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A Teoria da Argumentação Jurídica de Neil Maccormick

No documento In dubio pro contribuinte (páginas 65-68)

2 A ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

2.1 BREVES COMENTÁRIOS ACERCA DAS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

2.1.4 A Teoria da Argumentação Jurídica de Neil Maccormick

A argumentação prática (em geral) e a jurídica (em particular) cumprem um papel principal de justificação. Se o objetivo é persuadir, por exemplo, somente é possivel convencer alguém de algo por meio de justificativas. No caso da argumentação jurídica, deve-se demonstrar que um enunciado está de acordo com os fatos postos e as normas vigentes. MacCormick apega-se muito à necessidade de justificação para a construção de sua teoria. A justificação de uma argumentação apenas poderá ser válida se os critérios para que se dê uma argumentação adequada forem respeitados. Nota-se que há vinculação total entre o respeito aos

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“Concluindo, talvez coubesse dizer que a distinção garantia-respaldo, transferida para o campo da argumentação jurídica, não mostra nada que já não nos fosse conhecido com a perspectiva lógica-dedutiva (e a que se fez referência no primeiro capítulo), ou seja: a existência do silogismo prático,a ambigüidade característica dos enunciados deônticos (que podem ser interpretados como normas ou como proposições normativas) e a existência, ao lado da justificação interna, de um esquema de justificação externa” (ATIENZA, Manuel. As

razões do direito – teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Trad. Maria Cristina Guimarães

Cupertino. São Paulo: Landy, 2006, p. 111).

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Parece-nos pertinente a crítica de Toulmin à chamada validade formal da lógica, que se trata de uma rearrumação de premissas para se chegar a conclusões. Nota-se que é fácil realizar um raciocínio válido do ponto de vista da lógica formal e nota-se também que a multiplicidade de premissas e a sua multi-direcionalidade impede que o direito seja analisado unicamente pelo ângulo da lógica formal. “Mas há algo que é preciso perceber desde já: uma vez que se empregue a garantia correta, qualquer argumento pode ser apresentado na forma ‘dados; garantia; logo, conclusão’, e, portanto, com a garantia correta, qualquer argumento pode ser expressado de tal modo que sua validade seja evidente simplesmente por sua forma; isto é igualmente verdade qualquer que seja o campo do argumento – nada muda, quer a premissa universal seja ‘todos os múltimos de 2 são pares’, ‘toda as mentiras são repreensíveis’ ou ‘todas as baleias são mamíferos’. Qualquer premissa, assim, pode ser escrita como garantia incondicional, “um A é certamente um B”, e ser usada numa inferência formalmente válida; ou, para dizer as coisas de modo menos enganador: qualquer premissa pode ser usada numa inferência que seja montada de modo a ter validade formalmente evidente” (TOULMIN, Stephen E. Os usos do argumento. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 171).

procedimentos e a construção da justificação. Esta irá se embasar exatamente no procedimento seguido, nas suas premissas, nas relações entre estas etc.

Dentre os inúmeros aspectos da teoria de MacCormick, cabe sobressaltar alguns como a análise da crítica realizada por Dworkin114 a Hart, quando ele defende o emprego do argumento por analogia no direito. Por meio dessa análise, o autor demonstra as suas posições acerca do juspositivismo, da única resposta correta, das categorias normativas, dentre outras115. MacCormick116 concorda com a importância dos princípios que é dada por Dworkin, ao contrário de Hart117, que não os teria, de acordo com Dworkin e outros autores,

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“Quero lançar um ataque geral contra o positivismo e usarei a versão de H. L. A. Hart como alvo, quando um alvo específico se fizer necessário. Minha estratégia será organizada em torno do fato de que, quando os juristas raciocinam ou debatem a respeito de direitos e obrigações jurídicos, particularmente naqueles casos difíceis nos quais nossos problemas com esses conceitos parecem mais agudos, eles recorrem a padrões que não funcionam como regras, mas operam diferentemente, como princípios, políticas e outros tipos de padrões. Argumentarei que o positivismo é um modelo de e para um sistema de regras e que sua noção central de um único teste fundamental para o direito nos força a ignorar os papéis importantes desempenhados pelos padrões que não são regras” (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos

a sério. Trad. Jefferson Luiz Camargo. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 36). 115

“A crítica de Dworkin a Hart, tal como entende MacCormick [...] se concentra nestes quatro pontos: 1) Hart não se dá conta do papel dos princípios no processo de aplicação do Direito. 2) Os princípios não poderiam ser identificados pela regra de reconhecimento, que, como se sabe, na caracterização do Direito de Hart, tem precisamente o papel de indicar quais não (sic) as normas – no sentido mais amplo do termo – que pertencem ao sistema. 3) A teoria das normas sociais, em que se baseia a noção de regra de reconhecimento – e de norma, em geral – é insustentável. 4) Hart caracteriza mal o poder discricionário, ao supor que, nos casos difíceis, os juízes atuem como quase-legisladores e exerçam uma (sic) poder discricionário forte” (ATIENZA, Manuel. As razões do direito – teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Trad. Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy, 2006, p. 135).

