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Ativismo em rede, ciberativismo e/ou net-ativismo

3 ATIVISMO EM REDE E MOVIMENTOS SOCIAIS

3.1 A metáfora da rede

3.1.3 Ativismo em rede, ciberativismo e/ou net-ativismo

A nomenclatura referente ao ativismo em rede também não é única. Na literatura é possível encontrar com maior recorrência os termos ciberativismo, net-ativismo, hack-

ativismo e outras denominações que tentam abarcar as ações e características dos movimentos

que adotam a rede como forma de articulação em suas diversas instâncias. Assim como ocorre com o conceito de modernidade e até como a própria cibercultura, as razões para a ausência de uma única denominação para tal fenômeno vão desde a delimitação conceitual por dada linha acadêmica ou de pesquisa ou pesquisador até a divergência em determinados aspectos, apesar de similaridades.

Longe desta discussão, propõe-se aqui a apresentar tais vertentes, por uma questão de opção e coerência teórico-metodológica, opta-se preferencialmente pela adoção de ativismo em rede para dar conta da problemática discutida neste trabalho. Acredita-se que o mesmo é mais abrangente que os demais, que já carregam em si em sua nomenclatura as características contempladas por esta pesquisa, visto que a articulação em rede extrapola a questão espacial, muitas vezes limitada ou mal interpretada na denominação ciberativismo, da mesma forma que também suplanta a denominação net-ativismo que é derivativa ou tradução fiel de

network-ativism. O entendimento desta escolha ficará mais evidente com o detalhamento

dessas definições expressas a seguir. Contudo, tal escolha não invalida, questiona ou diminuiu o que é proposto pelas correntes que defendem as demais nomenclaturas.

Segundo Di Felice (2013a, p. 54), com a expansão da internet, começou a surgir uma série de movimentos de ação direta, com práticas sociais e comunicativas específicas, realizando novas formas de conflitualidades sociais. Surge nos anos de 1990, o termo ciberativismo, que de acordo com o autor, em termos gerais, refere-se a como utilizar a internet para dar suporte a movimentos globais e às causas locais, utilizando as arquiteturas informativas da rede para difundir informação, promover a discussão coletiva de ideias e a proposição de ações, criando canais de participação (LEMOS, 2003).

A primeira experiência que se configura com essas características refere-se às ações do EZLN (Exército Zapatista de Liberação Nacional), um movimento político armado mexicano criado nos anos de 1980 formado por descendentes indígenas e inspirado em Emiliano Zapata, líder da revolução mexicana do início do século XX. A criação do Nafta, tratado de livre

comércio da América do Norte que incluía Estados Unidos, Canadá e México, e a adoção de uma política hegemônica e neoliberal, em 1992, faria emergir dois anos mais tarde mobilizações do ELZN e ocupações na região da província de Chiapas pedindo a derrubada do então presidente Carlos Salinas. Nas estratégias de ocupações iniciadas em 1º de janeiro de 1994, os mascarados do ELZN, sob o comando do subcomandante Marcos, utilizaram a internet como ferramenta de luta política na busca de contatar e estabelecer relações em rede com outras organizações políticas mundiais. A intenção do ELZN era ainda criar a chamada Rede Intercontinental de Resistência, aglutinado a comunicação de toda a resistência contra o neoliberalismo20.

Para Lemos (2003), o ciberativismo busca mobilizar, informar e agir, usando as novas tecnologias do ciberespaço como suporte essencial de luta, criando canais de participação. Segundo ele, é possível pensar em três categorias de ciberativismo: 1) conscientização e informação através de campanhas como as de cunho ambiental, por exemplo; 2) organização e mobilização, a partir da Internet, para uma determinada ação (convite para ações concretas nas cidades), como é o caso dos movimentos de junho que são objeto deste artigo e; 3) iniciativas “hacktivistas”, que contemplam ações na rede, envolvendo diversos tipos de atos eletrônicos como o envio em massa de e-mails, criação de listas de apoio e abaixo-assinados etc. Há, neste sentido, uma aproximação com Sandor Veight (2003, p. 72 apud BECKER 2010)21, que compreende que o ciberativismo, quanto à finalidade, se constitui basicamente em três áreas: a “conscientização/apoio, organização/mobilização e ação/reação”.

Fragoso, Recuero e Amaral (2011, p. 47), por sua vez, definem o ciberativismo, como “a potencialização do indivíduo/coletividade em termos de ação política na internet” e o apresentam como uma das categorias a serem abordadas no contexto de pesquisa e “perspectivas metodológicas construídas para as problemáticas relativas à própria comunicação mediada por computador” (2011, p. 18).

