• Nenhum resultado encontrado

A técnica e a comunicação no contemporâneo

2 COMUNICAÇÃO, CULTURA E SOCIEDADE – Aspectos para a Compreensão do

2.5 A técnica e a comunicação no contemporâneo

Na concepção dos gregos que criaram o termo, “técnica é a forma de saber de que o homem se serve para produzir o que a natureza não lhe proporciona espontaneamente, mas sempre dentro de certos limites, sugeridos ao homem por essa própria natureza”. Já na concepção dos ocidentais modernos (RÜDIGER, p.300-301), a “técnica pode ser objeto de ciência e meio de dominar a natureza, pode nos tornar senhores do mundo: não há limites para vontade humana, uma vez que essa se deixe conduzir pela pesquisa científica e a atividade técnica (tecnociência ou tecnologia) ”.

Assim, a técnica teria passado de uma fase mítico-artesanal para uma empírica e mecânica e depois para a científica e cibernética. Tanto Rüdiger (2003,2013) quanto Lemos (2013) fazem um resgate histórico e conceitual da técnica para chegarem ao entendimento da tecnocultura contemporânea, sua problemática que convém ser lida por quem pretende aprofundar o assunto. De acordo com Rüdiger (2003, p. 5) desde o século XVII a técnica se converte como poderosa forma material que afeta nosso modo de ser; a vida cultural e as formas de sociabilidade. É neste período em que a técnica se associa à ciência.

Para fins didáticos, na tentativa de relação com o ambiente comunicacional contemporâneo, far-se-á um recorte relacionado a artefatos ou suportes relacionados às transformações no modelo civilizatório em curso. Quando se estuda História da Comunicação, é comum relacionar determinadas ocorrências como marcos determinantes dessas mentalidades. Em A galáxia de Gutenberg, Marshall McLuhan traça uma perspectiva

evolutiva para o processo comunicativo, determinando três períodos: civilização da oralidade, caracterizada pela palavra falada e as relações sociais tribalizadas; civilização da imprensa, na qual as relações sociais se destribalizaram devido ao racionalismo e nacionalismo; e civilização da eletricidade, marcada por um resgate deste tribalismo através dos meios de comunicação permitindo mais interação entre os indivíduos de forma “planetária”. Apesar de receber muitas críticas, alguns dos pensamentos de McLuhan voltam a ser revistos e ressignificados, principalmente depois do da invenção da rede mundial de computadores e a criação da internet.

Convencionou-se dizer que a humanidade passou por três grandes revoluções comunicativas ou três momentos que marcaram o surgimento de nova forma de comunicar, novos meios, a introdução de possibilidades de comunicação e novas práticas de socialização e interação com o ambiente. A primeira revolução teria sido o surgimento da escrita (século V a. C.), que marca a passagem da sociedade oral para a cultura e a sociedade escrita. A segunda foi a invenção dos tipos móveis e a impressão de Johannes Gutenberg (século XV) e a terceira, Revolução Industrial (séculos XIX e XX), marcada pela cultura de massa e caracterizada pela difusão de mensagens veiculadas pelos meios eletrônicos. (DI FELICE, 2008, p.21).

Di Felice é um dos teóricos que defende que na época contemporânea, a humanidade estaria enfrentando uma “revolução comunicativa”, implementada pelas tecnologias digitais e que constituiria “a quarta revolução”, pois estaria ocasionando importantes transformações em vários aspectos do convívio humano, permitindo o alcance de informações a um público ilimitado e a transmissão de mensagens em tempo real. Lévy (1999), em uma visão muito próxima, também trata das transformações pelas quais a humanidade passou até a contemporaneidade, sobretudo em matéria da comunicação, considerando-a uma das

dimensões de uma mutação antropológica de grande amplitude. Sodré (2013, p.12-13), por sua

vez, é contrário ao uso do termo “revolução” empregado nesse sentido, pois afirma que revolução não é conceito que se reduza à mudança simples e pura. “As transformações tecnológicas da informação mostram-se francamente conservadoras das velhas estruturas de poder”. Ele prefere o utilizar “mutação tecnológica”, pois afirma que do ponto de vista

material há uma “maturação tecnológica do avanço científico, que resulta em hibridização e rotinização dos processos de trabalho e recursos técnicos já existentes sob outras formas”.

Termos como “sociedade da informática”, “sociedade da informação”, “era virtual”, “sociedade em rede” tentam definir essa “nova” esfera contemporânea caracterizada pela comunicação mediada pela tecnologia. Como lembram Parente, Latour e Deleuze (2004, p. 91-110), o uso de algumas destas terminologias já significa admitir que as mudanças foram, sim, causadas em parte pelas tecnologias de informação e comunicação.