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Ao contrário de Dworkin, MacCormick sustenta que as suas idéias não contradizem as de Hart, mas talvez as complementem. “Entretanto, de minha parte, não considero que essa teoria seja mais subversiva do que complementar em relação a argumentos como os de Hart” (MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito. Trad. Waldéa Barcelos. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 199).

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Apesar de Dworkin ter feito inúmeras críticas a Hart – muitas das quais foram repetidas por outros autores – este respondeu que inúmeras delas estão equivocadas. Hart admite que conferiu pouca atenção aos princípios, mas que não deixa de reconhecer os princípios como normas jurídicas. “Muito se deve a Dworkin por ter demonstrado e ilustrado a importância e a função dos princípios no pensamento jurídico, e foi de fato um grave erro de minha parte não ter enfatizado sua força não-conclusiva. Mas, ao usar a palavra ‘norma’, não pretendi absolutamente afirmar que os sistemas jurídicos incluem apenas normas do tipo ‘tudo ou nada’ ou quase conclusivas” (HART, H. L. A. O conceito de direito. Trad. Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 339).

por normas jurídicas118. Ele tem, porém, uma visão distinta da de Dworkin no que diz respeito à estrutura e à função dos princípios e das regras. MacCormick discorda que as regras sejam sempre aplicadas segundo o “tudo ou nada”, pois entende que elas também podem ser objeto de ponderação, conflitando, inclusive, com os princípios. Esta é uma posição assumida por muitos juristas britânicos e americanos e que foi adotada, aqui no Brasil, à guisa de exemplo, por Humberto Ávila e Ana Paula Barcellos, como veremos no próximo capítulo.

MacCormick também critica a posição de Hart no sentido de que haveria um poder discricionário do juiz quando não houvesse uma norma clara que solucionasse determinado caso concreto. Dworkin119, como é sabido, realiza a mesma crítica a Hart120. No entanto, MacCormick, assim como Hart, discorda de Dworkin quanto à existência de uma única resposta correta para cada caso. Ele admite que distintas soluções serão possíveis, mas a correta será aquela que disser o Poder Judiciário, por meio do seu órgão supremo, conferindo a palavra final à jurisprudência, que é uma característica da common law.

MacCormick, entretanto, não se desvencilha totalmente do juspositivismo. Pelo contrário, ele confere ênfase à literalidade do texto e aos argumentos linguísticos de um modo geral, agregando aspectos da racionalidade prática a essas idéias, o que faltou ao juspositivismo, que

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“Apesar de se tratar de uma velha questão em todo o pensamento jurídico ocidental, esta de saber se existe um direito para além daquele (independentemente daquele) que está estabelecido, ou posto, pela autoridade política competente, ela foi de novo colocada nos nossos dias, de forma nova, pelo famoso jurista norte-americano Ronald Dworkin (1931-...), antigo discípulo de Hart, ao criticar este, por não admitir, no âmbito da sua teoria da ‘norma do reconhecimento’, um dos mais importantes – mas ao mesmo tempo menos concretos – tipos de normas: princípios” (HESPANHA, António Manuel. O caleidoscópio do direito: o direito e a justiça nos dias e no mundo de hoje. Coimbra: Almedina, 2007, p. 113).

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“Os positivistas falam como se sua doutrina do poder discricionário judicial fosse um

insight e não uma tautologia; como se ela tivesse alguma incidência sobre a análise dos

princípios. Hart, por exemplo, afirma que, quando o poder discricionário do juiz está em jogo, não podemos mais dizer que ele está vinculado a padrões, mas devemos, em vez disso, falar sobre os padrões que ele ‘tipicamente emprega’. Hart pensa que, quando os juízes possuem poder discricionário, os princípios que eles citam devem ser tratados de acordo com a nossa segunda alternativa, como aquilo que os tribunais ‘têm por princípio’ fazer” (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Jefferson Luiz Camargo. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 55).

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Hart, mais uma vez, afirma que a crítica de Dworkin é precipitada, pois o juiz não seria um legislador, mas praticaria uma atividade semelhante apenas, estando submetido a “limitações que restringem a sua escolha”. Em seguida, Hart defende que, em alguns casos, não haverá uma resposta correta e “o juiz tem o direito de seguir padrões ou razões que não lhe são impostos pela lei e podem diferir dos utilizados por outros juízes diante de casos difíceis semelhantes” (HART, H. L. A. O conceito de direito. Trad. Antônio de Oliveira Sette- Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 352).

sempre foi extremamente formal e pouco preocupado com as multiplicidade de valores, com as circunstâncias do caso concreto, além de outros aspectos que não podem ser desvinculados do direito.

No documento In dubio pro contribuinte (páginas 65-68)