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O cuidado e o processo docente: entre a avaliação e a ética

3. Um olhar sobre Educação e Pedagogia segundo o conceito heideggeriano de cuidado

3.4. O cuidado e o processo docente: entre a avaliação e a ética

A avaliação, em confronto com o cuidado, passaria a ser mais que um processo de desvelamento, de descoberta em busca de uma nova relação com o mundo. A descoberta, a avaliação, mudaria o paradigma científico, flexibilizando o processo e re-conduzindo o ser ao mundo. Assim, todo o processo avaliativo precisaria ser confrontado com a estrutura do

cuidado delineada até agora.

Sobre o ponto de vista da relação com os alunos, teríamos a compreensão de um nexo fundamentado no registro, na interpretação, dos fenômenos que nos cercam. O professor poderia ser essa figura que nos leva para diante de um verdadeiro ser-em, que é um contextualizador, ou melhor, aquele que assume a verdadeira essência pedagógica de re- conduzir o ser de volta à sua história. É aquele que mostra o real sentido do ser e, sendo assim, do re-estabelecer a pergunta fundamental.

Em outras palavras, é a mesma coisa que Zabala diz sobre a questão da avaliação por competências em que a situação da prova escrita e delimitada pelo tempo exclui um grande conjunto de conteúdos importantes para a vida. E, assim, responder a uma “situação- problema”, é responder a uma situação concreta que requer o domínio de certas competências que devem aparecer no “caminho da clareira”.

O professor tem a capacidade de reconduzir a experiência da docência para a pergunta fundamental, que é aquele que consegue também estabelecer o processo de construção, ou melhor, de descoberta contínua de pesquisa e trans-formação de si e dos outros. Isso ocorre porque, fundamentalmente, o professor também é um ser-junto-a e com isso estes outros seres também têm a sua situação, sua existencialidade.

Enquanto isso, o aluno, que tem a sua abertura para o mundo ainda ampliada, também amplia a do professor por ser o aluno também um ser-em. Então, revelado, pois tem o mundo sendo revelado, desvelado diante de si, mas também revelador, como aquele que revela outro mundo, para o professor. Nessa conexão, nesse nexo de mundos é que a abertura cada vez mais apresenta o caráter de compreensão. Essa compreensão sempre alcança seu ponto mais intenso quanto mais própria e próxima estiver do próprio mundo, porque a abertura tem esta característica de colocar a sua existencialidade sempre em jogo, ou, em outras palavras, é como se ela colocasse sempre em jogo sua própria existência.

E também o aluno é a própria possibilidade de ser. Com isso, abre-se novamente em um processo circular em que cada um dos dois pode ser e como junto-a o aluno estabelece uma intensa atividade de interpretação, joga-o em projeto, em construção, como toda a construção que necessariamente precisa constantemente refazer-se. Porém, essa atividade é importante porque os remete a um programa inicial onde o discurso indica a validade. É como se os discursos indicassem a forma da realidade, mas o que acontece realmente é que a própria interpretação origina a estrutura do “como”. Então a verdade é um processo de descoberta, sendo que o si-mesmo está sempre em jogo, é a descoberta de si. Porém, consequentemente, quando o pre da pre-sença está em jogo, é todo processo de antecipação, a descoberta também

e a descoberta do mundo, manifestando a dinâmica de objetividade.

Assim, quando Zabala diz que avaliação pode ser limitada pelo caráter do processo seletivo,.

Atendendo a essa função seletiva, as atividades para adquirir informação sobre as aprendizagens escolares podem ser bastante simples. Por fim, o que interessa saber simplesmente é se os alunos sabem ou não. Trata-se de provas as quais, geralmente, consistem na resposta por escrito sobre o conhecimento disponível sobre um tema ou na resolução de exercícios e problemas mais ou menos padronizados.240

A descrição que o professor faz é bastante pertinente no quesito acúmulo de informações. É uma medida usada para classificar o acúmulo de informações voltadas para um mesmo objetivo, uma espécie de baú de informações. Há algumas variações sobre um mesmo tema, que olha a avaliação como mediadora,241 como investigativa etc. Contudo, quando a cultura empirista cresce entre os professores, e as ações docentes são voltadas apenas para “o fazer”, hoje até mais pragmáticas, quando Zabala fala de uma avaliação voltada para o vestibular, vemos que a avaliação precisa de um novo ponto de partida.

Seguindo a comparação feita com o cuidado, quando falamos sobre o currículo, precisamos aprender a ver a avaliação como processo, e isso significa sempre, a todo momento e em qualquer lugar. Assim, a avaliação é um processo de interpretação sobre as compreensões feitas. Em outras palavras, é dizer que a avaliação é fundamentalmente um círculo de compreensão sobre os processos, ou modos-de-ser em que os entes se desvelam para a pre-sença. É uma forma em que podemos ver a avaliação mais como um processo de verificação da configuração de um determinado ente. Se essa configuração causar uma surpresa, como se estiver fora de alcance, a ferramenta se dá como simplesmente um aí.

