• Nenhum resultado encontrado

PARTE I – CONCEITO E ENQUADRAMENTO TEÓRICO: PATRIMÓNIO

Capítulo 2- Enquadramento geológico e hidrogeológico da ilha da Madeira

2.2 O clima e unidades hidrogeológicas

O clima da ilha da Madeira é fortemente afetado e regulado pela sua localização e pela intensidade do anticiclone subtropical dos Açores, nomeadamente dos ventos alísios, frescos e húmidos oriundos de norte e de nordeste. O clima da Madeira é, assim, subtropical, muito húmido, permitindo a ocorrência de aguaceiros, ventos fracos e nevoeiro praticamente durante todo o ano nas zonas mais altas, principalmente na vertente norte, onde, geralmente, ocorre a queda de neve pelo menos uma vez por ano. Curiosamente, no Funchal, a quantidade de chuva que cai anualmente é muito idêntica à de Lisboa, mas a grande diferença é que no Funchal chove menos vezes por ano, o que indica que, quando chove, a quantidade de água é muito maior103.

Verifica-se, simultaneamente que, na vertente mais a sul, é habitual a presença do sol, enquanto mais a norte poderá existir chuvas e aguaceiros104. Os valores de

precipitação e de humidade são mais acentuados nas cotas mais a norte e elevadas da ilha. Por esta razão, a água é muito mais abundante nessas zonas que a sul, onde as temperaturas são mais elevadas. Neste sentido, a temperatura no litoral ronda os 17,5ºC o que é muito superior à temperatura média de 9ºC atingida nas zonas mais altas105.

A nível das unidades hidrogeológicas da ilha da Madeira, o Pico do Areeiro e o Pico Ruivo possuem uma grande importância. Aqui, os valores médios de precipitação são elevados devido à densidade da rede filoniana e pela obliquidade das camadas lávicas. A circulação da água condicionada está, fortemente, dependente dos complexos vulcânicos pós-miocénicos das áreas elevadas para se recarregar.

Por sua vez, o Paul da Serra, localizado no Maciço Ocidental, é considerada a mais marcante área de recarga de águas subterrâneas da ilha. Sendo que a sua estrutura plana e natureza geológica facilita a infiltração de uma parte significativa da

103 Ribeiro, Orlando (1985), A Ilha da Madeira até Meados do Século XX, Lisboa, Instituto de Cultura e

Língua Portuguesa.

104 Fernandes, Filipa (2009), Levadas de Heréus na Ilha da Madeira. Partilha, conflito e memória da água

na Lombada da Ponta do Sol, Ponta do Sol, Câmara Municipal da Ponta do Sol.

105 Fernandes, Ana (2007), Contribuição para o Conhecimento dos Recursos Hídricos Subterrâneos da Ilha

alta precipitação anual, retarda, ao mesmo tempo, o escoamento superficial em direção ao mar e permite a formação de aquíferos muito importantes. “O maciço do Paul da Serra constitui a mais importante unidade hidrogeológica da ilha da Madeira, vindo a assumir, desde sempre, excepcional importância no contexto dos recursos hídricos da Região Autónoma da Madeira”106. As suas características, como a elevada altitude que atinge, a

localização junto à encosta norte, a transformação de intercalações argilosas, a situação climática a que está sujeita (constante passagem de nevoeiros, ventos, frequentes chuvas e orvalhos), o tipo de vegetação que detém e a sua grande área com uma topografia pouco acidentada107, otimiza, portanto, uma eficaz captação natural de água e, de certa maneira,

armazena-a, fazendo com que surjam nascentes em toda a ilha e nas várias altitudes108

(figura 2).