De acordo com Jambeiro (2009, p. 21), a partir da década de 1980, e mais marcadamente da década de 1990, a evolução da economia mundial e as inovações científicas e tecnológicas convergiram para a criação de novos paradigmas sociais, culturais, políticos e econômicos. Segundo Jambeiro, a chamada Sociedade da Informação caracteriza, principalmente pela formação e desenvolvimento de redes digitais virtuais, que ligam pessoas e grupos, pela reorganização interativa dos processos políticos, sociais, econômicos, culturais e institucionais, com base em tecnologias avançadas de informações e comunicações e pela reconfiguração da vida cotidiana dos indivíduos, grupos sociais, governos, empresas e entidades em geral, por efeito da consolidação e crescente expansão de redes digitais.

Em A pele da Cultura, Derrick de Kerckhove (2009), faz um balanço da transformação histórica que marca a passagem da mídia analógica para a digital. O autor utiliza o conceito de “tecnopsicologia” ao se referir aos significados das interações midiáticas e o papel desenvolvido pela mídia em diversas áreas do conhecimento.

A ‘tecnopsicologia’ é o estudo da condição psicológica das pessoas que vivem sob a influência da inovação tecnológica. A tecnopsicologia pode ser ainda mais relevante agora que existem extensões tecnológicas para as nossas faculdades psicológicas. A tecnopsicologia pode ser para os investigadores da cultura e psicologia, o campo das atividades das psicotecnologias.

Inventei o termo psicotecnologia, baseado no modelo da biotecnologia, para definir qualquer tecnologia que emula, estende ou amplia o poder de nossas mentes. (DE KERCKHOVE, 2009, p. 22).

De Kerckhove defende que a linguagem pode ser considerada um aparato tecnológico ou tecnologia. A linguagem é o software que conduz a psicologia humana. Qualquer tecnologia que afete significativamente a linguagem afeta também o comportamento emocional e mental. Para ele, à medida que aprendemos a ler, o alfabeto influencia nossa relação com o tempo e espaço e a estrutura da linguagem faz com que nosso cérebro processe sequencialmente e ordenadamente determinada informação. Assim, segundo De Kerckhove

(2009, p. 46), o alfabeto criou duas revoluções complementares: uma no cérebro e outra no mundo. E, consequentemente, essa “revolução” alfabética cria perspectiva, entendida pelo estudioso canadense como, arte da representação proporcional do espaço em três dimensões”, uma “projeção direta da consciência letrada” (2009, p. 48). A visão perspectiva tornou-se um sistema privilegiado de representação, segundo De Kerckhove.

Ver as coisas em perspectiva significa colocar tudo no seu lugar com as proporções certas para a mente humana. A racionalidade, que vem do latim ratio, também implica um sentido de proporcionalidade. O racionalismo é o estudo de objetos, noções e relações não simplesmente isolados, mas considerando a sua proporção com todas as outras coisas que pertencem à mesma ordem. A racionalidade faz parte d a psicodinâmica do alfabeto e se expressa sem dúvida, no quadro perspectivo. (DE KERCKHOVE, 2009, p. 51).

Assim, o alfabeto teria se tornado base de inspiração e modelo para outros códigos: a estrutura atômica, a cadeia genética, o bit de computadores (DE KERCKHOVE, 2009, p. 52). “Estamos sendo sempre feito e refeitos pelas nossas invenções” (DE KERCKHOVE, 2009, p. 22), afirma o discípulo de Marshal McLuhan. Para De Kerckhove os computadores aceleram e desintegram padrões culturais tradicionais para reintegrá-los mais tarde, de uma nova maneira porque, segundo ele, todas as vezes que a ênfase é dada a um determinado meio muda, toda cultura se move (DE KERCKHOVE, 2009, p. 83 e p. 141). Ele aponta transformações causadas pelas redes, que encontra na eletricidade amplo processo de alteração e percepção e de extensão dos nossos sentidos que, desde sempre, interessa à relação homem-mídia.

Diante do exposto, é inegável que a humanidade experimentou após a segunda metade do século XX um processo sem precedentes de mudanças no pensamento e da técnica12, em

especial, nas tecnologias de comunicação, nas artes e no pensar da sociedade e das instituições. Esse novo ciclo, vivenciado pela sociedade, passou a ser interpretado de forma distinta, importante base para discussão dos temas seguintes.