Esse aí, que é simplesmente dado, revela-se como simples pre-sença. Ele está aí. E assim, a singularidade desse processo de conhecimento se dá. O que se quer mostrar é que, dentro desse processo, a relação entre o professor e o aluno pode ser empurrada a um nada epistemológico e simplesmente não fazer sentido nenhum.

Com relação à avaliação, a situação é que, se ela for desconstruída e vista a partir do conceito de cuidado, temos uma nova configuração para ela que não pode ser mais vista como uma simples verificação ou como figura de mediação dentro de um processo sintético. A questão é que a própria avaliação deve ser um processo sintético. Ela sintetiza o que está ao

240

ZABALA, 2010, p. 170.

241 Não será abordada a questão da avaliação mediadora, porque, segundo entendemos, a mediação está

envolvida dentro de um processo maior de síntese, e, talvez, uma síntese absoluta em relação ao processo de conhecimento. Assim, segundo a filosofia de Heidegger, o que não é possível é falar em um todo estrutural , pois isso significa dizer que, mesmo que esse todo seja composto de partes, e estas partes não fazem o todo, elas podem ser independentes, sendo que uma parte pode fazer um novo todo.

redor e processa-a em um nível de compreensão que apenas acontece porque antes, durante as aulas, a abertura em relação ao mundo foi proporcionada, e a avaliação é a continuação deste diálogo com o mundo. E um dos elementos mais importante para podermos ver a avaliação dessa forma é a compreensão da circularidade que a estrutura do cuidado nos mostra.

A cura não pode significar uma atitude especial consigo mesmo porque essa atitude já se caracteriza ontologicamente como preceder a si mesma; nessa determinação, porém, já se acham também colocados os outros dois momentos estruturais da cura, a saber, o já ser-em e o ser-junto-a.242

Quer isso dizer que o discurso produzido é sempre uma avaliação, trans-forma a avaliação em uma estrutura de antecipação que coloca a si mesmo em jogo. Durante esse processo, significa que a avaliação acabará se tornando o próprio cuidado, como antecipação da sua existencialidade. Com isso, poderemos mostrar que a disciplina (matéria, ciência) trabalhará cada vez mais em vista da elaboração de também uma dupla circularidade, ou seja, vai desvelar e ser desvelada.

A relação entre professor e aluno e a relação dos alunos com a prova vai se trans- formar em um processo contínuo de desconstrução, pesquisa e descobrimento. Dessa forma, prova que algo deve, como propomos, ser repensado. Provar algo ainda exige a sobreposição, a afirmação, de uma teoria sobre a outra. Essa desconstrução levaria a re-fazermos a pergunta que nos move: Qual é o sentido do ser? Como já dissemos anteriormente, conforme já afirmara Heidegger, se não houver referência ao mundo, não há sentido algum.

A verdadeira trans-formação ocorreria com uma vigorosa transformação de paradigma feito por Heidegger, e que o próprio Stein em seu texto Seis estudos sobre o Ser e Tempo, em especial atenção no capítulo 2, quando fala sobre o significado do conceito paradigma de Kuhn, mas, principalmente, quando fala de Heidegger diz: “„Teoria‟ e „prática‟ são possibilidades ontológicas de um ente cujo ser deve determinar-se como cura”. (HEIDEGGER, 2002, §41)

Com isso, podemos ver que Heidegger quer desconstruir as perspectivas tradicionais do conhecimento em relação ao ser e mostra como o cuidado, substituindo o cogito, pode ser uma alternativa para o modelo racional educativo. Então, em outras palavras, o cuidado trans- formaria a relação entre professor e aluno em um processo de abertura constante em relação ao mundo e a si mesmo, fazendo, com isso, que a ciência possa nascer em um solo eficaz, já que o cuidado reconduziria constantemente, aluno e professor, de volta para a experiência do mundo.

Com referência às avaliações, elas se trans-formariam neste constante trânsito de aluno

e professor de volta para o mundo, buscando sentido para as ciências e para suas ocupações no mundo. Toda a relação com o mundo traria o sentido de volta à experiência original com a realidade.

Torna-se necessário também olhar de forma diferente para este importante processo de que os professores precisam cuidar de si mesmos como seres humanos. Esse processo de abertura e que se vincula à construção como um cuidado, parafraseando Heidegger, denomina-se como cuidado (cura).

3.5. A epistemologia moderna e a formação dos professores e o