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PARTE I – CONCEITO E ENQUADRAMENTO TEÓRICO: PATRIMÓNIO

Capítulo 1 – O Património Cultural

1.2 A sua importância e preservação

O património cultural faz parte das realidades do presente que se cruzam com o passado e o futuro. Para além do direito ao usufruto da cultura e de um vasto património presente em todo o mundo, o homem deve cumprir os seus deveres sociais27. A proteção

e valorização do património cultural, quer seja de teor local, regional, nacional ou internacional, contribuem para a permanência e transmissão da herança contadora da história do processo de evolução que o homem tem vindo a desenvolver. O património

24 Citado in Pereiro, Xerardo (2006), «Património Cultural o Casamento Entre Património e Cultura»,

ADRA - Revista dos sócios do Museo do Pobo Galego, 2, Santiago de Compostela, Museo do Pobo Galego, 23-41, p. 31.

25 Pereiro, Xerardo (2006), «Património Cultural o Casamento Entre Património e Cultura», ADRA - Revista

dos sócios do Museo do Pobo Galego, 2, Santiago de Compostela, Museo do Pobo Galego, 23-41.

26 Segundo a UNESCO, entende-se por património imaterial "os usos, as representações, as expressões,

conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objectos, artefactos e espaços culturais que lhes são inerentes- que as comunidades, os grupos e nalguns casos os indivíduos reconheçam como parte integrante do seu património cultural. Este património cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é recriado constantemente pelas comunidades e os grupos em função do seu entorno, a sua interacção com a natureza e a sua história, infundindo neles um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para a promoção e o respeito da diversidade cultural e a criatividade humana" (UNESCO, 2003, art.º 2.º).

cultural é, consequentemente, importante na medida em que funciona como um suporte da história. Trata-se de um “conjunto de bens de natureza vária”28, ou seja, é um grupo

de bens materiais e imateriais que detêm um grande valor por serem elementos que representam a cultura de uma sociedade ou grupo. Conhecê-lo e reconhecê-lo é identificar-se enquanto ser humano, sendo por esta razão a cultura um dos fatores que nos distingue entre o vasto reino animal.

Sendo que o património cultural engloba documentos e sítios arqueológicos, monumentos arquitetónicos, objetos, gastronomias, estruturas, entre muitos outros dotados de grande valor histórico, artístico e cultural, todos os bens, sejam materiais ou imateriais, representam as origens culturais e a identidade de uma sociedade ou de um determinado grupo, fundamentais para uma consciência histórica que passa a ser reconhecida e valorizada pelas comunidades e sistemas governamentais no âmbito local, regional, nacional ou internacional.

É um tema fundamental para que nos reconheçamos mas, também, uma ferramenta e um meio que pode e deve ser utilizado para darmo-nos a conhecer e para que sejamos reconhecidos29. Este é, igualmente, importante para um desenvolvimento

sustentável das comunidades por ser possuidor de valor económico, social e qualitativo. O conceito atual de património cultural não está cristalizado, pois, com o tempo, sofre alterações. Mantem-se, no entanto, a noção de que proteger é necessário e fundamental, devendo surgir da própria comunidade a decisão e o desejo de o querer fazer30. Quando falamos deste conceito está inerente algo mais que apenas o passado, pois

o património cultural apenas faz sentido se tiver como propósito a garantia do futuro e se for possuidor de um valor excecional em que uma comunidade se reveja nele. Por outras palavras, é fulcral proteger os bens herdados dos nossos antepassados de modo a transmiti-los às sociedades vindouras para que usufruam e as protejam, investiguem, conheçam e compreendam os usos e costumes, pois, só assim, é possível conhecer a história da humanidade e aprender como o homem foi capaz de se adaptar ao meio natural envolvente. Pode-se, desta forma, constatar que a necessidade de proteger o património é fundamental para o conhecimento da história da humanidade e das múltiplas comunidades. É necessário, no entanto, um conjunto de políticas e planeamentos que

28 Coelho, Sérgio (2012), Nação e Património Cultural – dois conceitos, uma Defesa, Lisboa, Instituto da

Defesa Nacional, p. 25.

29 Mendes, António (2012), O Que é Património Cultural, Olhão, Gente Singular Editora.

30 Neves, Berenice (2003), «Patrimônio cultural e identidades», in Martins, C. (org.), Turismo, Cultura e

visem sensibilizar a sociedade para contribuir nesse processo. Para tal, houve a necessidade, ao longo do tempo, de criar a nível mundial um conjunto de documentos legais que visam isso mesmo.

A destruição de edifícios e monumentos, advinda de, por exemplo, guerras e conflitos, despertou para a necessidade de mudança de postura perante as perdas irreversíveis que sucediam. Logo, a conservação e restauro dos mesmos foram reconhecidos como fundamentais para as civilizações.

