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3. VARIAÇÃO LINGUISTICA: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

7.1. DOCUMENTOS OFICIAIS

Ao abordarmos os documentos oficiais no capítulo 4, apresentamos algumas das propostas voltadas para o ensino da língua, veiculadas por esses documentos. Neste capítulo

procuraremos focar os aspectos mais propriamente ligados ao fenômeno da variação lingüística, que representam habilidades e atitudes sociolingüísticas, e que estão estritamente ligados ao foco deste trabalho, de modo a estabelecer as correlações do que é proposto pelos PCN com o que é proposto pelos RCB, para o ensino de LP para a 8ª série ou 4º ciclo.

7.1.1. Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN

Na análise dos PCN, cujo eixo de discussão no ensino fundamental centra-se principalmente no domínio da leitura e da escrita, podemos destacar algumas das principais habilidades e atitudes sociolingüísticas apresentadas nesse documento, conforme apresentado no quadro abaixo:

Quadro 1. Habilidades e atitudes sociolingüísticas nos PCN

Habilidades e atitudes sociolingüísticas nos PCN

Desmistificar mitos lingüísticos: a) existe uma forma correta de falar; b) a fala de uma região é melhor que a de outra; c) a fala correta é a que se aproxima da escrita.

Refletir sobre a linguagem para compreendê-la e utilizá-la apropriadamente às situações e aos propósitos definidos.

Perceber as diferentes práticas discursivas como um construto histórico que depende das condições e da situação comunicativa, nestas incluídas as características sociais dos envolvidos na interlocução.

Atentar para as diferenças entre conteúdo e forma dos diversos gêneros textuais escritos.

Reconhecer as características da modalidade oral de modo a dominar a fala pública demandada pelas diversas situações de comunicação.

Reconhecer as singularidades e propriedades dos tipos particulares do uso da linguagem.

Reconhecer os recursos expressivos utilizados pelo autor no texto de modo a perceber que estes refletem as condições de produção do discurso e as restrições impostas pelo gênero e pelo suporte textual.

Perceber as particularidades, regularidades e diferenças entre os diferentes usos lingüísticos da fala da comunidade.

Reconhecer, através da análise empírica dos usos da língua, que não há uma língua única e que o sistema de escrita não pode ser tomado como padrão de correção de todas as formas lingüísticas.

Reconhecer na língua nacional as diferenças de pronúncia, de empregos de palavras, de morfologia e de construções sintáticas que identificam os falantes de comunidades lingüísticas em diferentes regiões.

Identificar o intenso fenômeno da mesca lingüística, atentando para o fato de que num mesmo espaço social convivem diferentes variedades lingüísticas.

(continuação)

Reconhecer que o uso de uma ou outra forma de expressão depende de fatores geográficos, socioeconômicos, de faixa etária, de gênero, e da relação estabelecida entre os falantes e o contexto de fala;

Manipular textos escritos variados e adequar o registro oral às situações interlocutivas em que há a necessidade de um uso da língua mais próximo da escrita;

Compreender que a escrita de uma língua não corresponde a nenhuma de suas variedades lingüísticas, por mais prestígio que uma delas possa ter.

Fonte: quadro elaborado pela autora, a partir da leitura dos PCN.

Ao observarmos esse conjunto de habilidades e atitudes de cunho sociolingüístico, percebemos que, para além das críticas feitas a esse documento, o mesmo é condutor de um conjunto de habilidades e atitudes que o aluno deve ter desenvolvido ao final do 4º ciclo e que, para tanto, dependem sistematicamente de uma intervenção lingüístico-pedagógica da escola.

Assim, os PCN vêm lançar luzes sobre o ensino de LP, pois requerem um refinamento do olhar da escola para o fenômeno da variação. Em síntese, a proposta requer que a escola se insurja contra os mitos da fala certa/ errada, que perceba que a escrita também apresenta variação e que, enfim, consiga levar o aluno a reconhecer os diversos tipos de variação lingüística; a perceber que há variação lingüística em razão do gênero e do suporte textual (variação diamésica); a identificar e saber adequar os registros lingüísticos aos níveis de formalidade que o contexto requer; a valorizar os diversos usos lingüísticos das comunidades de fala; a perceber que a escrita não pode ser tomada como um padrão de fala; a valorizar a variedade dialetal e respeitar a fala do outro. Isso requer da escola um rompimento com um paradigma de ensino focado na gramática prescritivista e a opção consciente por um ensino de língua que leve o aluno a ser um usuário comunicativamente competente.

7.1.2. Referenciais Curriculares Básicos-RCB

Os RCB, como documento basilar da educação da rede pública estadual de ensino do Ceará, também mencionam habilidades e atitudes sociolingüísticas que deverão ser formadas nos alunos da 8ª série ou 4º ciclo, conforme identificamos na análise desse documento. A temática voltada para a variação lingüística aparece eivada das reflexões sociolingüísticas já absorvidas pelos PCN, o que nos permite asseverar que há notoriamente um alinhamento teórico entre os dois documentos.

Como os RCB apresentam os conteúdos subdivididos em conceituais, atitudinais e procedimentais, destacamos as habilidades e atitudes lingüísticas com maior ênfase no citado documento, considerando essa divisão.

Quadro 2. Habilidades e atitudes sociolingüísticas nos RCB

Conceituais

Compreender as características da linguagem oral, articulando elementos lingüísticos a outros não-verbais nos diversos textos e nas diversas situações de comunicação.

