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1. História, educação e o cuidado

1.4. Heidegger e o cuidado como um modo de ser

1.4.1. A tarefa do pensamento: história e método

Não poderíamos compreender a tarefa do pensamento sem a compreensão do fundamento de tudo isso que é a questão do ser. Logo no primeiro parágrafo, Heidegger questiona a forma como sempre se compreende o ser na história da metafísica ocidental. Por isso, logo no início re-estabelece a questão do ser como um fundamento perdido. No entanto, também nesse princípio vincula à discussão o problema da diferença como maneira de compreender o ser.

Nessa longa discussão do primeiro parágrafo ele re-estabelece o ser como fundamento, mas não qualquer ser, um modo de ser específico – o Dasein. Porém, é a desconstrução que significativamente representa a tarefa de Heidegger perante a história do pensamento.

A primeira maneira de compreender o empreendimento heideggeriano fez com que a

71 É importante perceber que o cuidado enquanto o voltar-se para as coisas mesmas, mas sem esquecer a crítica

de Nietzsche sobre o tempo e a historicidade. Isto significa dizer que o cuidado em Heidegger é voltar-se para as coisas mesmas dentro da história.

tarefa da filosofia se voltasse à desconstrução,73 ou à destruição. É no § 6 do Ser e Tempo que se constata uma progressividade do trabalho ontológico com o ser, desde a história dos gregos.

Ao contrário, ela deve definir e circunscrever a tradição em suas possibilidades positivas e isso quer sempre dizer em seus limites, tais como de fato dão na colocação no questionamento e na delimitação, assim persignada, do campo de investigação possível. Negativamente, a destruição não se refere ao passado; a sua crítica volta-se para o hoje e os modos vigentes de se tratar a história da ontologia, quer esses modos tenham sido impostos pela doxografia, quer pela história da cultura ou pela história dos problemas. Em todo caso, a destruição não se propõe a sepultar o passado em um nada negativo, tendo uma intenção positiva. Sua função negativa é implícita e indireta.74

Heidegger, portanto, classifica uma face de sua tarefa enquanto negatividade. Trata-se da capacidade de re-pensar o presente, através do passado. De certa forma, é apresentado o problema da desconstrução como uma epoché. Assim, os problemas do passado vêm explicar o presente. A desconstrução se torna um elemento fundamental no esclarecimento da história do pensamento.

A questão heideggeriana representa, como passagem das teorias da consciência, da representação, das teorias do sujeito, para as teorias do mundo prático, para as teorias do modo de ser-no-mundo, esta passagem que podemos identificar como produto de uma discussão teórica que o filósofo realizou consigo mesmo, com diversas filosofias de seu tempo, com autores escolhidos e, sobretudo, com a própria história da filosofia como um todo que o filósofo chama de metafísica. Dissemos que não podemos esquecer a proposta heideggeriana desta mudança de paradigma. Tanto em Ser e Tempo, como na desconstrução da história da metafísica, Heidegger propõe a superação do esquema sujeito-objeto.75

A tarefa realizada por Heidegger tem a pretensão de re-interpretar o solo da antiga ontologia para poder desentulhar essa região. Contudo, a tarefa de interpretar exige que se comece a partir de um impacto gigantesco da leitura da metafísica. E a primeira consequência é a desconstrução da noção de conhecimento que se tinha como modelo estabelecido, o modelo do sujeito e do objeto. No entanto, o próprio Heidegger fala em lado positivo da desconstrução. O lado negativo é o limitativo, o da re-interpretação. E há o lado positivo, o que é chamado de re-interpretação que precisa lembrar-se do que ficou esquecido na história da metafísica, o horizonte da temporalidade.

Com esse lado positivo ente tem como consequência uma interpretação “diferencial”, ou seja, o ente passa a ser interpretado como vigência, “(...) .isto é, a partir de determinado modo de tempo, do presente”. (HEIDEGGER, 2002, §6.)

73

STEIN, Ernildo. Diferença e Metafísica: ensaios sobre a desconstrução. Porto Alegre: Edipucrs, 2000. Ver também PÖGGELER, Otto. A via do pensamento de Martin Heidegger. Trad.: Jorge T. de Menezes. Lisboa: Instituto Piaget, 2001.

74 HEIDEGGER, 2002, §6. 75 STEIN, 2000, p. 46-47.

Com isso, Heidegger retoma a noção da ontologia grega e de toda ontologia a partir da essencialidade do ser do homem, do Dasein, da pre-sença, que se caracteriza como “ (...) o ser vivo cujo modo de ser é, essencialmente, determinado pela possibilidade da linguagem”. (HEIDEGGER, 2002, §6.) Os estudos de Heidegger são sua tentativa de interpretar toda ontologia a partir da pre-sença. Assim “O ente que se manifesta nessa apresentação e que é entendido como ente próprio é, portanto, interpretar com referência ao pre-sente, ou seja, concebido como vigência ().” (HEIDEGGER, 2002, §6.)

E dessa forma encontramos imediatamente o §7, onde Heidegger demonstra como ele entende seu método fenomenológico e, como, principalmente, vai articular a perspectiva da fala, do tempo no mundo. A questão fenomenológica aparece como princípio, mas já em uma primeira apreciação fala que a fenomenologia exprime uma máxima que significa voltar-se às

coisas mesmas. No entanto, é mais adiante que Heidegger vai analisar o conceito de

fenomenologia, mais do que um método, buscar o que cada parte quer dizer. Então, respectivamente: a) fenômeno; b) logos.