Figura 2. Paul da Serra

A denominação de Paul109 da Serra deveu-se ao facto de que, após chuvadas

intensas de inverno e primavera, formam-se charcos temporários que podem chegar a atingir extensões consideráveis, sendo muito valiosos para assegurar uma existência assídua de água durante todo o ano. A frequente exposição ao nevoeiro e vento a que o Paul da Serra está sujeito (precipitação oculta), é, na verdade muito contribuidora neste processo de captação de água. Graças à sua natureza geológica a captagem de água é favorecida por uma “série de mantos lávicos, com espessuras variáveis e alguns níveis,

106 Prada, Susana (2000), Geologia e Recursos Hídricos Subterrâneos da Ilha da Madeira, Funchal,

Universidade da Madeira, p. 124.

107 Nascimento, Susana (1990), Estudos Hidrogeológicos do Paúl da Serra, Lisboa, Universidade de

Lisboa.

108 Loureiro, João (2010), A Água na Ilha da Madeira, Caracterização Hidrogeológica as Grandes Aluviões

1600-2010, Funchal, Empresa de Electricidade da Madeira.

109Paul significa terra alagadiça; porção de água estagnada; pântano, in Bivar, Artur (1952), Dicionário

também espessos, de piroclastos intercalados” ajudando, assim, “a infiltração das águas o que leva a formação de importantes aquíferos”110. Neste sentido, compreende-se que

este maciço é fundamental para o abastecimento de água de rega e consumo da região. Como será possível compreender posteriormente, possui um papel fulcral na produção de energia elétrica que, com a ajuda das levadas, sustenta algumas das cinco centrais hidroelétricas que mudaram a vida na Madeira. É de evidenciar que, ao longo do tempo, tem vindo a verificar-se um esforço por parte dos habitantes da ilha, e seu governo, para aproveitar, ao máximo, a água tomada por este maciço. Podemos verificar, por este motivo, a existência de mais de uma dezena de levadas que captam as águas que brotam das centenas de nascentes de todo o maciço do Paul da Serra (tabela 1).

Tabela 1. Descarga subterrânea do Maciço do Paul da Serra (agosto)111

Caudal (l/s)

Levada do Lombo do Mouro 20

Levada do Juncal 50

Levadas Paul 1 + Pau 2 100

Levada dos Cedros 30

Levada do Rabaçal 120

Levada dos Brasileiros 10

Levada das Rabaças 180

Nascentes das Pedras 5

Canal do Norte 230

Levada da Rocha Vermelha 300

Levada da Ribeira da Janela 140

Levada da Fajã do Rodrigues 40

Escoamento na Rib. Do Passo e da Vargem 100

Escoamento da Rib. Do Inferno 80

Levada do Seixal 140

Levada do Chão da Ribeira 100

Escoamento na Rib. De João Delgado 50

Galeria da Fajã da Ama 185

Total 59 287 680 m180 l/s = 3 /ano

É possível compreender, assim, que a ilha possui aquíferos importantes para o abastecimento das levadas e da população em geral, sendo os originados pelo Paul da Serra os mais representativos. Tal é que

110 Nascimento, Susana (1990), Estudos Hidrogeológicos do Paúl da Serra, Lisboa, Universidade de

Lisboa, p. 15.

111 Fonte: IGA S.A. e EEM. In Prada, Susana (2000), Geologia e Recursos Hídricos Subterrâneos da Ilha

a captação da água subterrânea processa-se através de perfurações horizontais de grande diâmetro - galerias e túneis - e verticais de pequeno diâmetro - furos - bem como, do aproveitamento do caudal das inúmeras nascentes, através de um sistema de mais de 200 levadas - canais estreitos, escavados na rocha, revestidos a alvenaria - que contornam a ilha, recolhendo e transportando a água numa extensão total superior a 2000 km112.

Com o decorrer do tempo, os madeirenses procuraram explorar as águas retidas nestes aquíferos através destas perfurações que foram realizadas em lugares estratégicos. Foram, sem dúvida, uma mais-valia para as levadas que, na maioria, eram em pequena escala mas que no seu conjunto possuíam um grande caudal aproveitado por todos os habitantes.