Segundo Ugarte (2008, p. 55), ciberativismo pode ser definido como

toda estratégia que persegue a mudança da agenda pública, a inclusão de um novo tema na ordem do dia da grande discussão social, mediante a difusão de uma determinada mensagem e sua propagação através do ―boca a boca’ multiplicado pelos meios de comunicação e publicação eletrônica pessoal.

20Para mais informações, aconselha-se a consulta ao site do Ejército Zapatista de Liberación Nacional

(www.ezln.org).

21VEGH, Sandor. Classifying forms of online activism:the case of cyberprotests against the World Bank. In:

McCaughey, Martha;Ayers, Michael D. (Ed.). Cyberactivism:online activism in theory and practice. London: Routledge, 2003.

Ugarte explica que a estratégia ciberativista em sua origem previa a disseminação de suas mensagens e ações através da publicação em um blog, fórum, um e-mail ou SMS para pessoas reenviassem à sua lista de contatos. Tal estratégia previa duas formas básicas: a lógica de campanha, ou seja, construir um centro, propor ações e difundir a ideia; e o iniciar de um

swarming, isto é, um grande debate social distribuído, com consequências imprevisíveis.

O conceito de ciberativismo, entretanto, segundo Di Felice (2013a), teria se transformado, por não se limitar à incorporação da internet aos processos comunicativos do ativismo, delineando-se como “uma forma intensiva de interação em rede entre indivíduos, território e tecnologias digitais, designativa da conectividade característica da ação social em e nas redes” (2013a, p. 54), havendo assim uma mudança do ciberativismo para outra terminologia derivada da reinterpretação do termo netactivism ou net-ativismo, que deu título ao livro de Ed Schwartz (1996) e que indica a simplificação da expressão Network-Ativism, como forma de não restringir seu significado ao âmbito da democracia eletrônica e das redes cidadãs de participação política ou aos usos da internet propostos pelo ciberativismo, mas também com a finalidade de “analisar uma nova forma de ativismo digital em rede e na rede que se articula como maximização das possibilidades de autonomia, de processos de sustentabilidade e de criatividade no âmbito dos movimentos new-global”, caracterizados não pela oposição à globalização, mas pelo advento de uma identidade cidadã global, habitante das redes digitais, que não nega a diversidade local e cujas pautas reivindicatórias e de ação glocal avançam na direção do atendimento das necessidades comuns, tais como a democracia, equidade, consumo consciente e sustentabilidade (DI FELICE, 2013a, p. 54).

Com a necessidade aprofundar o significado de ação social, Di Felice distingue historicamente três principais fases do net-ativismo.

A primeira fase, que podemos considerar como uma fase embrionária está ligada ao advento da internet na sua primeira forma de rede de computadores, que torna possível a divulgação e o compartilhamento de textos e de primeiras ações com caráter global entre os internautas. A segunda fase, ao contrário, é marcada pela experimentação das primeiras formas de conflitualidades sociais que pela internet deslocam a ação social para uma espacialidade informático-planetária. A terceira se caracteriza pelo advento da web 2.0 e dos social network e se exprimem, além de que, em movimentos de protestos, subversões de vários tipos, na constituição de redes eficazes de ativismo e de colaboração. (2013a, p. 55)

Esse terceiro momento que, segundo Di Felice (2013a, p. 55-58), é marcado pela “passagem de uma forma de conflitualidade informativa-mediática para formas reticulares autônomas e colaborativas de ativismo” responsáveis, em muitos casos, pela “implementação

de radicais processos de transformação ou pelo surgimento de novos atores e de amplos movimentos surgidos contra os partidos políticos e a corrupção, tornando difícil e inseguras as ações de governos de diversos”.

Assim, o “net-ativismo” pode ser entendido como

o conjunto de ações colaborativas que resultam da sinergia entre atores de diversas naturezas - pessoas, circuitos informativos, dispositivos, redes sociais digitais, territorialidades informativas - apresentando, segundo esta perspectiva, como a constituição de um novo tipo de ecologia (eko-logos) não mais opositiva e separatista, mas expandido às demais entidades técnicas, informativas, territoriais, de forma reticular e conectiva. (DI FELICE, 2013b, p. 268)

Feita tal contextualização, a seguir, serão apresentadas considerações sobre ação social, os movimentos sociais contemporâneos, suas características e particularidades dos protestos brasileiros.

3.1.3.1 Ação Social

Di Felice (2012) organiza as teorias sociológicas em dois grupos a partir dos significados atribuídos à ação do sujeito em relação ao meio ambiente e a sociedade.