Em primeiro (a) lugar, o conceito de fenômeno quer dizer: aquilo que se mostra, aquilo que vem à luz.

Deve-se manter, portanto, como significado da expressão “fenômeno” o que revela o que se mostra em si mesmo, , “os fenômenos”, constituem, pois, a totalidade do que está à luz do dia ou se pode pôr à luz, o que os gregos identificavam, algumas vezes, simplesmente com   (os entes), a que a totalidade de tudo que é.76

Assim, o conceito de fenômeno se vincula imediatamente com a noção de verdade (Heidegger, 2002, § 43) que, entre os gregos, tinha grande enlevo na forma de interpretar o mundo. Aqui Heidegger parece realizar uma vinculação delicada na sua incursão ao mundo antigo. Heidegger parece juntar três formas de interpretar o conceito de manifestação: a) a manifestação como ato: as intuições; b) a manifestação como determinação: o mostrar-se; c) a manifestação como expressão: linguagem.

Nas duas primeiras formas de manifestação, o conceito de fenômeno dá conta, explicita e demonstra suas articulações, pois é assim que a função do mostrar-se em si mesmo revela a junção entre a determinação física e a intuição das formas que o fenômeno tem função de mostrar. Assim, o fenômeno passa a ter uma categoria de sentido revelada na ação do Dasein, contudo, a terceira se dá na ação do Dasein e se expressa no logoi do Dasein. Em outras palavras, a unidade da totalidade das estruturas desse fenômeno somente aparece na expressão deste, na linguagem. Por isso, a fenomenologia, segundo Heidegger, é a ciência dos

fenômenos, mas esses enquanto a totalidade dos entes que aparecem, physis, e enquanto intuição das formas. E sempre, sem esquecer, que as duas partes alcançam uma unidade no sentido que a linguagem as oferece. E é por isso que nosso filósofo quer demonstrar tal unidade através do sentido da linguagem, identificando novamente a intuição das formas, a determinação dos entes e a linguagem em uma única ação, a do dasein.

No entanto, a seguir, Heidegger irá definir o que ele compreende pelo logos (b), o que isso significa e como isso demonstra o que se mostra a si mesmo. Então o conceito de logos possui duas significações: a) discurso – que nos apontamentos do Ser e Tempo diz ser a tradução literal, mas que sempre faltou clareza na história da filosofia para esclarecer o que significa discurso; b) razão – este, como é apontado no Ser e Tempo, como juízo, conceito, relação. No entanto, se entendermos juízo como se entende em nossos dias, ficaria mais complexo ainda, alerta Heidegger. Então, é preciso entender o juízo como ligação, posicionamento. Assim “O  deixa e faz ver () aquilo sobre o que se discorre e o faz para quem discorre (médium) e para todos aqueles que discursam uns com os outros. O discurso „deixa e faz ver‟  ... a partir daquilo sobre o que discorre”. (HEIDEGGER, 2002, §7)

É a partir dessa perspectiva, dos filósofos da natureza, que é modelando o logos para ser o ordenador do dever e da ordem, o cosmo. E, mais adiante, faz menção a uma diferenciação importante, e, somente em alguns momentos, como no exercício concreto, o discurso tem o caráter de fala. “E somente porque a função do  como  reside no deixar e fazer ver algo em de-mostrando é que ele pode ter a forma estrutural de

”. (HEIDEGGER, 2002, §7.) Em outras palavras, a função do logos, como dissemos

anteriormente, é a de síntese de algumas estruturas do ser. E a síntese aqui mencionada não tem um significado como aquele que conhecemos hoje, o  tem o caráter de deixar e fazer ver aquilo que se mostra conjuntamente com outro. E é pelo caráter de deixar e fazer ver que o logos pode ser verdadeiro ou falso. E a verdade, no sentido aqui empregado por Heidegger, não é de adequação como dos medievais e modernos, ele trabalha com o conceito de verdade grego, o descobrir.

Além disso, Heidegger atribui o conceito de verdade grego à percepção, ou seja, ao perceber, a visão percebe cores, a audição, sons. O verdadeiro nesse sentido é sempre o descobrir. Assim, a verdade pura e simples é uma , uma percepção que no seu mais

verdadeiro de perceber o ente, torna-a um .77 Com isso, o logos reside num puro deixar e fazer ver o ente, e é por isso que o Logos pode significar razão, fundamento. Assim, em últimas palavras, o logos é aquele que se mostra “(...) como algo visível em sua relação com outra coisa, em seu relacionamento, por isso o logos assume a significação de relação de proporção” (HEIDEGGER, 2002, §7)

Então, o conceito de Fenomenologia é a junção do fenômeno e do logos, como foram descritos por Heidegger na totalidade dos § 6 e 7. Por isso, nosso filósofo diz que fenomenologia é:

(...) deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra, tal como se mostra a partir de si mesmo. É neste sentido formal da pesquisa que traz o nome de fenomenologia. Com isso, porém, não se faz outra coisa do que exprimir a máxima formulação anteriormente – “para as coisas elas mesmas!”. 78

Assim, mais do que referir uma simples constatação da constituição dos elementos que os cercam (entes), ele fala de uma descrição como captação daquilo que vigora, buscando fugir da teoria do conhecimento tradicional vinda de Platão e de Kant e inaugurando algo além da teoria tradicional do conhecimento.