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1. História, educação e o cuidado

1.4. Heidegger e o cuidado como um modo de ser

1.4.2. O cuidado: característica e função

O cuidado dentro da perspectiva em que Heidegger a constrói é a de um eixo, de um nexo. Uma espécie de nó. E este nó vai ser evidenciado pelas conexões que esse eixo vai estabelecer, assumindo uma nova dimensão do ser, o da diferença entre o ôntico e ontológico. A primeira característica que o conceito de cuidado traz é a de uma noção de re- estruturação do pensamento filosófico antigo da teoria da verdade grega. O que resulta objetivamente em um restabelecimento das formas essências do habitar o mundo pelos homens. Dessa maneira, há um novo caminho a ser percorrido, um caminho que vai por novas questões na leitura de clássicos da filosofia. E a marca diferencia dessa nova forma de pensar resgata uma temporalidade inerente ao ser, que Heidegger chama de pre-sença, ou Dasein. Essa temporalidade é a constituinte do ser.

Desta forma, temos outra característica, a da diferença fundamental que se instaura na forma originária do ser. Quando Heidegger volta-se ao problema da pergunta de Platão sobre o ser e vê nela tamanha ambiguidade e profundidade que sente dificuldade de compreender o

77 Segundo o dicionário de teoria do conhecimento e metafísica( RICKEN, Friedo (org.), 2003), noesis é a

representação pura do objeto, ou como ato e intuição da essência. No entanto, para Heidegger o que parece haver é uma percepção simples do ente como tal, um descobrir seu sentido.

que significa Ser. Por isso, estabelece, como ele mesmo chama, o primado ôntico-ontológico do Ser. Esse primado exercido pelo único ser capaz de ser tais características e torna-se capaz de compreender e interpretar o ser. No entanto, é pelo fato de o Ser ter essa capacidade que se tem como resultado a própria abertura do ser em “relação a”. E esta abertura pretensamente não natural, poder ser mais natural do que se pensa.

Ao contrário, de acordo com um modo de ser que lhe é constitutivo, a pre- sença tem a tendência de compreender seu próprio ser a partir daquele ente com quem ela se relaciona e se comporta de modo essencial, primeira e continuamente, a saber, a partir do mundo.79

O que mostra é uma função propriamente singular. A compreensão do mundo e de si. Contudo antes ainda precisamos esclarecer alguns elementos fundamentais da formação deste ser e deste mundo. A primeira é uma distinção conceitual e ontológica, da existencialidade e existenciaridade. E desta forma Heidegger diz:

Chamamos de existência ao próprio ser com o qual a pre-sença pode se comportar dessa ou daquela maneira e com o qual ela sempre se comporta de alguma maneira. Como a determinação essencial desse ente não pode ser efetuada mediante a indicação de um conteúdo qüididativo, já que sua essência reside, ao contrário, no fato de dever sempre assumir o próprio ser como seu, escolheu-se o termo pre-sença para designá-lo enquanto pura expressão de ser.80

A própria definição de ser torna-se fundamental para compreender a estrutura desse ser que se articula entre uma existenciaridade e existencialidade. E é nessa própria definição de existência que reside, segundo Heidegger, a possibilidade de ela ser ela mesma ou não, ou seja, revelar uma existência autêntica ou inautêntica. Assim, a existenciaridade seria uma “(...) compreensão de si mesma que assim se perfaz, nós a chamamos de compreensão existenciária” (HEIDEGGER, 2002, §4.) e de existencialidade como “(...) o conjunto de estruturas”. (HEIDEGGER, 2002, §4.) E essas estruturas são apenas desdobramentos que constituem a própria existência.

Em síntese, a existencialidade, ou ainda, como nosso autor irá chamar de existência será estrutura e até desdobramento da própria existência, sendo que essa existência é apenas um assumir-se, tomar a si como fundamental para si. E, assim, ela se revela como o ser que torna-se si, ou seja, é o desvelamento do seu próprio ser. Assim, Heidegger fala que entende “(...) a existencialidade como constituição ontológica de um ente que existe”. (HEIDEGGER, 2002, §4.), e a compreensão existenciária é aquela que uma pre-sença faz de si mesma. Assim, a existência é um assumir-se ou não enquanto pre-sença, e esta compreensão se dá dentro do primado ôntico, em sua determinação ôntica e desdobra-se em estruturas

79 HEIDEGGER, 2002, § 5. 80 HEIDEGGER, 2002, §4.

ontológicas que permitem a antecipação da própria compreensão da pre-sença. Essa antecipação prévia executada revela o que Gadamer vai chamar de círculo hermenêutico da compreensão.

Então estamos de volta aos gregos, e esta aproximação da existência mesma deste ser revela uma atitude de volta às coisas mesmas demonstrando o primado ôntico-ontológico do ser. E esse primado é o fundamento da própria investigação da analítica existencial que é empreendida com o objetivo de re-estabelecer o horizonte da interpretação e do sentido.

Esta revelação demonstra o que e quando vai ser a construção objetiva da destruição da história da ontologia, e é essa história que permite uma revisão sobre a problemática do ser e da sua ambiguidade. E, assim, a história se torna uma realidade constituinte do próprio ser.

Com isso, seu próximo passo é a construção de um método que seja capaz de dar a ele um fio condutor para investigar velhas questões, com um novo olhar, com uma nova perspectiva, a fenomenologia hermenêutica. Sempre levando em conta o caráter ontológico e epistemológico que busca uma nova dimensão da verdade, a Aletheia é que dá um caráter próprio da tarefa da ciência em geral.

Para continuar a tarefa de uma descrição da analítica mais pormenorizada é preciso realizar a tarefa de descrever e de, através de uma linha, mostrar o entrelaçamento e a possibilidade de descrever, desvelar o ente que se manifesta enquanto pre-sença. Assim,

Trata-se de uma hermenêutica que elabora ontologicamente a historicidade da pre-sença como condição ôntica de possibilidade da história fatual. (...) A filosofia é uma ontologia fenomenológica e universal que parte da Hermenêutica da pre-sença, a qual, enquanto analítica da existência, amarra o fio de todo questionamento filosófico no lugar de onde brota e para onde retorna.81

Assim, resumidamente, as funções são parte da característica fundamental da pre- sença em sua condição ôntica, o cuidado. E, no entanto, o cuidado aparece como condição ôntica para qualquer elaboração ontológica do próprio ser. É nesse contexto, portanto, que essa analítica que Heidegger prepara é uma investigação acerca das condições ônticas de qualquer elaboração ontológica sobre o ser. Em outras palavras, para nosso autor, a primeira seção da primeira parte é uma investigação fundamental, a procura pela arché de todo o ser.