O primeiro grupo, que englobaria autores como Marx Weber e Jünger Habermas, conforme destacado por Di Felice como teoria da ação social empática, que “descreve a ação social como sequência intencional de ações fornidas de sentidos que um sujeito (seja este indivíduo ou coletivo, muitas vezes definido como ator ou agente) realiza” (p.36-37), ou seja, “atividade do sujeito em direção ao externo, isto é, ao ambiente, à sociedade e ao seu contexto”. Weber, em Economia e Sociedade (2004) classifica quatro formas de determinação da ação social a partir de valores, finalidades, emoções e da tradição enquanto Habermas (1987) analisa a ação como atividade do sujeito racional. Ele distingue três mundos (o dos eventos, o social das normas e o subjetivo dos sujeitos em diálogo) e cada um deles determina um tipo de ação (teológica, regulamentada pelas normas e agir dramatúrgico) e acrescenta ainda a “ação comunicativa”, onde a esfera de ação seria “mediada pelo debate e pelas discussões racionais” que os sujeitos teriam com o objetivo de uma ação transformadora. (DI FELICE, 2012, p.37).

Já o segundo grupo, de acordo com Di Felice (2012, p. 38), “pensa a impossibilidade da realização da ação, a sua irrelevância e, até mesmo, a sua inexistência”, definindo ação social como “‘exotópica’, isto é, extensa ao sujeito, estranha e imposta a ele, segundo o significado do conceito de ‘exotopia’ indicado pela obra Dostojevskij de Mikhail Bakhtin”. A este grupo,

pertenceria desde Platão, Émile Durkheim, Talcott Parsons até Hannah Arendt, que, em A

Condição Humana (1981), a descreve como marcada por três tipos de atividade: o trabalho, a

obra e a ação, ligando esta última ao aspecto do discurso, diferentemente dos gregos, atribuindo o significado de “ação social a partir de sua distinção em relação à política” onde se definem os espaços público e privado como âmbitos da vida e as pessoas deixariam de agir para se comportar da forma esperada pela sociedade (DI FELICE, 2012, p.38).

De Habermas, que defendia que toda ação política era uma ação comunicacional, também é pertinente mencionar o conceito de esfera pública, que segundo ele seria o espaço onde pessoas, articulam suas visões de mundo, suas opiniões e organizam-se para tentar influenciar ou questionar as instituições políticas.

Ampliando a questão da ação social para os contextos das redes digitais ou mídias sociais digitais, que “incluem as novas formas de protestos e de ações de cidadania”, tanto Di Felice quanto Roza (2012) citam Joshua Meyrowitz, que repensa o conceito de situação social como algo ligado à interação humana e também às formas de interações eletrônicas como já mencionado quando se tratou da perspectiva e ecologia reticular e as interações dos meios de comunicação contemporâneos.

De fato, um exame mais aprofundado das dinâmicas de situações de comportamentos indica que o lugar enquanto tal é na realidade uma subcategoria da noção mais inclusiva de campo perceptivo. A natureza da interação não é determinada pelo ambiente físico enquanto tal, mas pelos modelos de fluxos informativos […]. A situação social e os comportamentos no interior da sociedade podem ser modificados pela introdução de novos meios de comunicação […]. A situação social pode ser considerada também como um sistema informativo, isto é, como um determinado modelo de acesso às informações sociais e como um determinado modelo de acesso ao comportamento das outras pessoas (MEYROWITZ, 1985, p. 61, apud DI FELICE, 2012, p. 17).

Segundo, Di Felice (2013a; 2013b), as culturas ecológicas contemporâneas, as práticas de sustentabilidade, os movimentos de ativismo digital através de formas de conflitualidade realizadas mediante as interações com social networks, são as expressões de um novo tipo de ação social, não mais direcionada ao externo, nem apenas resultante de práticas provocadas por um condicionamento informativo ou técnico. Diante do exposto, o teórico afirma que surge a necessidade de se pensar um novo tipo de ação, biótica, técnica e informativa ao mesmo tempo, e um novo tipo de meio ambiente, interativo e dinâmico, que é possível habitar somente por meio de interações tecno-humanas, reticulares e colaborativas, que envolvem “dispositivos, circuitos elétricos, bancos de dados e às demais pessoas, muitas vezes, também

conectadas a dispositivos, circuitos elétricos, bancos de dados e às demais pessoas”. “Mais do que uma transformação comunicativa, a forma reticular, portanto, apresenta-se como uma nova ecologia” (DI FELICE, 2013b, p. 256).

3.1.3.2 A teoria ator-rede

Di Felice defende a proposta da Teoria do Ator Rede (ANT) de Bruno Latour, Michel Callon e John Law, que, inspirados na microssociologia de Gabriel Tarde, se propõem a estudar o social não mais a partir do conforto dos conceitos teóricos desenvolvidos pelas ciências sociais como totalidade de estruturas, instituições e grupos, mas decorrente da observação dos tipos de agregações reticulares resultantes de processos de conexões, passando assim do estudo do social para o estudo dos coletivos e, consequentemente, da sociologia para “as ciências das associações”.

Social is not a place, a thing, a domain, or a kind of stuff but a provisional

movement of new associations. (LATOUR, 200522, p. 238 apud LEMOS,

2013b).

