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Sobre a questão do Sujeito – Identidades e alteridades

2 COMUNICAÇÃO, CULTURA E SOCIEDADE – Aspectos para a Compreensão do

2.2 Cultura e Comunicação

2.2.2 Sobre a questão do Sujeito – Identidades e alteridades

A questão da identidade, construção e desconstrução do sujeito é tônica desde a antiguidade e se acentuou com a pós-modernidade e esvaziamento do sujeito. No contemporâneo, essa questão ganha novos contornos e a busca por essa construção identitária passa a operar no simbólico, tanto para definição dos indivíduos (sujeitos) quanto para a questão dos grupos (sujeitos coletivos) nos quais os mesmos estão envolvidos.

Segundo García Canclini (2009, p. 184), a desconstrução mais radical da subjetividade vem sendo realizada por procedimentos genéticos e sociocomunicacionais que favorecem a invenção e simulação de sujeitos. O autor nos lembra de que as situações envolvidas na comunicação entre pessoas e grupos, as maneiras em que a usam e o tipo de práxis que realizam ao transformá-la e, inclusive o transformar mediante a linguagem, as interações sociais. (GARCÍA CANCLINI, 2009, p. 194). Assim, segundo García Canclini, para a compreensão do sujeito, a teoria bourdieana ajuda a compreender a interação entre as estruturas estruturantes com as quais a sociedade configura os sujeitos, por meio do habitus4,

4 De acordo com García Canclini (2009, p. 198) Bourdieu descreve o habitus como uma estrutura modificável

e as respostas dos sujeitos a partir de práticas. (GARCÍA CANCLINI, 2009, p. 197). A crítica que García Canclini faz a Bourdieu, no entanto, refere-se ao fato dele reduzir sua teoria social aos processos de reprodução social sem distinguir as práticas (como execução ou reinterpretação do habitus) e a práxis (transformação da conduta para a transformação das estruturas objetivas). Para resolver tais lacunas, a sugestão é “examinar os processos de mediação sociossubjetiva mediante os quais se implantam nos sujeitos os esquemas de conhecimento e ação. (GARCÍA CANCLINI, 2009, p. 198).

De acordo com García Canclini, a questão do sujeito se ampliou nas últimas décadas na filosofia, na linguística, na antropologia e na psicanálise com a necessidade de configuração atual da subjetividade relacionada à questão da interculturalidade do mundo globalizado e, sobretudo, devido ao aspecto “móvel” e “flutuante” dessa formação e permanência do sujeito diante das condições tecnológicas e culturais pós-moderna. (GARCÍA CANCLINI, 2009, p. 2000). Assim, a discussão sobre a concepção do sujeito passou de um caráter universal (na filosofia e psicanálise), para a análise empírica do sujeito relacionada à cultura, classe ou nação (na história, na sociologia e na antropologia) passando a considerar as interações entre indivíduos e sociedade, já que a glocalização “intensifica a dependência recíproca). Assim, García Canclini defende que, principalmente num mundo em rede, os sujeitos não são mais isolados ou definem sua identidade atrelada a questões de etnia ou nação ou território, o sujeito é intercultural e o pós-moderno o redefine como “nômade”, uma vez que configuração atual da sociedade ele “vivem trajetórias variáveis, indecisas e modificadas várias vezes”.

As identidades dos sujeitos formam-se agora em processos interétnicos e internacionais, entre fluxos produzidos pelas tecnologias e as corporações multinacionais; intercâmbios financeiros globalizados, repertórios de imagens e informação criados para serem distribuídos a todo o planeta pela indústria cultural. Hoje, imaginamos o que significa ser sujeito não só a partir da cultura em que nascemos, mas também de uma enorme variedade de repertórios simbólicos e modelos de comportamento. (GARCÍA CANCLINI, 2009, p. 201)

Nesse contexto de interculturalidade, García Canclini defende que as identidades podem ser definidas a partir de diferenças, desigualdades e conexões, objetos antes tratados separadamente pelas ciências sociais. Antes os estudos sobre conectividade e desconexão se concentravam no campo comunicacional e informático, a questão do ético e nacional era tratada sob o ponto de vista das diferenças e as teorias macrossociológicas se preocupavam

com a questão das desigualdades. Segundo García Canclini, há necessidade, no contexto atual, de trabalhar a interculturalidade conjuntamente.