Planejar a fala em função da intencionalidade do locutor, das características do receptor e dos objetivos estabelecidos para o discurso.

Identificar e analisar condicionamentos lingüísticos e extralingüísticos presentes no texto. Reconhecer diferentes recursos expressivos utilizados na produção de um texto e seu papel no estabelecimento de sentido.

Adequar a fala em função dos interlocutores.

Compreender as operações de escolha lexical, de transformação estrutural (ativa x passiva; adjetivo x locução adjetiva), de substituição (pronominalização, substituição lexical), de apagamento (omissão, elisão).

Reconhecer as regularidades das diferentes variedades do Português, observando os valores sociais nelas implicados e, consequentemente, o preconceito contra as formas populares.

Reconhecer a variação intrínseca do processo lingüístico como decorrência de fatores geográficos, históricos, sociológicos e técnicos, observando as modalidades oral e escrita, os níveis de registro formal e informal; registros particulares ou de cerimônia, linguagem chula.

Atitudinais

Perceber o conjunto de conhecimentos discursivos, semânticos e gramaticais envolvidos na construção dos sentidos do texto.

Auto-monitorar seu desempenho oral, em razão da intenção comunicativa e a reação dos interlocutores, reformulando-o quando necessário.

Adequar os elementos lexicais, sintáticos, figurativos e ilustrativos às circunstâncias, formalidades e aos propósitos da interação.

Valorizar as práticas de escuta, leitura e produção de textos em situação real de uso da linguagem, atentando para a sua importância social como instrumento de aquisição e transmissão dos conhecimentos, valores e normas.

Respeitar a variedade lingüística do interlocutor.

Posicionar-se de forma crítica, como usuário da língua, com relação a conceitos e normas estabelecidos pela gramática do dialeto dito “padrão”.

Valorizar a língua materna como instituição da soberania nacional e elemento de unificação de nosso povo e de seus anseios.

Ter autonomia na utilização das regras gramaticais a partir de paradigmas lingüísticos inferidos e internalizados.

Utilizar e valorizar o repertório lingüístico da comunidade na produção de textos orais

Procedimentais

Utilizar a linguagem oral em função de suas especificidades.

Interagir com os diversos tipos e suportes de textos observando os aspectos formais e sua função social.

Investigar, refletir e analisar “sobre a linguagem em uso, observando os indícios que permitem a identificação das modalidades oral e escrita; dos registros formal e informal e de outros fatores responsáveis pela diversidade lingüística e suas manifestações nos diversos componentes da língua (fonético, léxico, morfológico, sintático)”. (RCB, p.34). (continua)

(continuação)

Comparar “fenômenos lingüísticos, construindo paradigmas contrastivos, considerando os componentes da língua (fonético, léxico, morfológico e sintático) para inferência de regras sobre ortografia e pontuação”(RCB,p.34).

Ampliar o repertório lexical, possibilitando a escolha de palavras mais apropriadas à intenção comunicativa e às modalidades oral e escrita.

Fonte: Quadro elaborado pela autora, a partir da leitura dos RCB.

Através dessa divisão dos conteúdos em conceituais (referentes à esfera do saber e constituídos por dados, conceitos e princípios), atitudinais (atitudes, valores e normas) e

procedimentais (destrezas motoras e habilidades ou estratégias cognitivas), os RCB trazem a

orientação expressa de que a reflexão sobre a variação lingüística deve ser uma tarefa que a escola deve assumir para si. Enfatizam, porém, somente a oralidade, sem fazer a devida menção à variação também na modalidade escrita.

Não obstante essa lacuna do documento, a ênfase dada aos conteúdos, através da divisão supracitada, pareceu-nos didática, pois permite que a escola bem visualize que tipo de conteúdo deve ser trabalhado para se atingir uma ou outra habilidade e/ou atitude sociolingüística. É importante frisar que o enfoque dos RCB aos conteúdos atitudinais, ou seja, os que pretendem gerar atitudes, valores e normas que “favoreçam a convivência humana e a harmonia nas relações intra e inter-pessoais” (CEARÁ, 1998, p.11), abre um campo de possibilidades de a unidade de ensino discutir os direitos lingüísticos e, a partir da compreensão de que a língua varia, construir, na comunidade escolar, em nosso entendimento, um modus lingüístico pautado pelo princípio da alteridade. Assim a escola, conscientemente, irá impor-se ao mito da fala “certa” e fala “errada”, buscando romper, dessa forma, com o preconceito lingüístico e valorizando a fala da comunidade lingüística do aluno. Nesse caso, o respeito à diversidade dialetal permeará as ações pedagógicas e os comportamentos lingüísticos de todos os atores educacionais.

Em síntese, a proposta dos RCB conduz a escola a valorizar a pluralidade sociocultural; desmistificar os mitos lingüísticos; reconhecer os condicionamentos lingüísticos, como faixa etária, sexo, nível de escolaridade, nível de formalidade, meio/suporte; perceber que a língua varia em todos os seus componentes: fonológico, morfossintático, lexical, semântico, pragmático; fazer a distinção entre norma e uso lingüístico; compreender que a variedade padrão é algo convencionado socialmente e, que, portanto, um ensino de gramática que se pretenda minimamente funcional deve partir de uma concepção dinâmica da língua.