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3. VARIAÇÃO LINGUISTICA: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

7.4. PROFESSORES DE LINGUA PORTUGUESA

7.4.3. Prática pedagógica do professor

7.4.4.5. Mudança lingüística

O outro aspecto que foi observado diz respeito à mudança lingüística. A pouca compreensão da maioria dos professores pesquisados em relação ao fenômeno da variação é alinhada à pouca compreensão sobre mudança lingüística. A maneira como os professores explicam aos alunos a diferença entre a fala dos mais velhos e o modo de falar da juventude pareceu-nos não ter assento na compreensão das motivações sociolingüísticas.

Sem conseguir fazer uma ligação de forma mais clara com os fatores extralingüísticos e/ou lingüísticos responsáveis por essa diferença e, conseqüentemente, pela mudança, um dos professores pesquisados (A), ainda que reconhecendo que existe a variedade lingüística e mencionando a pouca escolaridade, explica a diferença pautada pelo entendimento de que os mais velhos devem ser respeitados, e, por conseguinte, sua fala também.

Eu tenho uma turma à noite que é bastante heterogênea, têm jovens e têm adultos.E os adultos é na faixa etária de 50 anos e os jovens na faixa etária de 16. E tem uma senhora que quando ela não entende a matéria, ela diz “eu não intindi nada”. Aí os mais jovens, geralmente, ficam repetindo o que ela falou... uma maneira de rir. E tem outro aluno que é na mesma faixa etária dessa senhora; ele diz: “hoje tem reunião de lidere de crasse”. Então eu percebo que eles vieram pra escola um pouco mais tarde e tá prevalecendo a linguagem que eles ainda trouxeram lá do interior. (...) Mas os mais jovens usam uma linguagem... essa gente já escuta a TV, e eles não tem esse tipo de fala (rs); então é o jeito trabalhar textos que fale sobre a variedade lingüística para que eles não discriminem as pessoas que tem essa maneira de falar. (...) Eu falo pra eles: pessoal tem que respeitar a maneira de cada um falar. Se você fala sua gíria e se sente bem, vamos deixar também o colega falar da maneira dele, do jeito que se sente bem! (PROFLPF06A)

Um amadurecimento teórico acerca da metodologia de análise sugerida por Bortoni-Ricardo (2004), em que a autora situa os diversos falares brasileiros ao longo de um continuum de urbanização, traria contribuições mais consistentes a esse professor, quando de suas explicações em sala de aula.

02 (dois) outros professores, também, justificam aos alunos a diferença entre a fala dos mais velhos e a dos mais jovens apelando para o respeito à fala dos mais velhos pelo fato de serem idosos ( B e C). Um destes (C) mencionou a dimensão histórica da mudança, denominando a fala dos mais velhos como uma fala que tem história e a fala dos mais jovens como uma fala representante da dinâmica da língua. Para explicar isso aos alunos, ele faz uso do contraste entre as palavras utilizadas hoje com as utilizadas em décadas passadas, conforme nos mostra:

A fala dos mais velhos seria uma fala que tem história, que deve ser valorizada. E a fala dos mais jovens, ela retrata a dinâmica da língua: avanço, modificações. Então ambas devem ser valorizadas. Por que não conhecer quais palavras eram usadas na década de 70, ou 50, ou 80, ou 90? Como é que nós estamos falando agora? Por exemplo, na infância era colant, hoje em dia é bari... Eles até brincam. Gigolete, na infância, hoje em dia é chamado de tiara (...) (PROFLPF06C).

Há também explicação sobre a mudança lingüística que demonstra ausência de clareza sobre o fenônemo e ainda reproduz o mito de que uma fala é melhor que a outra, como podemos observar no posicionamento de um dos professores pesquisados:

(...) porque é de acordo com a época. Tem época que eles... a pessoa que mora no interior, a pessoa que não sabe ler nem escrever, elas podem até errar mais do que a gente que tem letramento, né? Porque nós temos o letramento na escola. Então a gente tem que pegar essa linguagem tida como corriqueira e trazer para a linguagem formal, quer dizer, há a transformação do que era banal e trazer p’uma coisa mais elitizada. Porque a linguagem é elitizada, você sabe, a linguagem exigida é elitizada. (PROFLPF06E).

Já para um outro professor (F) a mudança se explica em termos de linguagem formal e informal. Os mais velhos tem experiência, já passaram pela adolescência, falam formalmente; a juventude usa uma linguagem informal porque dialoga com pessoas da mesma idade.

E, por fim, para outro professor (D), a mudança é percebida como fala ultrapassada e diz que “os alunos não perdoam as palavras obsoletas ditas pelo professor” (PROFLPF06D). Nesse exemplo, bem visualizamos que uma abordagem pedagógica acerca do fenômeno da mudança lingüística poderia contribuir de forma significativa para mudar essa atitude dos alunos.

7.4.5. Atitudes frente ao fenômeno da variação lingüística

Neste tópico, o foco de nossa observação são as atitudes dos professores frente à variação lingüística. Para tanto, a pesquisa intentou conhecer a opinião destes em relação à fala dos alunos, à de pessoas do bairro em que a escola está situada, à fala dos cearenses, à de pessoas de outros lugares, e à opinião sobre como os alunos encaram a fala dos professores, como descrito nos sub-tópicos a seguir.