Em 1931, a Carta de Atenas procurou combater estas perdas, incentivando o restauro e correspondendo aos novos sentimentos surgidos pelo valor artístico e histórico dos edifícios. Esta carta enfatiza que

a Conferência recomenda o respeito, na construção dos edifícios, pelo carácter e a fisionomia das cidades, sobretudo na vizinhança de monumentos antigos cuja envolvente deve ser objecto de cuidados particulares. Também alguns conjuntos e certas perspectivas particularmente pitorescas, devem ser preservadas31.

No ano de 1964, surgiu a Carta de Veneza, tornando-se num documento de grande importância. A sua principal preocupação, e por sua vez incentivo, era ao nível da conservação e restauro de monumentos e sítios. Surge, então, o conceito de monumento histórico que, segundo o art.1.º da Carta de Veneza de 1964, representa

não só as criações arquitectónicas isoladamente, mas também os sítios, urbanos ou rurais, nos quais sejam patentes os testemunhos de uma civilização particular, de uma fase significativa da evolução ou do progresso, ou algum acontecimento histórico. Este conceito é aplicável, quer às grandes criações, quer às realizações mais modestas que tenham adquirido significado cultural com o passar do tempo32.

Já em 1972, a Convenção para a Preservação do Património Mundial Cultural e Natural constatou que

o património cultural e o património natural estão cada vez mais ameaçados de destruição, não apenas pelas causas tradicionais de degradação, mas também pela evolução da vida social e económica que as agrava através de fenómenos de alteração ou de destruição ainda mais importantes; Considerando que a degradação ou o desaparecimento de um bem do património cultural e natural constitui um empobrecimento efectivo do património de todos os povos do mundo33.

No ano de 1991, publica-se, no Diário da República, a aprovação, para ratificação, da Convenção para a Salvaguarda do Património Arquitéctónico da Europa, aprovada em

31 Carta de Atenas de 1931.

32 Art. 1.º da Carta de Veneza de 1964.

Granada no ano de 1990. Neste documento reconhece-se que “o património arquitectónico constitui uma expressão insubstituível da riqueza e da diversidade do património cultural da Europa e um bem comum a todos os europeus”34. Relembra-se,

ainda, que é necessária a transmissão de referências culturais às próximas gerações, bem como melhorar a qualidade de vida urbana e rural e estimular a economia, a vida social e cultural dos estados e regiões.

Por sua vez, na Carta de Cracóvia de 26 de outubro do ano de 2000, são enumerados os princípios para a manutenção, restauro e conservação do património edificado. Frisam-se os direitos humanos e liberdades fundamentais como um meio e apoio para o desenvolvimento da criatividade cultural. Neste documento, os objetivos delineados centram-se em conservar “o património arquitectónico, urbano ou paisagístico, assim como os elementos que o compõem resultam de uma dialéctica entre os diferentes momentos históricos e os respectivos contextos sócio-culturais”35.

Como a manutenção e restauro do património cultural é exigente e relevante, menciona-se que

a conservação do património construído é executada de acordo com o projecto de restauro, que se inscreve numa estratégia para a sua conservação a longo prazo. O “projecto de restauro” deverá basear-se num conjunto de opções técnicas apropriadas e ser elaborado segundo um processo cognitivo que integra a recolha de informações e a compreensão do edifício ou do sítio36.

A Carta de Cracóvia estabeleceu, ainda, que os diferentes tipos de património construído são: o património arqueológico, edifícios históricos e monumentos, a decoração arquitetónica, escultura e elementos artísticos, cidades históricas e lugares e, ainda, paisagem. De forma a proteger este vasto e variado património, o documento menciona a necessidade de se identificarem os riscos e procurar antecipar sistemas de prevenção que sejam apropriados, procedendo à criação de planos direcionados para uma atuação de emergência.

Todos estes documentos legais tinham, e têm, como principal objetivo a reflexão acerca dos mais variados problemas que afetam a salvaguarda, a valorização e compreensão, em diferentes abordagens, de todo um património que necessita ser

34 Resolução da Assembleia da República n.º 5/91 de 23 de janeiro de 1991, Convenção para a Salvaguarda

do Património Arquitectónico da Europa.

35 Carta de Cracóvia, 2000, alínea 1. 36 Carta de Cracóvia, 2000, alínea 3.

identificado, preservado e divulgado quer a nível nacional como mundial37. Neste sentido,

compreende-se que a produção legal em torno dos bens culturais a constar no património cultural não só é necessária como, também, o principal meio para evitar mais danos.

A intenção de se preservar algo tem o intuito de recuperar memórias do passado numa perspetiva atual, para explanar a alteração dos modos de vida38. Como critério de

seleção para preservar um bem como património cultural é necessário ter em consideração a sua raridade, singularidade e valor excecional histórico. Atualmente, é tido, também, em conta o seu valor económico em função do Turismo. A sua importância para o mencionado sector poderá beneficiar o património cultural, pois, promovê-lo num mercado como o turismo, é uma das formas de preservá-lo, valorizá-lo, reconhecê-lo e de difundi-lo.