E nesse sentido, Di Felice postula em Do Social para as redes, a introdução de A

comunicação das coisas (2013), que “o social deixa de ser para se tornar-se evento,

acontecimento comunicativo, único e assistêmico”.

A esfera comunicativa não pode ser mais pensada apenas como mídia, isto é como o conjunto de meio e instrumento de fluxo de informações. A comunicação, deixa também de ser o elo de junção entre atores para se tornar a forma constituidora. A partir desta concepção é necessário ressaltar que de nada servem as intepretações e os estudos sociológicos sobre a a mídia desenvolvidos em contextos industriais para entender a complexidade do papel da comunicação que desenvolve-se em contexto de redes e redes (LEMOS, 2013b, p. 14-15).

A Teoria Ator-Rede (TAR), também conhecida como “sociologia da tradução” (sociology of translation) ou “sociologia da inscrição” (enrolment theory)23 nasceu no âmbito

dos Estudos de Ciência e Tecnologia (Sceince and Tecnology Studies, STS), sendo estabelecida nos anos de 1980, por Bruno Latour, Michel Callon, Madeleine Akrick, Jonh

22O social não é um lugar, uma coisa, um domínio ou um tipo de coisa, mas um movimento provisional de

associações”. (tradução nossa). Originalmente in LATOUR, B. Reassembling the social: An Introduction to Ator-Network Theory. Oxford: Oxford University Press. Ver a tradução brasileira Reagregando o Social. Introdução a Teoria do Ator-Rede, EDUFBA/EDUC, 2012.

23 Segundo Lemos (2013b, p. 36), a noção de inscrição está ligada à fabricação de fatos por instrumentos em um

Law, Wiebe Bijker, entre outros. Tais teóricos passaram a pensar o social de acordo com questões econômicas, simbólicas, institucionais, jurídicas e científicas de forma inseparável e, por isso, o conceito de rede, enquanto “movimento da associação, o social em formação” ganha tamanha relevância (LEMOS 2013b, p. 34-35). Os críticos como Bingham e Thrift24,

afirmam que Latour se apropria das concepções sobre redes de Michel Serres, aqui já mencionadas, em que a rede é o próprio espaço-tempo e remete às formas de associação entre actantes25 e intermediários26 definindo a relação (ou mediação ou tradução ou inscrição entre

eles). Em outras palavras, a rede seria o “próprio movimento associativo que forma o social”, movimento este nem sempre linear, como defendia Serres (LEMOS, 2013b, p. 53).

Assim, dentro desta concepção, a tradução ou mediação, que outrora se viu na concepção de Martín-Barbero, mas que é oriundo deste ponto de vista das concepções de Serres significando “relações que implicam sempre em transformação, comunicação, comunidade, no sentido principal dessa palavra como causa, como o comum ou a política”, algo interpretado ou transformado, “uma coisa transformada em outra” e remete aqui para comunicação e transformação dos actantes e para a constituição das redes, implicando, sobretudo, na ação ou agenciamento que um actante faz ao outro e nas estratégias e interesses envolvidos na “estabilização futura da rede” com a obtenção de determinado objetivo (LEMOS, 2013b, p. 48).

Aqui, a Teoria Ator-Rede é utilizada como forma de exemplificar a complexidade das dinâmicas que abarcam o objeto de estudo bem como mensurar alguns conceitos que permitam facilitar sua compreensão. Não se pretende aprofundar tais questões, uma vez que a análise aqui proposta, mesmo diante do fenômeno abordado, contempla apenas algumas dessas especificidades, mas metodologicamente adota outro direcionamento, embora esteja relacionado aos conceitos propostos.

Segundo Di Felice (2013a, p. 64), nessa perspectiva a ação em contextos reticulares é o resultado do diálogo entre diversos actantes, humanos e não-humanos, que compõe coletivos não estruturados. Abordar-se-á a seguir, aspectos referentes a associações contemporâneas que se articulam em redes e se configuram em movimentos sociais.

24 BINGHAM, N.; THRIFT. N. Some New Instructions for Travellers. The Geography of Bruno Latour and

Michel Serres. In CRANG, M.; THRIFT. N. (ed.) Thingint Spae, New York: Routledg, 2003. (Citado por LEMOS, 2013b).

25 Actante é um termo criado por Lucien Tesnière usado na semiótica greimasiana para designar participante

(pessoa, animal ou coisa) em uma narrativa literária. Para Greimas (1974), é o actante quem realiza a ação. Segundo Lemos (2013b, p.42), é o ator da expressão ator-rede, o mediador, o articulador que fará a conexão e montará a rede nele mesmo e fora dele em associações com os outros.

26 Intermediários seriam aqueles que apenas transportam (leva de um lugar ao outro) sem modificar ou