7.4.5.1. Opinião sobre a fala dos alunos

Em relação a esse ponto há certa convergência de opinião dos professores sobre a fala dos alunos. 01 (um) dos professores diz que essa fala “representa a liberdade de expressão e mostra a dinâmica da língua” (PRPFLPF06C). Para um outro (A), a fala do aluno é informal, “cheia de palavrões”, mas não vê como algo negativo, embora admita que quando acha que o aluno está falando de forma inadequada não deixa de chamar-lhe a atenção.

Na visão de dois outros professores (B, D), o ponto marcante da fala do aluno e do jovem como um todo é o uso exacerbado de gírias. Embora advoguem que essa fala merece respeito, um deles é categórico ao falar sobre isso:

(...) o que caracteriza é essa modernidade tão desenfreada, muitas gírias né? Que eles... Sei lá! Sem compromisso, sem responsabilidade... Sem compromisso com a LP... Eles não estão nem aí. É tanto que a gente vê na internet o que eles escrevem... Beijo é bjo, você é vc... Aí eles começam a usar códigos (...) tão próprios deles, certo? (...) sem querer ter certeza se tá certo ou não... Não tão nem aí! (...) o importante é se comunicar de qualquer jeito (...) Assim... Por mais moderna que a gente queria ser, né? Porque às vezes a gente nem é, mas a gente quer ser pra poder acompanhá-los, né? (...) Mas às vezes choca porque você... Quer que eles façam aquilo... Eles podem até brincar com a linguagem, mas eles deveriam saber o correto, entendeu? (PROFLPF06D)

No exemplo citado, vemos a tentativa do professor em usar a linguagem típica do público jovem como estratégia para aproximar-se dos alunos. O esforço do professor, no entanto, cai por terra diante da pouca clareza que o mesmo demonstra ter quanto ao gênero textual chat100, cuja principal característica são as acomodações ortográficas feitas pelo usuário no ambiente digital. Para esse professor o modo como o aluno escreve na internet é uma “agressão à língua portuguesa”. Há, nesse caso, desconhecimento da variação diamésica, como descrita por Ilari e Basso (2006).

A não compreensão da variação lingüística gera interpretações equivocadas dos estudos lingüísticos. Observamos isso na fala de um dos pesquisados, quando da avaliação da fala do aluno:

Olha, a fala dos alunos, jovens... Dizem até lá... Os especialistas em Lingüística que... a gente pode falar errado, a gente pode falar tudo, mas que haja comunicação. Mas como a gente tem que trabalhar para o público também (...) vai ter que tentar

100 Sobre esse gênero ver o texto Internet & Ensino, de Araújo, Julio César. In: Vida e Educação: a revista da

um trabalho, vai ter que tentar emprego, você sente que é necessário uma linguagem formal também. Existe essa linguagem formal, porque informal é a corriqueira do dia-a-dia, né? Até mesmo na sala de aula, aqui mesmo, a gente tá falando a corriqueira pra eles entender melhor, mas a formal tem de ser bem assegurada. (PROFLPF06E)

A avaliação de que a fala do aluno expressa ausência de conhecimento da língua, sendo portanto uma fala “errada”, externa a visão de um outro professor pesquisado, sobretudo em relação à variação fonológica. Demonstra, entretanto, que visualiza a relação entre língua e sociedade, ao mencionar o impacto da comunidade na fala do aluno:

De um modo geral, os jovens, a fala deles é mais coloquial. De acordo com as normas gramaticais, a impressão que dá é que eles não têm nem conhecimento da língua. Usam muitas gírias, expressões... Assim... Idiomáticas que às vezes eu não sei nem o que significa. Eu fico assim abismada (...) Uma das palavras que os alunos daqui utilizam é o “truxe”. “Eu truxe”. E eu... é a maioria, sabe... Meu Deus! Eu corrijo... Aí eles dizem assim: - dá no mesmo. Sabe? Quando eles falam errado que eu corrijo: - professora, dá no mesmo. “Eu se lembro”... É assim... É triste! Mas é a realidade. (...) eu acho terrível. Eles falam assim pelo convívio familiar, mesmo. Eles utilizam as expressões de acordo com o meio social, né? No qual eles estão inseridos. Mas eu não concordo porque eles vão precisar mais tarde, né? Eles não vão se comunicar só com o pessoal do bairro deles, com os colegas deles... Eles vão precisar passar por uma entrevista, vão precisar se empregar... Por causa disso, né? Eles podem no futuro não conseguir um bom emprego, né? (PROFLPF06F)

Em síntese, podemos dizer, em relação à opinião dos professores sobre a fala dos alunos, que todos desejam que seus alunos dominem o padrão socialmente aceito, pois isso lhes trará um leque de oportunidades sociais. Há, por parte dos professores, um notório sentimento de afetividade para com o aluno. Eles querem assegurar que o aluno tenha um bom futuro profissional. Esse sentimento, contudo, não camufla a valoração negativa que fazem do modo como falam os educandos.