Os sujeitos ou grupos se definem de acordo com suas características que remetem a ideia de pertencimento. Tal característica é associada a determinado grupo, quem não a possui é diferente, logo não pertence, ou seja, nesse processo, ao mesmo tempo em que há a constituição ou firmação de identidades, ocorre a alteridade, resultando em expulsão simbólica, através da discriminação, dos que se afastam da ideia defendida pelo grupo. Aqui, até certo ponto, há de se considerar uma aproximação com a chamada teoria da desconstrução de Jacques Derrida. Segundo Nöth (1996, p. 145), para Derrida, significações são geradas num processo dinâmico que envolve tanto diferença (différence) e diferencia (différance). Diante desse quadro, outra questão que passa também a ser considerada é a da alteridade, onde as identidades passam também a ser definidas com relação ao outro, com o nosso alter ego, da forma como o estigmatizamos em relação à nós mesmos. Neste sentido, há aproximações com Paul Ricoeur e seus estudos sobre a linguagem no qual a mesma é muito mais entendida como produção do que como produto, e analisa-se a relação da mediação entre o sistema e o ato, a estrutura e acontecimento (GARCÍA CANCLINI, 2009, P. 193-194) e, sobretudo, a questão da mediação da alteridade. Na polifonia social, se produzem multi- identidades que combinam autoidenditade (ou identidade requerida) e heteroidenditades (identidades atribuídas).

Jesús Martín-Barbero (2006) também destaca a questão da identidade como um processo a ser observado no contemporâneo. Ele afirma que dois processos estão transformando radicalmente o lugar da cultura em nossas sociedades: a revitalização das identidades e a revolução das tecnicidades.

o que a revolução tecnológica introduz em nossas sociedades não é tanto uma quantidade inusitada de novas máquinas, mas sim de um novo modo de relação entre os processos simbólicos – que constituem o cultural – e as formas de produção e distribuição dos bens e serviços: um novo modo de produzir, confusamente associado a um novo modo de comunicar, transformar o conhecimento numa forma produtiva direta. (MARTÍN- BARBERO, 2006, p. 54).

Foi com Dos Meios às Mediações: comunicação, cultura e hegemonia, de 1987 e publicado no Brasil dez anos mais tarde, que o termo mediação popularizou-se. A etimologia da palavra mediação remete ao adjetivo inglês mediate (embora se admita também vinculação com o francês mediat e, em seguida, médiation) do qual se originou o substantivo médiation e seus derivados, como intermediation (SIGNATES, 2012, p. 37-38). Na perspectiva de

Martín-Barbeiro, teórico dos estudos culturais latino-americanos, a preocupação com o meio e a produção da mensagem se desloca para os processos culturais, sociais e econômicos presentes tanto na produção quanto na recepção das mensagens da mídia. Desta maneira o conceito de mediações abrange a construção cultural e simbólica de sentido e as ressignificações as quais os sujeitos da comunicação (emissor/produtor e receptor) estão vinculados e às práticas sociais que o envolvem e nas quais eles estão imersos, ou seja, às mediações ou práticas entre comunicação e movimentos sociais. Com as transformações ocorridas nas últimas décadas, eventuais lacunas foram sendo preenchidas e o conceito revisto.

A ruptura da ordem linear sucessiva alimenta um novo tipo de fluxo, que conecta a uma estrutura reticular do mundo urbano com a do texto eletrônico e do hipertexto. Na assunção de tecnicidade midiática como dimensão estratégica da cultura, nossa sociedade pode interagir com nos novos campos de experiência em que hoje se processam as mudanças: desterritorialização/recolocação das identidades, hibridações da ciência e da arte, dos escritos literários, audiovisuais e digitais, a reogranização dos saberes desde os fluxos e redes, pelos quais hoje se mobilizam não só a informação, mas também o trabalho e a criatividade, o intercâmbio e a aposta em comum de projetos políticos, de pesquisas científicas e experimentações estéticas (MARTÍN-BARBERO, 2006, p.76)

Guillermo Orozco Gómez, por sua vez, entende que as mediações têm um caráter múltiplo podendo se manifestar em diferentes níveis: individual (do sujeito como indivíduo ou sujeito social), situacional, institucional e videotecnológico ou midiático. Estas noções foram descritas num momento em que a televisão era o veículo de maior audiência na sociedade e ainda a internet não se apresentava na forma como se apresenta hoje. Orozco Gómez (2006, p. 88-89) afirma que entende as mediações como processos estruturantes que provêm de diversas fontes, incluindo processos de comunicação e formando as interações comunicativas dos atores sociais e que a mediação tecnológica vem causando mudanças de paradigmas nas formas de participação, nas transformações identitárias e na educação.

A distinção entre mediação e midiatização é abordada por Sodré (2013, p. 11-82). Segundo ele, a palavra mediação carrega o significado da ação “de fazer ponte ou fazer comunicarem-se duas partes (o que implica diferentes tipos de interação)” enquanto midiatização se caracteriza pela ordem de mediações socialmente realizadas através de um meio ou médium ou dispositivo cultural sociotécnico, que Sodré considera uma “prótese” (do grego prosthenos, extensão), num sentido próximo ao de Marshall McLuhan que defendia que os meios de comunicação eram extensões do homem. Ao se tratar desta construção simbólica

da cultura e dos processos que a envolvem há de se considerar o papel singular da comunicação, conceito tão polissêmico quanto o de cultura. Por este, motivo, retoma-se tal conceito.