgãos responsáveis pela Conferência Internacional que reuniu representação de mais de 190 países. Tal conferência foi realizada em Barcelona, entre os dias 6 e 9 de junho de 1996. Dentre os documentos inspiradores e, portanto, basilares dessa Declaração temos: Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966); Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966); Resolução 47/135 (1992) da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, que adota a Declaração sobre os Direitos das Pessoas pertencentes a minorias nacionais ou étnicas, religiosas e lingüísticas; Declaração de Santiago de Compostela; Declaração de Recife (1997);